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Os 10 países em desenvolvimento mais populosos emitem 49% das emissões de carbono

 

Os 10 países em desenvolvimento mais populosos emitem 49% das emissões de carbono, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Estamos vivendo um colapso climático em tempo real e o impacto é arrasador”.
Secretário-geral da ONU, António Guterres (30/11/2023)

Os 10 países em desenvolvimento mais populosos do mundo tinham 54,6% da população global e respondiam por 48,6% das emissões de carbono em 2022.

Os Estados Unidos da América e o Japão também estão entre os países mais populosos, mas são classificados como países ricos e desenvolvidos, por isto não entram no rol dos 10 maiores países em desenvolvimento.

Segundo a Divisão de População da ONU, a população mundial era de 7,975 bilhões de habitantes em 2022, com a China sendo o país mais populoso do mundo (foi ultrapassada pela Índia em 2023), com 1,425 bilhão de habitantes, seguida da Índia com 1,417 bilhão de habitantes. Os outros 8 países em desenvolvimento possuem população entre 276 milhões e 123 milhões de habitantes. Os 10 países em desenvolvimento tinham em conjunto, em 2022, de 4,36 bilhões de habitantes, representando 54,6% da população global.

Os dados do instituto The Global Carbon Project 2023, sem contar o desmatamento e o uso da terra, mostram que as emissões globais de carbono, em 2022, foram de 10,1 milhões de toneladas de carbono (37,2 bilhões de toneladas de CO2). O líder disparado das emissões é a China com 3,1 bilhões de toneladas de carbono, muito mais do que os outros 9 países em conjunto. A Índia aparece em 2º lugar com 772 milhões de toneladas de carbono. A Rússia em 3º lugar com 451 milhões de toneladas, a Indonésia em 4º lugar com 199 milhões de toneladas, o México com 140 milhões de toneladas e o Brasil em 6º lugar com 132 milhões de toneladas de carbono.

população dos maiores países em desenvolvimento e emissões de carbono

 

Em geral, as emissões per capita são baixas, mas como o montante da população é alto, o resultado final é que as emissões de carbono dos 10 países em desenvolvimento mais populosos representam quase 50% das emissões globais. Isto quer dizer que o montante da população importa no cálculo das emissões de carbono.

Segundo a “Identidade Kaya”, existem 4 fatores que determinam as emissões de CO2, sendo eles o tamanho da população, a afluência da economia (renda per capita) e os outros dois ligados à tecnologia, como a intensidade energética e a intensidade de carbono. Dado o padrão tecnológico, os dois fatores mais influentes são a população e o estilo de vida propiciado pela renda per capita.

O gráfico abaixo mostra as emissões de carbono de Luxemburgo e Camarões. Em 1950, Luxemburgo emitia 2 milhões de toneladas de carbono e Camarões emitia apenas 0,04 milhões de toneladas. Em 2022, Luxemburgo emitiu 2,05 milhões de toneladas de carbono e Camarões emitiu 2,61 milhões de toneladas (para obter os valores em milhões de toneladas de CO2 por ano, os valores devem ser multiplicados por 3.664).

Em 1950 a população de Luxemburgo era de 297 mil habitantes e a de Camarões era de 4,3 milhões de habitantes (14,6 vezes maior). Em 2022, a população de Luxemburgo passou para 640 mil habitantes e a de Camarões saltou para US$ 27,5 milhões de habitantes (42,5 vezes maior). Muitos analistas costumam dizer que os países pobres, mesmo com volumes significativos de população, contribuem pouco para as emissões globais de carbono, como Camarões. Mas a mesma observação também pode ser feita para os países ricos, com alto padrão de renda e consumo, mas com população pequena, como Luxemburgo.

240117b emissões de carbono de luxemburgo e camarões

 

Portanto, cada um dos 2 países emitem cerca de 3 milhões de toneladas de Carbono, o que é muito pouco diante dos 10 bilhões de toneladas de carbono emitidas pelo mundo. Sem dúvida, durante a maior parte do período as emissões de Luxemburgo foram maiores do as de Camarões, mas o país africano superou as emissões do país europeu nos últimos anos, embora as duas nações mantenham grandes diferenças sociais. Luxemburgo tem uma pequena população e uma elevadíssima renda per capita, enquanto Camarões possui uma população bem superior à de Luxemburgo e uma renda per capita bem menor.

Isto acontece porque as emissões totais de um país são o resultado do volume da população multiplicado pelo nível de renda e consumo (dado o padrão tecnológico). Desta maneira, Luxemburgo com um nível de afluência muito alto emite aproximadamente a mesma quantidade de carbono, em 2019, do que Camarões que tem um nível de afluência muito baixo.

