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O déficit ecológico do Planeta vai além dos segmentos ricos

 

O déficit ecológico do Planeta vai além dos segmentos ricos, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

A Pegada Ecológica da humanidade superou a biocapacidade da Terra desde o início da década de 1970 e a cada ano o déficit aumenta mais um pouco.

O impacto ecológico do ser humano depende do número de pessoas e do padrão de produção e consumo da população mundial. Como a população e a economia tem apresentado grande crescimento ao longo dos dois últimos séculos, o impacto antrópico sobre a natureza tem sido enorme e crescente.

A Global Footprint Network apresenta duas medidas úteis para se avaliar este impacto humano sobre o meio ambiente e a disponibilidade de “capital natural” do mundo. A Pegada Ecológica serve para avaliar o impacto que o ser humano exerce sobre a biosfera.

A Biocapacidade avalia o montante de terra e água, biologicamente produtivo, para prover bens e serviços do ecossistema à demanda humana por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza.

Em geral, todas as atividades econômicas do ser humano – quer sejam para a sobrevivência do dia a dia ou para o consumo conspícuo – causam algum dano ao meio ambiente. Mas, evidentemente, quanto maior a renda e o consumo dos indivíduos e das famílias maior é a degradação ambiental. Quanto maior o luxo, maior é o lixo.

Segundo a Global Footprint Network, a população mundial em 2017 era de 7,53 bilhões de habitantes, com uma pegada ecológica total de 20,8 bilhões de hectares globais (gha) e uma biocapacidade total de 12 bilhões de gha, conforme mostra a tabela abaixo. A pegada ecológica global per capita estava em 2,77 gha e a biocapacidade per capita de 1,6 gha. Assim, a Terra tinha um déficit per capita de 1,17 gha (ou um déficit total de 8,8 bilhões de gha). Ou seja, para manter o consumo humano de 2017 seriam necessários 1,73 planetas. Por conseguinte, o nível das atividades antrópicas atual é insustentável em termos ecológicos e o dia da Sobrecarga tem ocorrido cada vez mais cedo.

pegada ecológica e biocapacidade para o mundo por categoria de renda

A tabela também mostra que são as parcelas ricas da população que mais contribuem para o déficit ambiental. Os países ricos, em 2017, tinham 1,14 bilhão de pessoas com uma pegada ecológica per capita de 5,99 gha (com pegada total de 6,8 bilhões de gha) e uma biocapacidade per capita de 2,8 gha (com biocapacidade total de 3,2 bilhões de gha). Portanto, os países ricos tinham um déficit de 3,6 bilhões de gha e, se este modelo fosse generalizado, seriam necessários 3,75 planetas para sustentar o padrão de vida.

Os países de renda média alta (inclui a China), em 2017, tinham 2,44 bilhões de pessoas com uma pegada ecológica per capita de 3,48 gha (com pegada total de 9,2 bilhões de gha) e uma biocapacidade per capita de 2,2 gha (com biocapacidade total de 5,8 bilhões de gha). Portanto, os países de renda média alta tinham um déficit de 3,34 bilhões de gha e, se este modelo fosse generalizado, seriam necessários 2,2 planetas para sustentar este tipo de padrão de vida.

Os países de renda média baixa (inclui a Índia), em 2017, tinham 2,8 bilhões de pessoas com uma pegada ecológica per capita de 1,36 gha (com pegada total de 3,8 bilhões de gha) e uma biocapacidade per capita de 0,81 gha (com biocapacidade total de 2,2 bilhões de gha).

Portanto, os países de renda média baixa tinham um déficit de 1,5 bilhões de gha e, se este modelo fosse generalizado, haveria sustentabilidade ambiental, pois requereria apenas 0,85 planeta para sustentar o padrão de produção e consumo deste nível de renda.

Da mesma forma, os países de baixa renda (especialmente a África Subsaariana), em 2017, tinham 947 milhões de habitantes com uma pegada ecológica per capita de 1,01 gha (com pegada total de 967 milhões de gha) e uma biocapacidade per capita de 1.02 gha (com biocapacidade total de 960 milhões de gha).

Portanto, os países de renda baixa tinham equilíbrio (na verdade -8 mil gha) entre a pegada ecológica e a biocapacidade. Se este modelo fosse generalizado, haveria sustentabilidade ambiental, pois requereria apenas 0,64 planeta para sustentar o padrão de produção e consumo deste nível de renda.

Indubitavelmente, a humanidade já ultrapassou os limites da resiliência do Planeta e mesmo que houvesse uma justa e igualitária distribuição de renda o déficit ambiental se manteria. Desta forma, do ponto de vista ambiental, não basta expropriar (ou eliminar) os ricos.

Equidade de renda é fundamental para a justiça social, mas do ponto de vista da natureza a necessidade é de decrescimento do impacto demoeconômico.

Para garantir a sustentabilidade ambiental e erradicar o déficit ecológico há 4 alternativas: 1) mudar o padrão de produção para manter uma economia de baixo carbono e de baixo impacto ambiental; 2) diminuir substancialmente o consumo; 2) diminuir substancialmente o tamanho da população; ou 4) fazer as três alternativas anteriores em conjunto. No caminho atual o mundo avança na direção da tragédia do ecocídio, que também é a estrada que leva ao suicídio humano e civilizacional.

O desafio da sustentabilidade requer respostas complexas e soluções múltiplas. Uma tarefa inadiável é promover o avanço tecnológico, a mudança da matriz energética, revolucionar a produção de alimentos e esforçar para o desacoplamento entre produção e recursos naturais.

Mas isto só não basta. É preciso também reduzir a pegada ecológica e o número de “pés”, isto é, diminuir o consumo conspícuo e o número de consumidores. “Menos é mais”, como mostra Jason Hickel em um livro que fornece o argumento mais persuasivo e abrangente em favor do decrescimento.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referência:

Jason Hickel. Less is more: Degrowth Will Save the World, 2020
https://www.degrowth.info/en/2020/08/book-review-less-is-more-how-degrowth-will-save-the-world-by-jason-hickel/

Jonas Jorge da Silva. Enfrentar a crise climática é inadiável. “O ecocídio é também um suicídio”, avalia Diniz Alves, IHU, 18/05/2021
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/609332-enfrentar-a-crise-climatica-e-inadiavel-o-ecocidio-e-tambem-um-suicidio-avalia-diniz-alves

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/06/2021

 

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