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Disseminação do glifosato associa-se à deterioração de indicadores de saúde infantil

 

Disseminação do glifosato associa-se à deterioração de indicadores de saúde infantil

Saúde dos recém-nascidos é pior onde se usa água oriunda da sojicultura intensiva com pesticida glifosato

Aplicação de composto químico para controle de fungos em horta em Campo Mourão, no Paraná

Aplicação de composto químico para controle de fungos em horta em Campo Mourão, no Paraná

 

A disseminação do glifosato, pesticida mais vendido no Brasil, nas lavouras de soja de 2004 a 2010 vincula-se à deterioração de indicadores de saúde de recém-nascidos em cidades rio abaixo que recebem água das regiões sojicultoras.

Municípios nessa situação do Centro-Oeste e do Sul registraram alta de 5% na mortalidade infantil, 503 óbitos anuais a mais ao todo.

Insper Instituto de Ensino e Pesquisa

No trabalho “Down the River: Glyphosate Use in Agriculture and Birth Outcomes of Surrounding Populations” (rio abaixo: uso de glifosato na agricultura e indicadores de nascimento das populações vizinhas), os pesquisadores Mateus Dias (Universidade de Princeton), Rudi Rocha (FGV) e Rodrigo Soares (Insper) chegam a essas conclusões pela análise de dados agrícolas, sanitários, geográficos e socioeconômicos das duas regiões que concentram a produção de soja no Brasil.

O glifosato ganhou proeminência no Brasil a partir da safra de 2004, semeada nos últimos meses de 2003, quando medidas provisórias do Executivo federal legalizaram o plantio de soja geneticamente modificada. A inovação disseminou-se depressa porque alavancou a produtividade da sojicultura, e essa escalada foi acompanhada pelo glifosato, complementar à soja transgênica, a qual é resistente ao pesticida.

 

 

De 2000 a 2010 a venda do glifosato triplicou para 128 mil toneladas. A marcha seguiu na década seguinte, e em 2019 foram comercializadas 217,6 mil toneladas, pouco abaixo da soma dos nove outros agrotóxicos e componentes ativos mais vendidos no país.

A biossegurança do glifosato depende de características do solo e dos cursos d’água. Estudos detectaram sua presença e persistência em fontes hídricas na cercania imediata e distante de regiões produtoras. Outras análises demonstram a capacidade do glifosato, mesmo em pequenas doses, de prejudicar a gestação ao atingir a placenta e o nascituro.

Mateus, Rudi e Rodrigo se baseiam nessas informações para avaliar a hipótese de que a disseminação do glifosato a partir de 2004 deteriorou as condições de saúde dos nascimentos em municípios que recebem água de rios de regiões com cultivo de soja.

O trio confirmou a conjectura —um efeito nocivo difuso anual de US$ 583 milhões se contabilizado o potencial econômico das vidas perdidas— com uma série de providências para certificar-se de que outros fatores não interferiram no resultado.

Veja como os pesquisadores responderam a alguns desafios que poderiam enfraquecer ou anular suas conclusões.

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A piora dos indicadores de saúde ao nascer ocorreu em municípios a jusante das regiões sojicultoras, mas não nos que ficam a montante delas. Para determinar a posição de cada município ao longo dos cursos d’água, foi utilizado o catálogo de bacias de drenagem elaborado pelo método desenvolvido pelo engenheiro Otto Pfafstetter (1923-1996) e adotado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico.

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Indicadores de saúde materno-infantil, socioeconômicos e de infraestrutura sanitária eram similares entre municípios em posições elevadas e inferiores na bacia de drenagem antes de 2004. Dados como os de mortalidade infantil, baixo peso ao nascer, leitos hospitalares, pobreza, renda per capita e padrões de empregabilidade mostram que a situação era comparável entre os municípios antes da disseminação do glifosato.

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Regiões que aderem amplamente ao glifosato podem ter maior predisposição à inovação tecnológica, o que pode estar correlacionado a outros fatores endógenos, como indicadores socioeconômicos, e afetar os indicadores de saúde ao nascer. Ademias, a medida primária dos autores para o uso do glifosato assume que o pesticida é integralmente utilizado nas plantações de soja, ignorando o uso em outras culturas agrícolas. Para resolver esses dois problemas, os autores consideram nos cálculos finais o volume usado de glifosato que pode ser explicado pelos ganhos potenciais de produtividade em cada região com a adoção da soja transgênica

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A piora na saúde dos recém-nascidos rio abaixo está concentrada no período do ano chuvoso e de aplicação do pesticida, nas gestações expostas por mais tempo ao glifosato e quando há mais erosão do solo rio acima. Dados pluviométricos, de qualidade do solo e de meses de nascimento foram mobilizados para esses testes. O efeito na mortalidade infantil em municípios rio abaixo diminui e deixa de ser significativo nos meses de abril a setembro, quando não há aplicação do glifosato. A ausência de um mínimo de chuvas também se relaciona com a interrupção do impacto. O efeito na mortalidade é 44% maior para partos ocorridos de março a junho (máxima exposição gestacional ao pesticida) do que nos nascimentos de julho a fevereiro (mínima exposição).

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Três de cada quatro óbitos infantis a mais estão relacionados a complicações em torno do parto e respiratórias. A literatura especializada atribui ao glifosato capacidade de prejudicar o crescimento e o desenvolvimento fetal, o que aumenta a probabilidade de mortes de recém-nascidos. Dificuldades na respiração são sequelas frequentes de partos prematuros, bem como da exposição direta ao pesticida.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/05/2021

 

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