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ThyssenKrupp-Vale contra o meio ambiente, entrevista com o ambientalista Sérgio Ricardo

A empresa alemã ThyssenKrupp e a empresa Vale do Rio Doce estão construindo uma mega-siderúrgica e um porto de exportação de aço, que está destruindo a vida na Baía de Sepetiba. Este complexo siderúrgico e portuário, com nome de Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), está situado no bairro de Santa Cruz, às margens da Baía de Sepetiba, na Cidade do Rio de Janeiro. A CSA vem provocando incalculáveis danos ambientais, prejuízos à pesca artesanal e violação de direitos trabalhistas e humanos. Em maio de 2008, o Tribunal Permanente dos Povos (TPP), em Lima, condenou a ThyssenKrupp e a Vale por estes crimes na Baía de Sepetiba. O jornalista alemão, Norbert Suchanek, falou com o ambientalista Sérgio Ricardo, fundador do Fórum de Meio Ambiente da Baía de Sepetiba, que atua junto a entidades de pesca.

Norbert Suchanek: A Companhia ThyssenKrupp fala que o seu complexo siderúrgico CSA, no Distrito Industrial de Santa Cruz, é o maior projeto no setor siderúrgico brasileiro dos últimos 10 anos. Segundo a Companhia, “o projeto conta com licenças ambientais expedidas pela Feema, autorizando a instalação da usina siderúrgica, a realização de obras de construção de aterros e diques, de dragagem e de implantação do terminal portuário.” Ainda diz que a CSA está sendo construída com normas ambientais mais rigorosas que existe no Brasil e na União Européia. O senhor tem uma outra opinião?

Sérgio Ricardo: A licença ambiental da CSA é absolutamente ilegal. Desde o início do processo de licenciamento questionamos o projeto desta mega-siderúrgica poluidora na frágil Baía de Sepetiba. Infelizmente, todos os documentos técnicos que escrevemos e protocolamos junto aos diversos órgãos públicos denunciando os possíveis crimes ecológicos deste empreendimento estão sendo confirmados somente agora pelo Ministério Público Federal (MPF). Faltou transparência no licenciamento, as leis ecológicas foram desrespeitadas. Por exemplo, a licença ambiental deveria ter sido concedida pelo órgão federal de meio ambiente (Ibama), uma vez que a região é zona costeira, no entanto foi dada às pressas pelo órgão do estado (FEEMA) sem levar em conta critérios técnicos-legais e éticos. Além disso, os órgãos ambientais FEEMA e IBAMA nunca fiscalizaram as obras que desde o início vêm provocando grande destruição ambiental e prejuízos à pesca. O enterramento de lama contaminada por metais pesados (lixo químico) no fundo do mar é outro crime. Não se utilizou as melhores e mais seguras tecnologias. A obra está provocando um empobrecimento enorme de milhares de pescadores artesanais.

Suchanek: Quando o senhor falou ou publicou pela primeira vez sobre este perigo da CSA?

Sérgio Ricardo: Antes do início das obras escrevi uma denúncia aos Ministérios Públicos estaduais do Rio de Janeiro, Angra dos Reis e de Nova Iguaçu, além do Ministério Público Federal (MPF). Infelizmente, somente agora algumas providências começam a ser tomadas. O inquérito no MPF tem mais de 3.500 folhas com denúncias de irregularidades. A impunidade ainda é a principal marca da política brasileira, inclusive na área ambiental onde a corrupção, venda de licenças ambientais, é generalizada.

Suchanek: O senhor deu também uma palestra sobre este perigo no Encontro de Racismo Ambiental no Rio de Janeiro, em 2005. Na ocasião, o Senhor avisou com muita clareza contra este perigo da CSA. Qual foi a reação? Ou não houve nenhuma reação da imprensa ou de outras ONGs?

Sérgio Ricardo: Sim, tanto eu como o falecido companheiro Josiel, também fundador do Fórum, denunciamos junto com pescadores estas graves ilegalidades publicamente desde 2005. No entanto, as autoridades ambientais federais e do Governo do Estado foram todas omissas e coniventes com este crime ambiental premeditado. A empresa Vale do Rio Doce foi a maior financiadora de campanhas eleitorais em 2006 e literalmente comprou o silêncio e a cumplicidade da maioria dos governantes nos níveis federal, estadual e nas prefeituras. Deram uma licença vergonhosa sem qualquer respeito às leis ambientais e sem critérios éticos!

Suchanek: Então a grande mídia não publicou nada sobre este assunto?

A maioria dos principais meios de comunicação também silenciou, se omitiu. A Vale gasta centenas de milhões por ano com publicidade nas TVs, jornais e rádios para divulgar nos horários de maior audiência uma mentirosa “Política de Responsabilidade Social e Ambiental” que mostra crianças sorrindo, florestas esverdeadas e com isso esconde da população seus crimes ecológicos e os prejuízos que causa às comunidades tradicionais, pescadores, camponeses, indígenas em diversos estados e cidades brasileiras. A realidade é bem diferente do que a grande mídia brasileira apresenta.

Suchanek: Quase 2 anos depois, em 2007, ThyssenKrupp-Vale começam a obra. Qual é o resultado disso?

Sérgio Ricardo: Só destruição ambiental e empobrecimento dos pescadores que estão impedidos de trabalhar. A ThyssenKrupp-Vale do Rio Doce transformaram mais de 8 mil pescadores em refugiados ambientais, sem trabalho, sem território. Estão empurrando estas famílias trabalhadoras para a exclusão social e a pobreza.

