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Omissão generalizada de governos, militares e moradores causou tragédia em Angra dos Reis (RJ)

Angra dos Reis - Vista do Morro da Carioca, no centro de Angra, onde 21 pessoas morreram por causa do deslizamento.Foto de Roosewelt Pinheiro/ABr
Angra dos Reis – Vista do Morro da Carioca, no centro de Angra, onde 21 pessoas morreram por causa do deslizamento.Foto de Roosewelt Pinheiro/ABr

Omissão de governos, militares e moradores causou tragédia em Angra
Duas medidas. Uma proíbe empresas de instalarem funcionários em locais que mais tarde seriam transformadas em áreas de risco. Outra prevê a formação de uma equipe de geólogos para mapear os morros da cidade. São essas as únicas providências tomadas em Angra dos Reis (RJ) nos últimos 40 anos para impedir tragédias como a que matou pelo menos 52 pessoas no início deste ano.

A omissão generalizada inclui falta de investimentos de prefeitos, governadores, presidentes – incluindo os atuais – e até gestores da Marinha, encarregados de administrar a cidade quando ela era área de segurança nacional durante o Regime Militar (1964-1985). Reportagem de Maurício Savarese, enviado especial do UOL Notícias, em Angra dos Reis (RJ).

Funcionários da prefeitura relataram ao UOL Notícias que a principal medida tomada pelas gestões municipais desde os anos 70 foi aprovada há cerca de dez anos. Os grandes empreendimentos na cidade foram proibidos de instalarem canteiros de obras onde novos moradores pudessem se instalar, como aconteceu durante a construção do estaleiro Braspel, da usina nuclear Angra 1 e de instalações da estatal de transmissão de energia Furnas.

Pela lei, as empresas seriam levadas a contratar pessoas que já viviam na cidade para as obras, garantindo a elas transporte. “Isso impediu a abertura de novos assentamentos, mas a situação já estava complicada o bastante com as ocupações irregulares no centro de Angra. É um passivo enorme de pelo menos três décadas que desembocou nisso agora”, disse o secretário do Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano do município, Marcos Aurélio Vargas, que assumiu o posto há três meses.

O comportamento dos moradores das encostas ajudou a agravar o problema. Muitos insistiram em habitar as regiões apesar de repetidos alertas dados por escassos funcionários públicos e também por deslizamentos menores que o de 1º de janeiro de 2010. Agentes da Defesa Civil do município relatam que os moradores se recusam a ouvir orientações quando constroem suas casas e, mesmo com suas residências condenadas a ruir, confrontam os trabalhadores que cumprem a determinação de demolir as construções.

Engenheiro especializado em geologia, Vargas é um dos pioneiros no estudo da ocupação dos morros da cidade. Para o secretário, a construção da rodovia Rio-Santos, concluída em 1985, mudou para sempre a cidade, que na época não contava com mais de 70 mil pessoas. Hoje são 170 mil habitantes, sendo que 60% deles se concentram nos morros onde vivem aqueles que foram atraídos pelo desenvolvimento econômico no lugar que surgiu há 508 anos como uma vila de pescadores.

“Apesar de induzir ao crescimento econômico, essa estrada mudou o ecossistema, alterou o solo. Na época não previram o impacto migratório, além dos efeitos diretos sobre o solo e sobre as encostas, onde já havia algumas residências. E o dinheiro que o município recebeu para compensar esse impacto não pagou o prejuízo que veio depois. Se esse prejuízo estivesse previsto naqueles tempos, poderíamos estar em uma situação melhor na ocupação urbana. Isso vale também para Angra 1, instalações da Petrobras, tudo que veio para cá”, afirmou ele.

Questão de dinheiro
Além da omissão histórica das gestões municipais, Vargas tem orçamento limitado para trabalhar e ainda está reestruturando a secretaria – que nem existia até o fim dos anos 80 e integrava a pasta de Planejamento. Para 2010, de acordo com a primeira peça orçamentária produzida pelo prefeito Tuca Jordão (PSDB), Meio Ambiente terá cerca de R$ 10 milhões, um milhão a mais que no ano passado.

Embora esse número seja comparativamente melhor que o da maior cidade do Brasil, já que São Paulo empenhará neste ano R$ 12,9 milhões para “obras e serviços nas áreas de riscos geológicos”, é insuficiente para começar a resolver os problemas de Angra, dizem outros funcionários da pasta. Para fazer monitoramento permanente, realocar parte dos afetados e construir proteções que separem construções seguras de áreas de risco, seriam necessários R$ 25 milhões, afirmam.

Na quarta-feira (6), o prefeito de Angra, ex-secretário de Habitação da cidade, admitiu parte da responsabilidade pela tragédia e alfinetou os governos estadual e federal. “Estou aqui me expondo, assumindo responsabilidade. Mas sozinha Angra não pode resolver essa situação acumulada. Tenho que ser pidão mesmo”, afirmou ele, que está sendo pressionado a realocar recursos para esse assunto. A possibilidade, disse o prefeito, está em aberto. O orçamento da cidade para 2010 beira os R$ 500 milhões.

Aliados do prefeito dizem que há quatro meses ele manifestou ao governador fluminense, Sérgio Cabral (PMDB), sua contrariedade ao decreto que autoriza a construção de imóveis em encostas – visto como sob medida para atender interesses imobiliários, outro dos problemas enfrentados em Angra. “Vem grileiro pobre aqui há décadas e sai milionário. Por um tempo parou e essa medida do governador ia começar tudo de novo”, disse uma autoridade da prefeitura que preferiu não se identificar.

O mau estar com o governador se agravou depois da notícia de que no dia da tragédia ele estava a 50 km de Angra, na cidade de Mangaratiba. Mesmo assim, preferiu não interromper imediatamente o descanso de fim de ano e enviou seu vice, Luiz Fernando Pezão, que acabou sendo visto como “gerente da crise”. Cabral chegou a visitar a cidade e recebeu o prefeito Jordão no Rio de Janeiro na terça-feira. Mas a interlocução mais próxima com Pezão deixa no prefeito a desconfiança de que, assim que o noticiário negativo acabar, a distância em relação ao governo aumentará.

Publicamente, as críticas se concentraram no governo federal, que nesta quinta-feira (6) dará seu segundo sinal público de interesse pelos deslizamentos em Angra com a visita dos ministros das Cidades, Marcio Fortes, e da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima – o primeiro indício foi a liberação de recursos do FGTS para uso dos afetados pelos deslizamentos na cidade.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em férias na Bahia, conversou apenas com Cabral para saber sobre os problemas de Angra e enviou Fortes para negociar a inclusão da cidade no programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.

O município tem mais de 6.000 famílias cadastradas para trocar de endereço. A iniciativa de moradia popular, uma das principais bandeiras de Lula neste ano eleitoral, se somaria a convênios firmados com a Caixa Econômica Federal para ajudar moradores da cidade, há décadas indutores e vítimas do descaso.

EcoDebate, 08/01/2010

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