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Artigo

Águas para a paz, artigo de D. Luiz Cappio

O Prêmio da Paz 2008, concedido pela Pax Christi Internacional, nos foi entregue, no dia 18 de outubro, em Sobradinho (BA). Três mil pessoas estiveram presentes de 10 estados (incluindo os do Nordeste, receptores da Transposição do Rio São Francisco), da região e de outros países, como Peru, Alemanha, Áustria, Suíça, Canadá e França. Pelas mãos de pescadores, indígenas, quilombolas, sem-terra, atingidos por barragens, moradores de rua, religiosas, gente solidária de todo canto, fomos levar o prêmio ao Velho Chico. Razão da nossa luta, é ele o justo merecedor, pela vida que dá a milhões de brasileiros, como um verdadeiro pai. A placa dourada do prêmio, como um sacramento, ficará na Gruta do Bom Jesus da Lapa.

A Pax Christi na Europa e em outras partes é muito respeitada. Criada por católicos ao final da 2ª Segunda Guerra para promover a reconciliação e a paz entre franceses e alemães, tornouse importante influência em processos de paz em todo o mundo. Pela terceira vez dá o prêmio a brasileiros. Os dois anteriores postumamente: à líder camponesa Margarida Alves e ao embaixador Sérgio Vieira.

É inegável, o prêmio significa reconhecimento internacional da nossa luta. E perturba o governo Lula lá fora. Ele planta a idéia de que a transposição é fato consumado. Porém, um ano depois, os militarizados canais não atingiram dois quilômetros. A crise econômica ameaça esta e outras obras do PAC.

Dizem que a transposição divide o Nordeste e que o “Rio da Integração” virou “Rio da Dis-córdia”. O prêmio Pax Christi sugere outra visão.

Na verdade, somos um mesmo semiaacute;rido, na Bacia do São Francisco e no Nordeste setentrional, buscando e criando, por mãos populares, um modo alternativo e viável de vida e produção.

Trata-se de “envolvimento” mais que de “desenvolvimento”. Quem promove a desintegração são as elites, com um “novo” regionalismo em torno da seca, em disputa por recursos públicos. Continuam as mesmas, oligárquicas e predatórias, tal como sempre foi a “indústria da seca”. A faraônica e interminável obra é sua principal cartada. A água, o bem mais precioso, virou moeda a se privatizar com a transposição, para valorizar frutas nobres, “cana-de-etanol”, camarão e ligas de aço para exportação, especulação financeira e política. Tudo isso, para a o Rio e o povo pagarem a conta.

Estão sendo anunciados outros prêmios para nossa luta – Cidadão Mundial Kant (Alemanha) e Condômino do Planeta (Portugal). Continuamos na contracorrente de um mundo em crise sob domínio de minorias poderosas e inescrupulosas, que insistem em reciclar seu falido sistema. Para além dos mercados e novos apartheids, afirmamos a reconciliação e a paz entre pessoas, comunidades, regiões, com as águas, a terra e a natureza. Sofremos com a fragilização das mediações políticas e sociais, com a distorção dos canais de participação popular, mas estamos recuperando com o jejum e oração a Firmeza Permanente e a Não-Violência Ativa e Solidária, “armas dos desarmados”.

Dimensões fundamentais da vida e da luta estão sendo redescobertas, como em Sobradinho, a alegria contagiante do povo.

* Artigo enviado por Ruben Siqueira, CPT/BA, colaborador e articulista do EcoDebate

[EcoDebate, 18/11/2008]

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