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Artigo

Crescimento da certificação: a hora da verdade, artigo de Luís Fernando Guedes Pinto

Os debates na sociedade e as oportunidades e demandas de mercado têm feito com que a certificação socioambiental ganhe importância cada vez maior. Em 2008, a Rede de Agricultura Sustentável (selo Rainforest Alliance Certified) cresceu de forma expressiva, com 17 novos empreendimentos certificados, saltando de 25 para 42 o total de projetos com o selo, somente no Brasil. São majoritariamente fazendas de café, além de 6,5 mil hectares de fazendas de chá na Argentina e da primeira fazenda de cacau na Bahia. O crescimento englobou grupos de agricultores familiares, resultou na criação de uma reserva particular (RPPN), na recomposição de áreas de conservação na Mata Atlântica e no Cerrado e em mudanças de condições de trabalho para centenas de trabalhadores rurais permanentes e temporários. O cacau certificado brasileiro foi lançado no Japão, durante as comemorações do centenário da imigração e novas marcas de café estão disponíveis no mercado brasileiro.

No que se refere à certificação florestal, registramos um pequeno aumento em áreas de reflorestamento e é crescente a conquista da certificação na cadeia de custódia (rastreabilidade nas etapas da cadeia produtiva). No entanto, ao lado de importantes avanços, nos últimos dois anos o Imaflora cancelou cerca de 30 certificados nas diversas modalidades. Tivemos várias razões para isso e é fundamental distingui-las, já que há poucos, mas lamentáveis casos de falta de compromisso com os ideais da certificação.

Fora do selo – Entre os exemplos de cancelamento está o de duas indústrias que produziam, respectivamente, cabo de ferramentas e portas e utilizavam o selo FSC em produtos, comercializando-os nos mercados interno e externo sem que fossem feitos com madeira certificada. Em um dos casos, recorremos ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que constatou a fraude: a madeira recolhida por nossos auditores para o teste não era da mesma espécie das que deveriam receber o selo.

Ocorre ainda de empreendimentos certificados não cumprirem as ações corretivas, necessárias ao processo de melhoria contínua, objetivo da certificação. Nessa situação, há desde o descaso com o compromisso dos princípios acordados, até normas e políticas inadequadas às diversas realidades em que a certificação tem sido empregada, que vão desde grandes empreendimentos rurais e industriais a comunidades e agricultores familiares. Muitos são os casos de projetos que investem em mudanças e organização, mas não atingem os esperados benefícios econômicos compensadores. Desta forma, solicitam o fim do seu certificado.

Madeireiros – Há projetos muito interessantes, que continuam certificados com muitas dificuldades, pois a demora na aprovação de seus planos de manejo tem comprometido suas operações, especialmente os madeireiros da Amazônia.

Tudo isto ocorre em um momento em que há pactos relevantes de compra de matérias-primas responsáveis por parte do setor empresarial e público. Todos indicando que a certificação será um dos parâmetros de garantia de cumprimento dos acordos. Além disso, algumas mesas-redondas e iniciativas multissetoriais devem resultar em formas de verificação e certificação independentes. Bancos têm considerado a certificação como uma variável de análise de crédito. Portanto, este instrumento tende a decolar e ganhar escala na pauta do desenvolvimento sustentável.

Transparência – E agora, o que fazer para que os benefícios esperados sejam atingidos? Aos certificadores cabe manter ou aumentar a transparência e a qualidade de suas auditorias e processos de certificação. O Imaflora vem investindo intensamente em controles internos e treinamento de seus auditores. Além disso, fizemos um primeiro uso de sensoriamento remoto para confirmar observações de campo quanto ao cumprimento do Código Florestal e operações de manejo.

Convidamos as ONGs, sindicatos e movimentos sociais a se engajarem intensamente nos processos de desenvolvimento e implementação de sistemas de certificação. Mais do que normas e padrões, se deve garantir procedimentos e políticas que ofereçam transparência e assegurem o processo de melhoria contínua. Também convidamos essas instituições a monitorarem os empreendimentos certificados e os certificadores ¿ principalmente os últimos.

Destacamos que, em 2008, o Imaflora cancelou o certificado FSC de uma empresa que tinha graves problemas em seus sistemas de controle e não conseguia demonstrar capacidade para assegurar a separação de produtos certificados. Para a nossa surpresa, a empresa já tinha novo certificado, emitido por outra certificadora, em apenas um mês após o cancelamento, tempo que consideramos insuficiente para as mudanças necessárias.

Temos visto diversos produtos com o selo FSC aplicado de maneira incorreta em produtos e materiais publicitários. A correta aplicação deveria ser feita com base na orientação de entidades certificadoras bem preparadas. A possível lacuna entre a missão das iniciativas multissetorias e a sua aplicação por empresas certificadoras multinacionais pode comprometer a implementação desses projetos. É muito diferente verificar o cumprimento de uma norma sobre consumo de energia de uma geladeira, de uma norma socioambiental. Além da competência técnica, é fundamental entender o contexto local e consultar adequadamente as partes interessadas.

Opção por certificados – As ONGs, as associações de consumidores, o setor financeiro e as empresas públicas e privadas também têm um papel muito importante para estimular a opção por produtos certificados, seja no mercado nacional ou internacional. Os benefícios econômicos são um componente fundamental para o funcionamento da certificação. Porém, todos devem se capacitar sobre o funcionamento e o que se pode cobrar e esperar da certificação.

Finalmente, reforçamos a necessidade de articulação da certificação com políticas públicas. Sem essa conexão, o instrumento tem efeito limitado no território e nas populações afetadas. Além disso, há que implementar novos mecanismos que estimulem o engajamento da produção nesta engrenagem, se assumirmos que, de fato, ela gera externalidades positivas e compartilhadas publicamente. Estamos em um momento de muitas oportunidades, mas o sucesso depende de nós!

Luís Fernando Guedes Pinto, engenheiro agrônomo e doutor em Agronomia pela Esalq-USP, com diversos trabalhos publicados sobre certificação e sistemas de produção agrícola, é secretário-executivo do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).

* Artigo enviado pelo Autor.

[EcoDebate, 20/03/2009]

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