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Artigo

Ordenamento Agroambiental como instrumento para uma Agricultura Sustentável

 

Ordenamento Agroambiental como instrumento para uma Agricultura Sustentável

Mesmo após duas décadas, o tema sobre ordenamento agroambiental continua atualizado e merece atenção especial

Marco Antonio Ferreira Gomes, Lauro Charlet Pereira, Anderson Soares Pereira

Pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente, Jaguariúna/SP

Introdução

Com o aumento crescente e sem controle dos eventos adversos de caráter global, tanto em relação ao clima quanto em relação à ação predatória do homem, torna-se urgente a adoção de práticas e processos sustentáveis em áreas produtivas, para reduzir ou minimizar os impactos negativos gerados.

É fato que o processo de degradação ambiental, tanto em escala local quanto global, encontra-se em estágio quase que irreversível e sem controle, oferecendo assim um perigo iminente para a sobrevivência dos seres vivos no Planeta.

Nesse contexto, a agricultura se apresenta como uma das atividades que tem contribuído para certo desequilíbrio ambiental, ainda que sua mensuração não tenha sido realizada em muitos lugares.

Frente a esse cenário visível e preocupante há mais de 20 anos, é que se enfatiza aqui uma proposta alternativa de caráter mais sustentável para o meio agrícola. Tal proposta já existe desde o início de 2003, sob denominação de ordenamento agroambiental, elaborada por parte dos autores do presente artigo, focando áreas frágeis no contexto de microbacias e sub-bacias.

Mesmo após duas décadas, o tema sobre ordenamento agroambiental continua atualizado e merece atenção especial, frente ao cenário ambiental que se agrava de forma exponencial em todo o mundo.

Fundamentos do Ordenamento Agroambiental

Integração de informações sobre geologia, solos (classificação e aptidão agrícola), relevo, clima, profundidade do lenço freático e práticas agrícolas com visão sustentável no contexto de microbacias e sub-bacias hidrográficas.

Com essas informações agregadas, as seguintes ações podem ser realizadas: a) Estratificação de ambientes, com a definição dos compartimentos, de acordo com a capacidade de uso do solo; b) Práticas agrícolas integradas como Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) /consórcios de floresta e cultivos; c) Manejo e conservação do solo e da água, e d) Serviços Ambientais e Serviços Ecossistêmicos.

É importante lembrar que várias dessas ações citadas, muitas vezes se sobrepõem, de modo que tal divisão tem caráter mais didático, com o propósito de mostrar o conjunto de ferramentas/ações disponíveis para a adoção/implementação do ordenamento ora proposto.

A Estratificação de ambientes foca na compreensão da paisagem como uma ferramenta fundamental nos trabalhos de planejamento e uso da terra. É resultante da interação de diversos fatores, tais como climáticos, geológicos, geomorfológicos, pedológicos e biológicos em um determinado tempo. O compartimento solo, por exemplo, é resultado da ação conjunta dos fatores citados e é um excelente estratificador de ambientes, uma vez que ele se distribui na paisagem em diferentes classes ou tipos, permitindo assim o planejamento adequado de uso e ocupação da terra.

As Práticas agrícolas integradas, por sua vez, envolvem os sistemas de cultivo que contemplam, de fato, as diversas formas de manejo comumente adotadas para uma determinada cultura agrícola, com a intenção de produzir de acordo com uma combinação lógica e ordenada de atividades e operações. Entre tais sistemas de cultivo, destacam-se: a) Sistema em sucessão de culturas – Ocorre quando o produtor repete uma sequência de duas espécies vegetais na mesma área por vários anos. Um exemplo é o caso de cultivar soja no verão e trigo no inverno onde esta situação é viável, ou cultivar soja no verão e milho no outono/inverno; b) Sistema em rotação de culturas – Trata-se de alternar de forma ordenada e cíclica diferentes culturas agrícolas em uma mesma área produtiva; c) Sistemas em consorciação de culturas ou poli cultivo – Caracteriza-se pelo cultivo de duas ou mais culturas na mesma área agrícola em um mesmo período de tempo e d) Sistema de Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), que consiste em explorar atividades agrícolas, pecuárias e florestais, de forma integrada, na mesma área e em épocas diferentes, proporcionando o uso mais eficaz os recursos naturais. Por ser um sistema de produção que engloba práticas conservacionistas, o Sistema Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, gera menor impacto sobre o meio ambiente; adota boas práticas agropecuárias (BPA’s); promove aumento de eficiência de máquinas, equipamentos e mão de obra; amplia geração de emprego e renda, além de resultar em melhorias das condições socioambientais no meio rural.

Já o Manejo e conservação do solo e da água é constituído por um conjunto de práticas de caráter vegetativo, edáfico e mecânico que visa a conservação do solo e da água na propriedade rural, bem como a manutenção da sua capacidade produtiva. Dessa forma, tal conjunto contribui para a conservação das propriedades físicas e químicas do solo, para o controle dos processos erosivos, para a recarga do lençol freático e, ainda, no sequestro do carbono, reduzindo assim a formação de grandes passivos ambientais, a exemplo das voçorocas e dos gases de efeito estufa.

