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Exército tira transposição do Rio São Francisco do papel


A igrejinha branca e azul nos arredores de Cabrobó (PE), onde o bispo d. Luiz Flávio Cappio, em 2005, fez a primeira greve de fome contra a transposição do Rio São Francisco, está fechada. Na região, não há mais manifestações contrárias à obra e os tratores de esteira e as escavadeiras do Exército rasgam o sertão em ritmo acelerado, começando a abrir os dois canais que vão levar água do “Velho Chico” para as bacias hidrográficas do Ceará, do Rio Grande do Norte, da Paraíba e do agreste de Pernambuco. A reportagem é de Ribamar Oliveira e Wilson Pedrosa e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 10-08-2008.

Depois de nove meses de trabalho, os dois batalhões de engenharia e construção que estão na área já concluíram cerca de um terço das obras a cargo do Exército. Nada menos do que 1,6 milhão de metros cúbicos de terra, rochas e outros sedimentos já foram escavados – o que equivale a 18 Maracanãs cheios.

Os protestos contra a transposição acabaram por vários motivos. Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal Federal (STF) cassou todas as liminares concedidas por juízes de primeira instância que impediam o início das obras. Além disso, a presença dos militares ajudou a dar credibilidade ao projeto.

“A estratégia de começar as obras com o Exército foi muito boa”, admitiu o padre Ceslau Broszecki, da paróquia de Cabrobó. “Aqui tudo se acalmou, ninguém fala mais nada (contra a transposição)”, disse o padre. A presença do Exército representou também segurança para os moradores, pois a rodovia que passa por Cabrobó e Floresta é conhecida como “rota da maconha”, utilizada por traficantes.

SANEAMENTO

Outra razão para o apaziguamento na região é o grande investimento que o governo federal está fazendo na revitalização do São Francisco. Um dos programas prevê o saneamento básico nas cidades ribeirinhas. Atualmente, os esgotos dessas cidades são despejados no rio. Nesse programa, o governo prevê aplicar R$ 1 bilhão.

Há 72 municípios com obras de saneamento em andamento. As de outros 44 estão em processo de licitação. Além desses, o governo pretende atender mais 78. Cabrobó, por exemplo, espera concluir suas obras no próximo mês e aumentar de 33% para 99% a parcela de residências atendidas por saneamento básico, segundo o secretário de Infra-Estrutura Urbana e Habitação da cidade, Paulo Teógens de Oliveira. “Sem a transposição, essas obras não aconteceriam”, admitiu.

Há quem acredite que a morte do senador Antonio Carlos Magalhães (DEM), ex-governador da Bahia e ferrenho adversário da transposição, também tenha aplacado os protestos contra o projeto. Mas nota-se que permanece na região o temor do que poderá acontecer com o São Francisco. “Tem gente que acha que o rio vai secar”, disse o secretário Oliveira.

O capitão Andreos Souza, que comanda o destacamento do 2º Batalhão de Engenharia e Construção, conta que a primeira pergunta que lhe fazem, nas palestras que realiza na região, é justamente sobre essa questão. “Procuro mostrar que não estamos desviando o rio. A água que será retirada equivale a 1,4% da vazão.”

Cada um dos batalhões do Exército está abrindo um canal que captará as águas do São Francisco. Um deles fica no eixo norte do projeto, perto de Cabrobó, que ligará o rio ao reservatório de Tucutu. Depois, por canais que ainda serão iniciados, a água será levada para Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Até a semana passada, o destacamento do capitão Andreos já tinha aberto 1.790 metros do canal, do total de 2.000 metros que cabem ao Exército, faltando aprofundá-lo e colocá-lo no perfil adequado.

O outro canal está no eixo leste, localizado próximo à cidade de Floresta (PE), e levará água para o reservatório de Areias. Depois, por outros canais, a água chegará à Paraíba e a algumas áreas do agreste de Pernambuco. As barragens de Tucutu e de Areias também estão sendo construídas pelo Exército. “A previsão de conclusão dessas obras é dezembro de 2009”, disse o capitão Andreos.

Para se ter uma idéia do ritmo das obras, os dois batalhões do Exército estão utilizando 170 viaturas e máquinas pesadas – tratores de esteira, motoniveladoras, escavadeiras, caminhões e veículos de transporte – e mantêm 470 pessoas trabalhando, incluindo pessoal civil e trabalhadores terceirizados.

Um consórcio de empresas privadas, denominado Águas do São Francisco, já trabalha no primeiro lote do eixo norte, que é uma parte do canal até o reservatório de Tucutu. O consórcio conta com 311 pessoas e mobiliza 120 viaturas e máquinas pesadas. Depois de concluído, o eixo norte terá 516 quilômetros e 31 reservatórios de água, três estações de bombeamento, nove túneis, 33 aquedutos e seis hidrelétricas, com potência estimada em 175,5 megawatts. Depois que as águas são bombeadas até determinada altura, passam a correr pelo canal por gravidade, o que permite a instalação de hidrelétricas. A previsão é de que todo o eixo norte seja concluído até 2014.

