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Conservação, Baleias e Turismo no Extremo Sul da Bahia, Parte 3

 

Conservação, Baleias e Turismo no Extremo Sul da Bahia: uma conversa a partir da Educação Ambiental com quem entende sobre o tema, Parte 3

A proteção das baleias só seria válida e eficaz se os oceanos também fossem preservados e houvesse mobilização mundial para reduzir o aquecimento global e o lixo humano lançado nos oceanos

Elissandro Santana entrevista o biólogo Marcelo Arcanjo de Jesus (Marcelo Cobra)

marcelo arcanjo de jesus marcelo cobra

Crédito de imagem: Marcelo Cobra

Conversa III

Elissandro Santana: Nesta terceira conversar, Prezado Marcelo Cobra, adentraremos em discussões mais específicas no campo da biologia da Baleia Jubarte, em especial, na perspectiva da fisiologia e da anatomia e, também, como estes mamíferos estão enfrentando as mudanças climáticas em curso e quais os principais riscos para a espécie caso as projeções de aumento da temperatura planetária se confirmem nas próximas décadas.

Feita esta apresentação, peço que discorra sobre estas questões iniciais.

Marcelo Cobra: Como dito em conversas anteriores, as baleias jubartes são animais misticetos (possuem barbatanas, substituindo os dentes), então, há restrição na dieta, limitando-as a serem basicamente animais filtradores.

Há alguns grupos de baleias jubartes que adicionam arenques (espécie de peixe) em seu cardápio, no entanto, no geral, se alimentam, quase que exclusivamente, de krill e plâncton.

Com base neste conhecimento, sabemos que as jubartes são diretamente afetadas pelas mudanças climáticas, pois essas aquecem descontroladamente as águas do oceano, matando o krill e levando as jubartes a adquirirem muitas doenças, entre elas a desnutrição. Sem a alimentação adequada, as baleias não adquirirão a energia necessária para as longas viagens entre a Antártica e as áreas de reprodução e partos, como, por exemplo, o Arquipélago de Abrolhos entre a Bahia e o Espírito Santo.

Elissandro Santana: apresente as principais características anatômicas desse mamífero. Como procria, quanto tempo vive e como interage com o ecossistema no qual vive? Aproveite também para classificá-lo do ponto de vista da sistemática e da taxonomia, de forma mais pontual, apesar de já haver feito isso em uma das conversas anteriores.

Marcelo Cobra: As baleias jubartes são seres bastante evoluídos e completamente adaptados aos oceanos. Todas as baleias derivam de ancestrais comuns que eram mamíferos terrestres. Esses ancestrais foram se familiarizando com o ambiente aquático até passarem a viver dentro dele.

O corpo cilíndrico da jubarte favorece a navegação sem muito atrito com a água. Não há dimorfismo sexual entre elas (machos e fêmeas são idênticos, com exceção do comprimento que atingem.). As fêmeas são ligeiramente maiores do que os machos. Podem atingir 16 metros de comprimento, pesando 40 toneladas e são capazes de ficarem por um tempo de 40 minutos sem a necessidade de nadarem à superfície para respirar.

Quanto à respiração, o nariz das baleias está localizado em seu dorso, o que facilita que consigam tomar ar sem colocarem a cabeça para fora da água.

Uma curiosidade é que as jubartes possuem dois furos no orifício respiratório. Nisso há diferença entre as baleias com dentes e as que possuem barbatanas. Todas que possuem dentes têm apenas um furo.

As jubartes são conhecidas como baleias corcundas, devido a uma curvatura bastante sinuosa em seus dorsos, que se destaca quando recorrem à superfície para respirar. Também são chamadas de baleias cantoras, mas aqui também há algo extraordinário: as jubartes não possuem cordas vocais e são capazes de emitir sons que se propagam a longas distâncias no oceano e são compreendidos por outras jubartes a quilômetros delas.

Até onde se sabe, as baleias emitem sons movimentando o ar internamente entre várias cavidades cranianas, os sacos aéreos, e através dos chamados lábios fônicos, ou pregas vocais. Já seu nome científico, Megaptera novaeangliae (Grandes asas da Nova Inglaterra), ao tamanho desproporcional das nadadeiras peitorais, nos animais adultos podem atingir 5,5 metros. Entre as explicações de porque essas nadadeiras são tão grandes, é que as longas distâncias que percorrem dependem desses grandes braços, assim como uma das principais características do ritual de acasalamento que são os saltos, e estes se devem a estas grandes nadadeiras.

Vivem em torno de 60 anos e as gestações levam 11 meses, coincidindo as atividades sexuais e os partos nas mesmas áreas uma vez por ano. Nenhuma espécie de baleia pare mais do que um filhote. Esses filhotes nascem com algo em torno de 5,5 metros de comprimento e pesam em média 1.000 quilos. Embora sejam mamíferos, esses animais não possuem peitos externos, pois isso atrapalharia a hidrodinâmica, assim como os machos guardam dentro do corpo os testículos.

Devido ao fato de que o peito está guardado no interior das mães, os filhotes possuem grande desafio para a amamentação. A amamentação ocorre em águas calmas, onde as mães jubartes se aproximam da superfície e inclinam lateralmente o corpo para facilitar que seus filhotes tomem o leite que será expelido na água. São mães muito cuidadosas e os filhotes são totalmente dependentes delas nos primeiros anos de vida.

Elissandro Santana: do ponto de vista anatômico e fisiológico, quais vantagens e desvantagens a baleia, em especial, a jubarte, enfrenta e pode enfrentar em um planeta que, em decorrência das ações antropocêntricas, está passando por grandes transformações?

