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O preço do desenvolvimento predatório na Amazônia

 

Garimpo ilegal na Amazônia
Garimpo ilegal na Amazônia. Foto: ICMBio/EBC

O preço do desenvolvimento predatório na Amazônia

Na mira de grandes investimentos em obras de infraestrutura e de projetos da mineração, energia e do agronegócio, a Amazônia é vítima de um conjunto amplo de crimes ambientais.

Na maioria das vezes, trata-se de empreendimentos privados que, com o apoio dos governos estaduais e federal, aceleram o processo de desmatamento predatório e a destruição dos territórios e da vida dos povos amazônicos.

Por Camila Del Nero e Carol Lira

Esperada com entusiasmo pelo agronegócio, a Ferrogrão é um exemplo clássico dos projetos de infraestrutura que geram danos ambientais e violações de direitos. A ferrovia, que promete impulsionar o escoamento de grãos com um corredor de 933 quilômetros entre Sinop, no Mato Grosso, e Miritituba, no Pará, impactará 48 áreas protegidas, entre terras indígenas e unidades de conservação, e pode levar o Brasil a renunciar à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual é signatário.

O padre e ativista José Boeing, membro do Núcleo de Direitos Humanos e Incidência da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil), chama atenção para o modelo de desenvolvimento adotado na região, que desconsidera a natureza e a cultura dos povos da Amazônia. “Essa ferrovia vai formar um corredor de exportação que só trará benefícios para o agronegócio. E o agronegócio não é sustentável”, afirma.

Inúmeros são os projetos de minero-metalúrgicos, petroquímicos, hidrelétricos, hidrovias, ferrovias, que obedecem à lógica econômica e se sobrepõe a outras preocupações, como o meio ambiente, o que segundo o bispo de Roraima e presidente da REPAM-Brasil, Dom Evaristo Pascoal Splengler, trata-se da disputa entre dois modelos de desenvolvimento: o predatório e o socioambiental.

O primeiro, das grandes corporações e do poder financeiro, parte do pressuposto da exploração exaustiva dos recursos da região em vista do lucro. O segundo, considera a convivência harmoniosa com a floresta e os povos originários.

A Amazônia é alvo de investimentos desde o ciclo da borracha, seja motivada pelas políticas de exploração ou pelas estratégias adotada nos planos de ocupação do território incentivados pela exploração de seus recursos e de ações governamentais.

Para o padre Dário Bossi, missionário comboniano e assessor da Rede Igreja e Mineração, a Amazônia sempre foi considerada como uma terra de conquista. “Amazônia foi pensada “de fora para dentro”, com grandes projetos considerados “desenvolvimento”, caracterizados pelo viés do extrativismo predatório: retirar matérias prima como látex, madeira, ouro, outros minérios, petróleo, gás, água, os quais necessitam de grandes infraestruturas para o escoamento dos produtos e de mão de obra barata” declarou.

“Nesse sentido, para retirar então essa matéria prima é preciso tirar o que está em cima, ou seja, as comunidades, as pessoas, os animais e toda biodiversidade de um território, tudo isso em prol do “desenvolvimento”. Só que esse “desenvolvimento” custa muito caro para as populações que foram em sua maioria deslocadas forçadamente, ou estão no entorno desses grandes empreendimentos”, completa padre Dário.

O missionário alerta que as obras de infraestrutura na Amazônia são criadas para atender e produzir riqueza para fora da região, enquanto resta para os povos amazônicos os prejuízos sociais, ambientais e econômicos. “Infelizmente é uma Amazônia pensada de fora para dentro, onde os territórios sagrados, os bens comuns da natureza, a fauna e a flora e a manutenção da vida dos povos da floresta estão em constantes ameaças por conta da expansão desses grandes projetos econômicos”, conclui.

O último relatório da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG), divulgado em 2019, apontou que 68% das terras indígenas e áreas naturais protegidas estão sob pressão de estradas, mineração, barragens, perfuração de petróleo, incêndios e desmatamento.

