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biopirataria: CPI vai convocar procurador da República para explicar venda de sangue de índio

Presidente da comissão, deputado Mendes Thame, quer saber andamento do processo aberto em Rondônia para apurar o caso.

Brasília – A CPI da Biopirataria vai convocar o procurador da República Reginaldo Pereira da Trindade, de Rondônia, para que ele explique quais as medidas adotadas pelo Ministério Público Federal (MPF) para investigar o comércio de sangue de índios brasileiros pela internet. A convocação foi anunciada ontem pelo presidente da CPI, deputado Mendes Thame (PSDB-SP). Por Chico Araújo, Especial para o PÁGINA 20.

A venda de DNA e de células de sangue de indígenas brasileiros é feita pela empresa norte-americana Coriel Cell Repositories, de Nova Jersey. Basta acessar o endereço http://locus.umdnj.edu para adquirir DNA de sangue de índios das tribos Karitiana e Suruí, de Rondônia. Cada unidade do produto sai por US$ 85, o equivalente a R$ 242,25.

Também são vendidas no site amostras sanguíneas de índios do Peru, Equador e México. O comércio de sangue indígena foi revelado no mês passado, com exclusividade, pelo Página 20.

“Precisamos apurar a fundo esse comércio de sangue pela internet”, reconhece Thame. Ele disse que a CPI recorreu ao Ministério Público para descobrir se existe uma quadrilha atuando no envio de material genético para o exterior. Thame avalia que a ajuda do MPF é fundamental para desvendar esse comércio de sangue indígena na rede mundial de computadores.

INQUÉRITO – A CPI também vai acionar a Polícia Federal em Rondônia. Lá, a Superintendência regional do órgão abriu inquérito para investigar a coleta de sangue das tribos Karitiana e Suruí. A investigação foi iniciada ainda no ano passado após o delegado Jorge Barbosa Pontes, da Divisão de Crimes Ambientais, da Polícia Federal em Brasília, tomar conhecimento do caso.

A PF está investigando a venda de sangue como tráfico de órgãos humanos. O motivo é que não há no Brasil uma legislação própria para coibir casos de biopirataria. “A CPI vai trabalhar para acabar com esse vazio”, diz Thame. Ele anuncia que a comissão vai propor em seu relatório final a aprovação de leis com penas rígidas para casos de biopirataria.

Em 2002, a Procuradoria da República encontrou as primeiras evidências da participação de brasileiros no comércio das amostras de sangue. O inquérito civil aberto pelo órgão apontou o médico Hilton Pereira da Silva como um dos envolvidos na coleta ilegal de material genético das tribos Karitiana e Suruí. Na investigação também aparece a norte-americana Denise Hallak. A suspeita é de que a dupla tenha colhido 160 amostras, das quais 53 recuperadas durante as investigações.

Silva e Hallak teriam ingressado nas aldeias e convencido os índios a doar o sangue, sob a alegação de que o material seria utilizado em pesquisas para tratamento de malária, anemia e verminose. Passados alguns meses, amostras de sangue dos índios de Rondônia estavam à venda no site da Cell Repositories.

Agora, o Ministério Público Federal quer descobrir se essas amostras são as mesmas coletadas pela dupla. O médico Hilton Silva, que atualmente mora nos Estados Unidos, entrou na aldeia em 1996 acompanhando uma equipe de TV britânica que estava a serviço do Discovery Channel. A revelação foi feita pelo próprio Silva em depoimento à Comissão da Biopirataria da Amazônia, que funcionou na Câmara em 1997.

Empresa tem maior coleção de células humanas vivas do mundo

A Coriel Cell Repositories, empresa que colocou à venda na internet o sangue dos índios brasileiros, é uma divisão do Instituto Coriel de Pesquisa Médica, cuja sede fica na cidade norte-americana de Camden. Em sua página na internet, o centro afirma que só vende as amostras de DNA e de células de sangue indígena com a “intenção declarada” de que o material será utilizado apenas em pesquisas médicas.