Por sua vez, os Serviços Ambientais e Serviços Ecossistêmicos contemplam a geração de benefícios ao ambiente, tanto sob condições antrópicas quanto sob condições naturais, respectivamente. Os Serviços Ambientais são conceituados como aqueles prestados pelos diversos agentes econômicos para conservação e/ou recuperação dos recursos naturais. Entre os diversos exemplos, podem ser destacados: recuperação e manutenção da mata ciliar; construção de terraços; e recuperação de áreas degradadas.

Já os Serviços Ecossistêmicos são definidos por processo naturais, ou seja, ocorrem pela ação da natureza, quando é disponibilizado um recurso com possibilidade de ser usado pelo homem. Em síntese, ambos os serviços são fundamentais no processo de Ordenamento agroambiental, contribuindo para a sustentabilidade da microbacia ou sub-bacia.

A ilustração, a seguir (Figura 1), mostra o quão é importante e benéfica para a propriedade rural, a implantação de um processo de Ordenamento Agroambiental. Os ganhos, traduzidos em impactos positivos, são expressivos, conferindo uma valorização substancial da propriedade rural como um todo.

infográfico - ordenamento agroambiental

Figura 1. Ordenamento agroambiental na forma de ILPF.

Fonte: Adaptado de EMATER-MG (2020).

Arranjo institucional para consolidação do processo de ordenamento

Para consolidação do processo de ordenamento, são necessárias ações de parceria e integração entre os proprietários rurais, prefeituras, cooperativas agrícolas, órgãos de assistência técnica rural, associação de produtores rurais e ONGs do meio ambiente e rural, visando: a) levantamento das informações básicas de campo para obtenção do ordenamento – trabalho de pesquisa; b) aplicação prática do ordenamento, com suporte técnico ao proprietário rural e c) divulgação dos benefícios do ordenamento na comunidade agrícola, como forma de incentivo à adesão de outros proprietários rurais na mesma microbacia e/ou sub-bacia.

Benefícios do Ordenamento Agroambiental

Muitos benefícios podem ser obtidos com o Ordenamento Agroambiental, entre os quais se destacam:

a) Cultivo de plantas em locais (solos) adequados, com o aumento da produtividade e geração de renda;

b) Recomposição da vegetação junto às nascentes e margens dos cursos d’água, de acordo com as premissas do ordenamento, com o consequente aumento da produção de água;

c) Manejo adequado solo, contribuindo para a recarga do lençol freático e a eliminação (ou redução) de processos erosivos;

d) Possibilidade de monitoramento do clima, observando as tendências, na orientação para a implantação de determinadas práticas agrícolas, bem como adoção de cultivares mais resistentes ao déficit hídrico;

e) Maior fixação do carbono no solo, aumentando seus estoques no ambiente, contribuindo assim para a redução dos gases de efeito estufa;

f) Formação de um microclima que permite minimizar em âmbito local as alterações climáticas de efeito global.

Referências

EMATER-MG. (2020). https://www.emater.mg.gov.br/portal.do/site-noticias/propriedade-rural-em-sao-francisco-do-gloria-vira-referencia-de-desenvolvimento-sustentavel-na-zona-da-mata/?flagweb=novosite_pagina_interna&id=25048. Consulta em 11/11/2022.

GOMES, M. A. F.; PEREIRA, L. C.; PEREIRA, A. S.; ASSIS, M. C.; HAMADA, E.; ASSAD, M. L. R. C. Ordenamento Agroambiental das áreas de afloramento do Aqüífero Guarani – conceitos e aplicações. In: GOMES, M. A. F. Uso agrícola das áreas de afloramento do Aqüífero Guarani no Brasil – implicações para a água subterrânea e propostas de gestão com enfoque agroambiental. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2008. p. 344-362.

PEREIRA, L. C.; GOMES, M. A. F.; TÔSTO, S. G.; GALDINO, S.; PARENTE, T. L. O solo no contexto dos serviços ecossistêmicos e serviços ambientais na Amazônia. In TÔSTO, S. G.; PEREIRA, L. C.; GOMES, M. A. F.; RODRIGUES, J. A. (Eds.). Serviços ecossistêmicos e serviços ambientais de solo, carbono e água – Amazônia. Campinas: Embrapa Territorial, 2023 (no prelo).

TÔSTO, S. G.; PEREIRA, L. C.; MANGABEIRA, J. A. de C. Serviços ecossistêmicos e serviços ambientais: conceitos e importância. EcoDebate, 13 dez. 2012. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2012/12/13/servicos-ecossistemicos-e-servicos-ambientais-conceitos-e-importancia-artigo-de-sergio-gomes-tosto-lauro-charlet-pereira-e-joao-alfredo-de-c-mangabeira/. Acesso em: 08 ago. 2021.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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