O levantamento da RAISG mostrou que, dos 6.345 territórios indígenas localizados nos nove países amazônicos pesquisados (Brasil, Venezuela, Colômbia, Bolívia, Peru, Equador, Guiana, Suriname e Guiana Francesa), 2.042 (32%) estão ameaçados ou pressionados por dois tipos de projetos de infraestrutura, enquanto 2.548 (41%) estão ameaçados ou pressionados por pelo menos um. Apenas 8% não estão em situação de ameaça ou pressão.

O procurador regional da República e assessor da REPAM-Brasil, Felício Pontes, afirma que o primeiro problema desses grandes projetos é que eles não levam em consideração os grupos e comunidades impactadas e que, por isso, a Convenção 169 determina que seja realizada a consulta prévia aos povos atingidos.

“Se essa [consulta] fosse realizada, teríamos muitos problemas já equacionados antes do início dessas obras, porque já sabíamos pelas pessoas que moram lá algumas consequências desses projetos que não são normalmente mencionados no Estudo de Impacto Ambiental”, destaca.

A Convenção 169 da OIT trata da definição sobre os povos indígenas e tradicionais, e ainda elenca uma série de obrigações de governos e empresas, entre elas, o direito à consulta prévia, livre e informada a partir das suas diferentes formas de organização e instituições comunitárias.

“Os projetos afetam como um todo a própria região, em alguns lugares, por exemplo, no caso de Belo Monte, já estamos vivenciando o ecocídio da volta grande do Xingu. Ele mata o próprio ecossistema com a possibilidade de se fazer a extinção de espécies de peixes e isso traz uma consequência terrível para essas comunidades. Então, nesse projeto, onde se usa a água dos rios amazônicos, os ribeirinhos e os pescadores artesanais são os mais impactados”, conta o procurador.

Ele cita outros projetos que afetam a região, como é o caso das rodovias, que impactam no desmatamento na Amazônia e no próprio clima do planeta. “Nós já sabemos e é cientificamente comprovado que as estradas são os maiores vetores de desmatamento na Amazônia e isso atinge também aqueles que dependem da floresta para sobreviver”, afirma.

O rastro de destruição começa antes mesmo das obras, pois essas iniciativas costumam valorizar as terras e chamar atenção da especulação imobiliária.

“Quando esses projetos são realizados existe uma especulação imobiliária, uma migração muito forte que alguns lugares até em pouquíssimos anos, 2 a 3 anos, a população local dobra. Então você imagina numa cidade em que não existe infraestrutura suficiente para dar conta já da população existente no local, em termos de saúde e educação, e essa cidade vê a sua população dobrando e em menos de 2 ou 3 anos torna-se um caos por conta dessa migração desenfreada”, explica Felício.

À medida que se intensificam as pressões na Amazônia, fica claro o preço que se paga pelo “desenvolvimento”, pois a lógica desses grandes projetos leva a impactos ambientais irreversíveis, apresentando grandes mudanças socioambientais, o que inclui o aumento da pobreza, o deslocamento forçado de famílias, a violência e o surto de doenças.

A solução está na promoção das práticas sustentáveis, na fiscalização e aplicação das leis ambientais e no apoio de alternativas econômicas que valorizem a proteção da biodiversidade e dos ecossistemas. A adoção de medidas eficazes, a conscientização global e o compromisso com a sustentabilidade são fundamentais para assegurar que a Amazônia continue desempenhando seu papel vital na manutenção do equilíbrio ambiental.

Essa reportagem faz parte do especial Desenvolvimento predatório na Amazônia. Nele, a Rede Eclesial Pan-Amazônica REPAM-Brasil detalha os impactos dos grandes projetos de desenvolvimento na Amazônia.

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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One thought on “O preço do desenvolvimento predatório na Amazônia

  • Laudir Luiz Auozani

    Excelentes informações. Uma bela pauta para discutir com as comunidades, conscientizar a população brasileira.

Fechado para comentários.