Atualmente, o Depósito Coriel possui a maior coleção mundial de cultivos de células humanas vivas. São quase 1 milhão de recipientes. Essas células, obtidas de amostras de pele ou de sangue, são conservadas por tempo indeterminado em animação suspensa a temperaturas extremamente baixas.

As células mantidas pela Coriel permitem a extração do DNA dos cultivos. Após amplamente testados, o DNA dos cultivos é usado em pesquisas médicas que buscam tratamento de doenças como câncer, Mal de Alzheimer, diabetes, Síndrome de Down, cardiopatias, entre outras doenças.

De 1964 para cá, a Coriel Repositories já comercializou 120 mil amostras de células e cerca de 100 mil de DNA. Esse material foi vendido a cientistas de 55 países, em transações asseguradas por leis americanas. Entre as amostras comercializadas pela empresa estão as do sangue dos Karitiana e Suruí.

Para o presidente da CPI da Biopirataria, deputado Mendes Thame, a venda de sangue dos índios brasileiros é “um fato gravíssimo, que vai ser investigado a fundo pela Câmara”. Além de acionar a Polícia Federal (PF), Thame anunciou que vai convocar o presidente da Funai, Mércio Pereira, para dar explicações sobre o caso. A convocação de Pereira já foi aprovada na comissão.

“A Funai precisa agir com mais rapidez”, diz. A assessoria de imprensa da Funai informou que o órgão já adotou a providências necessárias, pedindo à PF a abertura de inquérito. Thame também pretende pedir ajuda ao Itamaraty para proibir a venda do sangue de índios brasileiros na internet.

Comissão vai investigar tráfico de plantas e microorganismos

A CPI da Biopirataria está investigando, há três meses, o tráfico de plantas, insetos e microorganismos do País por pesquisadores internacionais. Nesses 90 dias de trabalho, que devem ser prorrogados a partir deste mês, a comissão já descobriu fatos curiosos e preocupantes.

Segundo o presidente Mendes Thame, a CPI constatou que “a biopirataria é uma realidade no País” e que o Brasil perde anualmente cerca de 40 milhões de animais silvestres com o tráfico de animais, a terceira atividade ilegal mais lucrativa do planeta. A atividade movimenta cerca de US$ 27 bilhões anuais. O tráfico de animais só perde para o de drogas e o de armas.

No Brasil, 20 milhões de animais silvestres são raptados de forma violenta da natureza todos os anos, revela o pesquisador Gonzalo Enriquez, autor do livro “A Trajetória Tecnológica dos Produtos Naturais e Biotecnológicos Derivados na Amazônia”. A publicação traça o perfil do tráfico de animais no Brasil.

Thame explica ainda que dados coletados pela CPI comprovam que, juntos, o tráfico de plantas e animais movimentam mais de US$ 90 bilhões em todo o planeta. Do total, o Brasil responde por 30% desse mercado ilegal.

A CPI também descobriu que mais de 3 mil pesquisados estão em andamento no planeta com material genético coletado ilegalmente no Brasil. Desse total, 5% das pesquisas (ou cerca de 150 experimentos) vão resultar na descoberta de medicamentos em laboratórios dos Estados Unidos, Japão e Europa. As essências usadas na base das pesquisas foram coletadas ilegalmente na Amazônia e no Pantanal.

Thame considera a questão “gravíssima”, uma vez que o Brasil está perdendo bilhões de dólares a partir do lançamento de remédios descobertos a partir de material genético contrabandeado do País. Para ilustrar a sua preocupação, Mendes Thame cita o caso do Captopril, um hipotensor usado para baixar a pressão de hipertensos.

Produzido a partir do veneno da jararaca, o Captopril rende U$ 4 bilhões por ano ao seu fabricante, um laboratório americano, e o Brasil não recebeu nada. Atualmente, o Captopril é droga mais poderosa no tratamento de hipertensão.

Matéria enviada por Jorge Gerônimo Hipólito, colaborador do EcoDebate

Nota do EcoDebate

Como contraponto e resposta a esta denúncia recomendamos que leiam “Trabalho Médico Ético e Não Biopirataria: resposta do Prof. Dr. Hilton Pereira da Silva à matéria biopirataria: CPI vai convocar procurador da República para explicar venda de sangue de índio