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Licenciamento das Hidrelétricas do rio Madeira: a verdade sobre o assoreamento dos reservatórios e o especialista Sultan Alam, artigo de Telma Delgado Monteiro

[EcoDebate] Todos devem estar lembrados que depois das dúvidas levantadas sobre a questão do assoreamento dos reservatórios das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau devido ao considerável aporte de sedimentos do rio Madeira, o governo contratou um especialista internacional chamado Sultan Alam.

Sultan Alam foi contratado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) para “confirmar” a tese contida nos estudos de Furnas e Odebrecht de que não haveria assoreamento dos reservatórios e perda da vida útil dos empreendimentos. Ele elaborou seu parecer baseado na revisão de vários relatórios, visita ao rio e local previsto para o projeto e nas análises das características de transporte de sedimentos com condições naturais e com o reservatório a fio d’água.

O relatório, originalmente em inglês, foi traduzido na íntegra pelo MME em Janeiro de 2007. A minuta em inglês só foi encaminhada ao Ibama em 24 de Abril de 2007. A versão disponibilizada pelo Ibama, em português, foi juntada aos demais documentos oficiais do processo de licenciamento, porém é diferente da versão do MME, no conteúdo e quanto ao número de páginas. No documento incompleto faltam os desenhos comparativos do arranjo original aprovado pela Aneel e de um arranjo mais eficiente proposto por Sultan Alam e que constam do documento em inglês e da tradução do MME.

O especialista em hidrossedimentologia analisou os dados disponíveis sobre o projeto e concluiu, entre outras coisas, que um novo arranjo seria necessário. Se fossem modificados os arranjos das estruturas do projeto original haveria uma economia no custo das obras, diminuição do depósito de sedimentos no pé da barragem, maior eficiência no funcionamento das turbinas para gerar energia e redução da área alagada.

Avaliou, em cima dos estudos disponíveis de viabilidade e ambientais elaborados por Furnas e Odebrecht, que deveriam melhorar o processo de saida da areia grossa e de cascalhos finos pelo vertedouro para evitar o assoreamento. Portanto, ele admite a retenção de sedimentos. Tecnicamente falando, Sultan Alam apontou as fragilidades do projeto, confirmando que sofreriam sim, ao longo do tempo, um processo de deposição de sedimentos.

O mais estranho nesse episódio é que as interpretações do parecer foram divergentes quando divulgadas à imprensa. Para o MME e para a Ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, Sultan Alam confirmou que não haveria assoreamento e que a vida útil das hidrelétricas não seria afetada, além de descartar os efeitos do remanso na Bolívia. Na interpretação das ONGs, o parecer de Sultan Alam serviu para confirmar a tese do governo.Nem uma coisa e nem outra.

Sultan Alam é um especialista de renome internacional respeitado no mundo inteiro. Não daria um parecer “encomendado” que favorecesse um governo e que no futuro pudesse ser questionado lançando dúvidas sobre seus conhecimentos, experiências e princípios éticos. Na verdade ele, através de seu relatório, detectou e enumerou os problemas no arranjo do projeto original de Furnas e Odebrecht, que trariam um custo maior para a sociedade, além de aumentar o prazo de construção. Fez, além do mais, sérias recomendações que no final não foram sequer divulgadas. A seguir um texto extraido do relatório do especialista:

a “mudança (novo arranjo) deve alterar o procedimento, tempo e custo de construção. Isso pode eliminar a barragem de enrocamento e reduzir significantemente o volume total de escavação. A largura total da superfície d’água no reservatório a fio d’água seria de 1.700 m no lugar de 2.700 m, com redução de 1.000 m.”

Outro ponto que Sultan Alam enfatiza várias vezes no texto é a urgente necessidade de se fazer um modelo hidráulico reduzido para observar o comportamento do reservatório e da barragem quanto aos sedimentos, tanto no arranjo original como no arranjo proposto por ele. Faz uma advertência sobre a importância de que parte das cheias passem pela tomada d’água/casa de força (que não está previsto no projeto aprovado) para evitar uma catástrofe se houver emergência. Isso ajudaria também a reduzir possíveis variações nos níveis de água a jusante e a montante no caso de uma parada total da usina.

Essas informações, conclusões e o layout da proposta do novo arranjo idealizado por Sultan Alam não foram divulgados pelo MME ou pelo Ibama. A proposta do especialista poderia significar uma mudança radical no projeto levando à redução dos custos das obras e à redução dos impactos. As obras civis da Hidrelétrica Santo Antônio custariam menos se adotada a sugestão do novo arranjo e deveria incidir no preço do MWh vendido no leilão.

O parecer do especialista contratado pelo Governo estava pronto em janeiro de 2007, antes, portanto, do Parecer Técnico 14/2007, de 21 de março, emitido pelo Ibama, que recomenda a não concessão da licença prévia. Em 28 de março, os especialistas José Galisia Tundisi, Carlos Tucci, Newton de Oliveira e Sultan Alam reuniram-se no Ministério de Meio Ambiente (MMA) para elaborar um parecer conjunto sobre a questão dos sedimentos. Em 30 de março o então Diretor de Licenciamento, Luiz Felippe Kunz, emitiu um despacho em que deixa de acolher o Parecer Técnico 14/2007, da equipe técnica do Ibama, em virtude de sua dubiedade, concordando com a não emissão da Licença Prévia naquele momento e que iniciaria a contratação de especialistas de notório saber (?).

Em 12 de abril os técnicos do Ibama, através da Informação Técnica 17/2007, face a novas e sérias dúvidas levantadas sobre a gestão de sedimentos, principalmente as do parecer de Sultan Alam, apresentaram um questionamento com 40 perguntas para serem respondidas pelos empreendedores.

Só em 25 de Abril de 2007, o Ibama divulgou a Nota Técnica originada na reunião dos especialistas em 28 de Março e, em 11 de Maio de 2007, Furnas enviou as respostas, com várias incongruências, às 40 perguntas formuladas pelos técnicos do Ibama no parecer 17/2007.

A Licença Prévia, mesmo assim, foi concedida em 9 de Julho de 2007.

Dúvidas que precisam ser esclarecidas:
O arranjo do projeto proposto por Sultan Alam faria cair o custo do MWh, no leilão da usina de Santo Antônio?

Qual o motivo que levou a minuta, com o parecer de Sultan Alam, a demorar dois meses para chegar ao MMA?

Telma D. Monteiro , ATLA – Associação Terra Laranjeiras, Juquitiba – SP

[EcoDebate, 09/07/2008]