O eixo leste é menor. Terá 287 quilômetros e o presidente Lula pretende inaugurá-lo até 2010. Nele, serão construídos 15 reservatórios, seis estações de bombeamento, nove aquedutos e sete túneis.

‘A luta continua’, afirma bispo

O bispo da diocese de Barra (BA), d. Luiz Flávio Cappio, que fez greve de fome no ano passado contra a transposição do Rio São Francisco, disse que sua “luta continua do mesmo jeito”. A notícia é do jornal O Estado de S. Paulo, 10-08-2008.

Ele informou, por telefone, que continua andando pelo Brasil explicando os problemas do projeto e não quis falar sobre as obras. “Não discuto a questão técnica. Não tenho dúvidas de que as obras serão muito bem feitas”, disse. “O que discuto é a quem o projeto está beneficiando, quem vai ser o usuário da água.”

O secretário de Infra-Estrutura Hídrica do Ministério da Integração Nacional, João Santana, disse que uso da água será definido por um comitê gestor nacional e por comitês estaduais.

Transposição do Rio S. Francisco. Ibama impõe ao governo 36 projetos de preservação

Para executar as obras de transposição do Rio São Francisco, o governo federal está sendo obrigado a realizar 36 projetos e programas ambientais, por exigência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Um deles, o de conservação da fauna e da flora locais, já deu fruto inesperado ao descobrir uma nova espécie de cobra nas faixas de terras que foram desmatadas ao longo dos dois canais.

A reportagem é de Ribamar Oliveira e Wilson Pedrosa e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 10-08-2008.

Com apenas 25 centímetros de comprimento, a nova cobra brasileira ainda não tem nome nem identificação científica. “Ela foi encaminhada a um especialista, que vai estudá-la e depois publicar as análises”, explicou o professor Luiz César Machado Pereira, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), responsável por esse programa.

Entre professores e estudantes, Pereira conta com uma equipe de 22 pessoas para cuidar da fauna e uma equipe de 16 pessoas para cuidar da flora.

INVENTÁRIO

O trabalho de Pereira e suas duas equipes é fazer o inventário das áreas afetadas pelas obras, o resgate de animais e plantas antes do desmatamento e, posteriormente, o monitoramento. Só no mês passado, o grupo capturou 350 animais, dos quais 310 foram soltos novamente.

“Já encontramos várias espécies de pica-pau, pequenos marsupiais, muitos répteis, veados-catingueiros, grande quantidade de cachorros-do-mato, jaguatiricas, gatos-maracajás e até pumas. Entre as plantas, encontramos muitas bromélias, aroeiras, a coroa-de-frade, altamente ameaçada, e árvores com mais de 100 anos, como a imburana”, relata Luiz Pereira.

O professor da Univasf afirma que está aprendendo muito com o programa, mesmo porque, segundo ele, a caatinga é o bioma menos estudado do País.

“Há pouca coisa publicada sobre a caatinga em nível científico”, informa. “Nosso maior desafio é o de entender como trabalhar no processo de conservação desse bioma.”

Um dos objetivos desse programa é montar um banco de germoplasma, no qual será armazenada a variabilidade genética das espécies encontradas.

Antes de qualquer desmatamento nas faixas de terra por onde passarão os canais ou serão construídos os reservatórios, a primeira equipe a ser acionada é a dos arqueólogos. Eles recolhem todos os indícios de antiga ocupação humana da área e de existência de fauna e flora pré-histórica.

O material recolhido até agora foi encaminhado à Universidade Federal de Pernambuco e ao campus da Univasf na cidade de São Raimundo Nonato, no Piauí.

Após a passagem dos arqueólogos pelas áreas, é a vez de serem acionadas as equipes do programa de conservação da flora e da fauna.

LOTES

A supressão da vegetação só é iniciada depois do inventário e do resgate de animais e plantas. O desmatamento é feito em três fases. O corte da vegetação é iniciado com foice e facão e concluído com motosserra.

Toda a lenha, as estacas e os mourões são separados e empilhados, em lotes numerados. A vegetação com menos de 20 centímetros de altura é triturada. Depois do corte da vegetação, é feita a raspagem do solo, que é misturado à vegetação triturada para fazer o adubo que será usado na recuperação das áreas degradadas.

A madeira recolhida nessas áreas será doada para as prefeituras das cidades próximas e para a unidade do Exército em Petrolina, em Pernambuco.

Matérias enviadas por Tita Barreto, do Blog Velho Chico Vivo