As emissões per capita de Camarões é baixa, mas quando multiplicada por uma população muito maior do que a de Luxemburgo, tem o efeito de aproximar as emissões totais de carbono. A tendência é Camarões aumentar as emissões por conta do aumento populacional, enquanto Luxemburgo deve diminuir as emissões por conta dos avanços tecnológicos. Desta forma, um país muito pobre emite mais do que um país muito rico e a diferença está no tamanho da população.

A Oxfam divulgou o relatório “Igualdade climática: Um planeta para os 99%”, em novembro de 2023, mostrando que, em 2019, o 1% mais rico do mundo foi responsável por 16% das emissões globais de carbono, o equivalente às emissões dos 66% mais pobres (5 bilhões de pessoas). Os 10% mais ricos são responsáveis por 50% das emissões.

Porém, é preciso considerar que a metodologia da Oxfam considera as emissões dos ricos a partir dos investimentos e da propriedade dos ativos das grandes empresas. Por exemplo, o relatório diz o seguinte sobre as empresas de combustíveis fósseis: “O papel das empresas, especificamente o das empresas de combustíveis fósseis, na condução da crise climática também está bem documentado. Um estudo de alto nível descobriu que 70% das emissões industriais de carbono desde 1998 provêm de apenas 100 produtores de petróleo, carvão e gás” (p. 10).

Evidentemente, as grandes empresas de exploração de hidrocarbonetos respondem pela maior parte da produção, mas o consumo dos combustíveis fósseis está espalhado pelo mundo e inclui bilhões de pessoas que usam a energia para as residências, para a produção de alimentos, o transporte e para o funcionamento das economias.

O relatório continua: “O papel das pessoas super e muito ricas (1% e 10% mais ricos em termos de renda) na degradação climática é bem menos conhecido e documentado. Compreender o seu papel é essencial se quisermos estabilizar com sucesso o nosso planeta e garantir uma vida digna para toda a humanidade. Em particular, o 1% mais rico é fundamental para a história climática de três maneiras: 1. através do carbono que emitem diariamente com o seu consumo, incluindo o dos seus iates, jatos particulares e estilos de vida luxuosos; 2. através dos seus investimentos e participações em indústrias altamente poluentes e do seu interesse financeiro no status quo econômico; e 3. através da influência indevida que exercem sobre os meios de comunicação, a economia, a política e a elaboração de políticas” (p.10).

Ou seja, a Oxfam considera as emissões dos ricos incluindo os seus investimentos. Todavia, se os investimentos, por exemplo, na indústria automobilística são importantes na emissão de carbono, não é apropriado considerar que todas as emissões de carbono da produção de automóveis seja atribuída à elite que detém a maioria das ações. Existem cerca de 1,5 bilhões de automóveis particulares no mundo e estes automóveis são usados por bilhões de pessoas que emitem gases de efeito estufa.

Como mostraram Auten e Splinter (2023), existe uma controvérsia como contabilizar a riqueza dos 1% mais ricos dos EUA (e do mundo). Isso vale para a contabilidade das emissões por nível de renda. Não há dúvidas de que os ricos consomem mais e emitem mais CO2, mas as emissões globais por renda ainda precisam ser mais bem avaliadas.

O fato é que a riqueza das elites econômicas depende da produção e do consumo de bilhões de pessoas no mundo e, a despeito das grandes desigualdades socioeconômicas, as emissões de carbono aumentam com o crescimento da população e da economia. Proporcionalmente, o número de consumidores importa.

Referências:

ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, maio 2022 https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595

ALVES, JED. Decrescimento demoeconômico com elevação da prosperidade social e ambiental, Ecodebate, 20/01/2023 https://www.ecodebate.com.br/2023/01/20/decrescimento-demoeconomico-com-elevacao-da-prosperidade-social-e-ambiental/

ALVES, JED. O papel da população e da economia nas emissões de CO2 em Luxemburgo e Camarões, Ecodebate, 31/05/2023
https://www.ecodebate.com.br/2023/05/31/o-papel-da-populacao-e-da-economia-nas-emissoes-de-co2-em-luxemburgo-e-camaroes/

The Global Carbon Project 2023 https://globalcarbonbudget.org/carbonbudget2023/

OXFAM. Igualdade climática: um planeta para os 99%, Novembro de 2023
https://www.oxfam.org.br/justica-climatica-e-amazonia/igualdade-climatica-um-planeta-para-os-99/

Auten, Gerald, and David Splinter (2023), “Income Inequality in the United States: Using Tax Data to Measure Long-term Trends,” Journal of Political Economy, forthcoming
https://www.davidsplinter.com/AutenSplinter-Tax_Data_and_Inequality.pdf

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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