Além disso, há um enorme prejuízo aos cofres públicos já que o empreendimento recebeu isenções fiscais do Estado e do Município estimada em centenas de milhões de reais por ano: ou seja, a empresa alemã sequer não pagará impostos! Também recebeu de graça o terreno onde está implantando a empresa que era uma área do governo federal onde viviam trabalhadores rurais do MST. Tem mais: recebeu bilhões de reais do BNDES-Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que é o banco público federal cujos recursos são oriundos do FAT-Fundo de Amparo ao Trabalhador. Então, o dinheiro público, que deveria fomentar o desenvolvimento econômico-social e gerar empregos, está sendo utilizado para destruir o meio ambiente, empobrecer mais de 8 mil pescadores artesanais. Uma vergonha sem limites. Esta dívida ecológica e social ficará para o poder público impactando negativamente as futuras gerações, já o lucro será apropriado de forma privativa pelos acionistas e diretores ThyssenKrupp e a Vale.

Suchanek: As mais de 8.000 famílias de pescadores afetadas não têm mais emprego nem renda. Por que?

Sérgio Ricardo: A pesca foi quase eliminada na região por causa do espalhamento de metais pesados do processo de dragagem super impactante, estão utilizando dragas holandesas enormes que espalham lama e poluição, matam os peixes, destroem a biota marinha e com isso alteraram o ciclo de reprodução do pescado e dos crustáceos. Depois, enterraram esta lama contaminada por metais pesados no fundo do mar, em enormes cavas construídas no interior da Baía de Sepetiba. Estão usando uma tecnologia suja e obsoleta, que são estas cavas inseguras e extremamente vulneráveis à ocorrência de acidentes ecológicos. Isso está transformando a baía e o mar numa lixeira industrial.

Suchanek: No Estado do Rio de Janeiro tem leis para proteger o meio ambiente. Como foi a atuação/relação do ex-secretário do Meio Ambiente do Rio de Janeiro, Carlos Minc, o novo Ministro do Meio Ambiente, em Brasília, neste projeto de ThyssenKrupp-Vale?

Sérgio Ricardo: O Minc é um ecopicareta conhecido. Sobre seu mando os órgãos nunca fiscalizaram a empresa, deixaram que ela continuasse a promover este crime. A desnacionalizada Vale do Rio Doce foi a maior financiadora de campanhas eleitorais, inclusive do governador Sérgio Cabral, de deputados, do Presidente da República.

Suchanek: Quais são as demandas dos pescadores afetados e do movimento contra CSA?

Sérgio Ricardo: No mínimo eles precisam ser indenizados, ressarcidos, pelos prejuízos que vêm sofrendo e que estão levando milhares de famílias à pobreza e à exclusão. Queremos paralisar esta obra e impedir sua construção, já que não trará riquezas e desenvolvimento social e econômico para a região, nem para nosso país. Pelo contrário, significará mais poluição, doenças e pobreza. Queremos desenvolver o Brasil, mais não concentrando mais renda e ao custo de intensa destruição ambiental.

Suchanek: Qual é a situação atual da Baía de Sepetiba? As obras continuam?

Sérgio Ricardo: O MPF está exigindo a revisão da licença e o embargo das obras, porém os governos do Estado e Federal se negam a cumprir isso. Também o Ministério do Trabalho multou e constatou a insegurança do canteiro de obras que coloca em risco a vida de operários.

Suchanek: O que os alemães e as ONGs da Alemanha podem fazer para ajudar a luta dos pescadores e do movimento contra CSA?

Sérgio Ricardo: Pedimos um SOS (socorro) e Solidariedade. Estes crime da ThyssenKrupp–Vale precisam ser de conhecimento público na Europa e principalmente na Alemanha. São violações flagrantes dos direitos humanos, de leis trabalhistas e de destruição ambiental. Os cidadãos europeus e os movimentos sociais junto com a mídia poderiam promover uma campanha junto à mídia, ao parlamento europeu, à ONU para tentar impedir que essa opressão e violência empresarial continuem. Outra ajuda importante seria no campo jurídico, já que as ações na justiça brasileira sofrem fortes lobbies econômicos e políticos que não deixam as grandes empresas estrangeiras poluidoras serem condenadas por seus crimes e desmandos operacionais. Trata-se de um crime corporativo que precisa ser conhecido pelos consumidores e pela cidadania européia e alemã.

Suchanek: Já falou com os chefes da ThyssenKrupp?

Sérgio Ricardo: A empresa chegou a iniciar uma negociação com os pescadores, após eles protestarem e pararem as dragas, já que as dragagens estavam impedindo o trabalho na pesca, gerando poluição e mortandade de peixes. A empresa prometeu indenizações, no entanto, depois se negou a continuar sequer dialogando. Disse que tinha a licença ambiental que lhe autorizava fazer as obras e que as comunidades prejudicadas deveriam procurar o Governo do Estado.

Obrigado pelo entrevista.

Esta entrevista foi feita para ONG Alemã Rettet den Regenwald e foi publicada 08.07.2008 na Website da ONG: www.salveaselva.org

Norbert Suchanek, Rio de Janeiro.
Correspondente e Jornalista de Ciência e Ecologia, colaborador e articulista do EcoDebate.

[EcoDebate, 09/07/2008]