Marcelo Cobra: Sem dúvida, a maior desvantagem da baleia jubarte é ser especializada na dieta e ter como alimento principal o krill. Infelizmente, este é muito vulnerável às mudanças climáticas, sendo, portanto, eliminado assim que a temperatura dos oceanos aumenta.

Devido ao ecoturismo de visualização de baleias, as ONGs, as empresas de turismo e os grupos de pessoas que defendem a proteção das baleias têm sido fundamentais para que os cetáceos se livrem do risco de extinção, mas há algo muito grave que preciso informar: a proteção das baleias só seria válida e eficaz se os oceanos também fossem preservados e houvesse mobilização mundial para reduzir o aquecimento global e o lixo humano lançado nos oceanos. Diante do exposto até aqui, não parece muito inteligente proteger as baleias e eliminar seu alimento, além de poluir seu ambiente, pois isso se configura como uma antítese ou um paradoxo.

Outra desvantagem das baleias está no processo de respiração, pois ficam vulneráveis todas as vezes que estão na superfície. Frente a isso, é preciso e urgente repensar as navegações humanas e sua infinidade de embarcações que, de todas as formas, são um perigo constante aos seres dos oceanos, pelo barulho, vazamento de combustíveis e descarte de resíduos.

Elissandro Santana: Nas viagens de avistamento, você e toda a equipe dialogam com os visitantes sobre os riscos que as baleias enfrentam no ecossistema marítimo cada vez mais em desarranjo no planeta em mudança?

Marcelo Cobra: O passeio para avistamento de baleia jubarte consiste exatamente num momento oportuno para conscientizar as pessoas sobre preservação. Ao verem as baleias de perto, as pessoas são tocadas pela emoção e se sentem compromissadas com o planeta e com os seres que o habitam.

É comum que encontremos lixo nas águas que navegamos. A sujeira humana que flutua na superfície ao lado de baleias, golfinhos e tartarugas, imortalizando nas fotos e vídeos o quão irracional é o ser humano.

O trânsito contínuo de diversos tipos de embarcações polui os oceanos com vibrações, barulhos, luzes, combustíveis e perigo aos organismos que ali vivem. A pesca predatória e as mortes geradas pelas redes e malhas que são deixadas por vários dias nas áreas de pescas.

Aprendi que para tocar as pessoas, preciso apresentar os animais e informar sobre a importância deles para o equilíbrio do planeta.

A tecnologia vem auxiliando muito nossas pesquisas. Por exemplo, os drones se tornaram fundamentais para nós, pois não precisamos estar tão perto das baleias. A certa distância, enviamos os drones para que registrem os animais sem o estresse que seria gerado pelo barulho do barco e vibração das hélices na água.

Elissandro Santana: Em relação à conformação anatômica das Jubartes, quais características são mais marcantes e quais os papéis que elas desempenham para o funcionamento desses grandes mamíferos?

Marcelo Cobra: Como dito antes, a principal característica visível na baleia jubarte é o tamanho desproporcional das nadadeiras peitorais. Essas nadadeiras correspondem a 1/3 do corpo do animal. As jubartes fazem da superfície dos oceanos um palco para seu baile. Exibem-se em saltos majestosos, onde se lançam para fora da água. Costumam erguer as nadadeiras e as chacoalham no ar. Também batem violentamente a nadadeira caudal na superfície da água. Sabemos que essas exibições compõem o ritual de acasalamento, onde os machos disputam freneticamente entre si pelo direito de copular com as fêmeas. Os adolescentes e jovens também se divertem em repetir esses movimentos que veem dos adultos. Baleias são muito curiosas e aprendem umas com as outras.

Elissandro Santana: Por tudo o que já conversamos, visualizo nos passeios que você e equipe fazem um espaço fértil para um conhecimento ambiental, uma sala de educação ambiental aberta para diálogos diversos e aprendizagens em várias perspectivas de análises. Nas duas conversas anteriores, o público leitor pode entender que as baleias jubartes fazem parte de uma longa teia de vida, em rede, em conexão, servindo de abrigo, inclusive, para outras espécies e o ponto que, talvez, chame mais a atenção é que elas, a partir das próprias fezes, fertilizam o mar por onde passam e isso demonstra que são produtoras de vida.

O que mais teria a acrescentar ao que já foi dito para que o/a leitor/a se sensibilize cada vez mais sobre a importância da conservação da baleia e de todo o ecossistema marítimo não somente no Extremo Sul da Bahia, mas em todos os oceanos do Planeta?

Marcelo Cobra: Algo que não podemos esquecer é que a natureza mantém todas as formas de vida em constante equilíbrio. Neste contexto, nem mesmo as fezes são descartadas sem que algum animal ou até mesmo as plantas não retirem delas nutrientes que precisam. Nem mesmo os humanos fogem a essas regras ambientais. Infelizmente, diferente de qualquer outra espécie, a ganância humana e seu desejo de posse e briga constante por poder, torna o ser humano um bicho estranhamente irracional e cruel.

Ainda temos tempo para retroceder neste caminho destrutivo que trilhamos e é com esse pensamento que diariamente delego esforços e energia no trabalho de conscientização e educação ambiental. Temos que repensar nosso consumo e buscar minimizar os impactos gerados por nossa presença no planeta. Levar pessoas para verem as baleias abre portas para, a partir de um turismo alicerçado na educação ambiental, plantar nelas a semente do cuidar e do proteger.

Nota da redação: Para acessar a primeira parte desta entrevista clique nos links:

Parte 1

Parte 2

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/11/2021

 

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