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Contaminação de rios no RS acende alerta sobre a presença de poluentes emergentes na água

 

Contaminação de rios no RS acende alerta sobre a presença de poluentes emergentes na água

Um estudo desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apontou que 56 mananciais superficiais do estado apresentaram um alto índice de contaminação química e biológica, afetando diretamente o abastecimento de água de diversas cidades, incluindo a capital Porto Alegre.

Por Naiana Madureira

Além da contaminação por protozoários como Giardia e Cryptosporidium, foram identificadas quantidades significativas de 17-alpha-etinilestradiol, um hormônio sintético encontrado em fármacos de uso humano e veterinário, que pode afetar o sistema endócrino de seres humanos e animais.

O assunto chamou a atenção de especialistas da Associação Latino-Americana de Dessalinização e Reúso de Água (ALADYR), uma das maiores referências da América Latina nesse setor e que tem como objetivo o desenvolvimento e promoção de conhecimento sobre a gestão sustentável e eficiente da água. “Os contaminantes emergentes, como é o caso do 17-alpha-etinilestradiol, não são removidos do esgoto apenas com o tratamento secundário e, por isso, podem ser encontrados nos mananciais, inclusive aqueles utilizados para o abastecimento das cidades”, afirma Jorge Augello, representante da ALADYR no Brasil.

Os poluentes ou contaminantes emergentes são substancias potencialmente tóxicas, cujas concentrações no ambiente e implicações no longo prazo ainda não estão completamente mapeadas. Normalmente são oriundos de diferentes processos, estando presentes em compostos de uso industrial, produtos de higiene pessoal, medicamentos, fármacos de uso veterinário, pesticidas, entre outros, e são despejados nos rios através do descarte de esgoto e efluentes, tratados ou não.

O representante da ALADYR alerta que muitos desses compostos ainda não constam nos programas e legislações de controle e monitoramento da qualidade da água ou do esgoto tratado. “Além disso, o tratamento de água convencional assegura apenas a sua qualidade microbiológica, não tendo parâmetros ou limites para esse tipo de poluente, visto que a maioria das estações de tratamento de água foram projetadas há muitos anos, quando essa preocupação ainda não era latente”, destaca Jorge.

Preocupação mundial

No Brasil a discussão sobre o tema tomou fôlego há alguns anos, mas casos diagnosticados em outros países dão conta do tamanho do problema. Já na década de 80, cientistas norte-americanos relacionaram a diminuição da população de crocodilos do lago Apopka, na Flórida (EUA), com a exposição contínua a pesticidas.

As pesquisas mostraram que, mesmo em baixas concentrações, o dicofol, utilizado como acaricida agrícola, reduziu a porcentagem de eclosão dos ovos de crocodilo e ocasionou a morte de metade dos filhotes nos primeiros dias de vida. Todos os animais que viviam no lago apresentaram uma elevada concentração do hormônio estradiol-17ß, afetando diretamente o sistema reprodutor e gerando infertilidade. Os resultados foram relacionados a um vazamento de compostos, de forma não controlada, ocorrido na indústria Tower.

Nos anos 90, outro estudo chamou atenção para um desequilíbrio entre machos e fêmeas em algumas espécies de peixes presentes em diferentes regiões dos Estados Unidos, o problema foi relacionado com a presença de interferentes endócrinos (hormônios) lançados nos rios através dos esgotos da região.

Essas contaminações estão intimamente ligadas com o contexto moderno de adensamento urbano, que ampliou a utilização de medicamentos (de uso humanos e veterinário), cosméticos e produtos de higiene, detergentes sintéticos, fertilizantes, fungicidas, herbicidas, inseticidas, produtos de limpeza e polimento, retardantes de chamas, surfactantes, nanopartículas, entre outros.

Cenário do Rio Grande do Sul

Em 2013, uma pesquisa publicada pelo Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA), sediado do Instituto de Química da Unicamp, avaliou a qualidade da água consumida por cerca de 40 milhões brasileiros, moradores de 20 capitais. O estudo analisou o nível de cafeína presente nas amostras de água coletada, uma vez que essa substância possui uma ação estrógena similar ao hormônio sintético etinilestradiol. O resultado mostrou que Porto Alegre apresentou a maior concentração de cafeína na água distribuída à população, com uma média de 2.257 nanogramas por litro.

Segundo dados do último diagnóstico divulgado pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, no Rio Grande do Sul apenas 38,6% da população urbana é atendida com rede de esgotamento sanitário, sendo que somente 25,7% do volume total de esgoto gerado é efetivamente tratado. Números que se refletem diretamente na saúde da população, lembrando que o estado viveu no último ano um surto de doença diarreica aguda, que até o mês de outubro de 2021 já havia acometido mais de duas mil pessoas em 25 municípios.

O representante da ALADYR alerta que, quase sempre, os mesmos rios que são fontes para captação de água para abastecimento também são utilizados para descarte de esgoto. “No Brasil é praticada uma espécie de reúso indireto não planejado em cadeia, com o lançamento dos esgotos de um munícipio em um ponto do rio seguida da coleta de água para tratamento e abastecimento público por outra cidade,” adverte Jorge.

O tratamento convencional biológico e físico-químico, quando realizado de acordo com as boas práticas, é muito eficiente na remoção de patógenos e matéria orgânica; entretanto, para a remoção de poluentes emergentes é necessária a implantação de etapas complementares como, por exemplo, membranas, carvão ativado, carvão biologicamente ativado e processos oxidativos avançados.

“Agora surge a necessidade de olhar para tecnologias de tratamento mais modernas e que contemplem a nova gama de poluentes atrelados ao novo modo de vida da sociedade, como já vem sendo implantados em países cujos sistemas de saneamento básico encontram-se mais avançados, como é o caso dos Estados Unidos, Inglaterra e outros países da Europa”, destaca Jorge.

A ALADYR entende que “que a segurança hídrica de um país está ligada não apenas a obtenção de novas fontes de recursos hídricos, mas, também, à coleta, tratamento e descarte correto do esgoto (doméstico e industrial), que impacta diretamente na qualidade dos mananciais que abastecem a população”. Este e outros temas correlatos serão abordados por diferentes especialistas no Congresso Internacional ALADYR 2022, que será realizado nos dias 6 e 7 de abril, no Hotel Blue Tree Premium, em São Paulo.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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