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Artigo

Vietnã emergente e Brasil submergente

 

Vietnã emergente e Brasil submergente, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate]

O Brasil e o Vietnã são países que estão apresentando ritmos diferentes de desenvolvimento. O Vietnã é uma nação emergente que tem apresentado bons indicadores econômicos e cresce acima da média mundial, enquanto o Brasil é uma nação submergente que teve a sua segunda década perdida (2011-20) e cresce abaixo da média mundial.

No combate à pandemia o Vietnã se saiu muito melhor, como mostrei no artigo “As lições do Vietnã na vitória contra o coronavírus” (Alves, 06/05/2020). Com apenas 35 vidas perdidas para a covid-19, o Vietnã tem um coeficiente de mortalidade de apenas 0,4 óbito por milhão, enquanto o Brasil tem um coeficiente de 1.687 óbitos por milhão no dia 12/04/2021. Ou seja, para cada vietnamita morto pelo SARS-CoV-2 morreram 4.200 brasileiros. O Vietnã resolveu primeiro a pandemia e depois deslanchou a economia.

O relatório WEO, do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgado no dia 06 de abril de 2021, apresenta uma série de estatísticas nacionais e internacionais de 1980 até 2020, com projeções até 2026. O gráfico abaixo mostra a renda per capita (US$ a preços constantes em poder de paridade de compra – ppp) do Brasil e do Vietnã. Em 1980, enquanto o Vietnã tinha uma renda de US$ 1,4 mil, a renda do Brasil era de US$ 11,4 mil (8 vezes mais alta). Em 2020, a renda do Vietnã tinha passado para US$ 10,3 mil, enquanto a do Brasil estava em US$ 14,2 mil (1,4 vezes mais alta). Para 2026, o FMI estima uma renda de US$ 14,5 mil no Vietnã e de US$ 15,8 mil no Brasil (1,1 vez mais alta). Ou seja, como o Brasil apresenta uma renda estagnada entre 2013 e 2026, a renda média vietnamita deve ultrapassar a renda média brasileira antes de 2030.

210416a renda per capita a preços constantes do brasil e vietnã

Além de ter um baixo crescimento econômico, o Brasil apresenta péssimos indicadores fiscais, pois o governo gasta muito, gasta mal e está tomando dinheiro emprestado para cobrir as despesas correntes e se endividando para cobrir o enorme déficit nominal. O superávit/déficit primário é o resultado do balanço da arrecadação, menos os gastos do governo, mas sem contabilizar os juros da dívida. Corresponde à geração de caixa do governo. O superávit ajuda a reduzir o endividamento. O déficit nominal acelera o crescimento da dívida pública. O conceito de déficit nominal inclui o déficit/superávit primário mais os gastos com o pagamento de juros. Quanto maior o déficit nominal mais rápido cresce a dívida pública.

O gráfico abaixo mostra os dados das contas públicas brasileiras conforme dados do WEO do FMI de abril de 2021. Entre 2003 e 2013, o Brasil conseguiu gerar superávits primários durante uma década, o que possibilitou crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e uma certa estabilidade macroeconômica. Em 2003, o superávit primário foi de R$ 56 bilhões (3,2% do PIB) e passou para R$ 118 bilhões (3,8% do PIB) em 2008. Na recessão de 2009, o governo promoveu políticas fiscais anticíclicas e o superávit primário caiu para R$ 65 bilhões (1,9% do PIB). O superávit voltou a subir até 2011, com R$ 129 bilhões (2,9% do PIB), mas começou a cair nos anos seguintes até se tornar déficit a partir de 2014.

Enquanto o superávit primário se manteve relativamente alto entre 2003 e 2008, o déficit nominal ficou moderadamente controlado abaixo de R$ 100 bilhões, o que representava menos de 3% do PIB. Mas com a recessão, o déficit nominal ultrapassou R$ 100 bilhões em 2009 e chegou a R$ 159 bilhões (-4,2% do PIB), em 2010. Mas a situação piorou e o déficit nominal chegou a R$ 363 bilhões (-6,5% do PIB) em 2014, a R$ 588 bilhões (-9,8% do PIB) em 2015 e voltando ao patamar de 2014 em 2019. Porém, o que estava ruim piorou muito com a pandemia e o Brasil gerou os maiores déficits da história. O déficit primário foi de R$ 683 bilhões (-9,2% do PIB) e o déficit nominal foi de R$ 996 bilhões (-13,4% do PIB). Desta forma, a economia brasileira caiu 4,1% em 2020 e apresentou os maiores gastos públicos de todos os tempos. Em 2021, a estimativa é de déficits menores, mas significativos de cerca de -4% e -8% do PIB, respectivamente.

210416b superavit e deficit primário no brasil

O Vietnã também apresenta déficits primários e nominais por quase todo o período. Porém, os déficits fiscais do Vietnã são muito menores do que os déficits brasileiros. Por exemplo, em 2020, durante a pandemia o déficit primário do Vietnã foi de cerca de 4% do PIB e o déficit nominal de menos de 6% do PIB. São números bem menores do que os números fiscais do Brasil. Ou seja, mesmo com a covid-19, o Vietnã apresentou crescimento econômico positivo, teve déficits mais amenos, inflação sobre controle e melhores indicadores sociais.

210416c superavit e deficit primário do vietnã

Quando há superávit primário há redução da dívida pública bruta (como % do PIB). No Brasil, houve redução forte da dívida entre 2003 e 2008 e redução moderada até 2013, conforme mostra o gráfico abaixo. Porém, quando o superávit primário se transformou em déficit, elevando o déficit nominal, a dívida pública bruta disparou, chegando a 88% do PIB em 2019 e deu um salto para cerca de 100% do PIB em 2020. Já no Vietnã a dívida pública estava em torno de 25% no início do século, subiu para quase 50% em 2016, mas voltou a cair e ficou pouco acima de 40% do PIB.

210416d dívida pública do brasil e do vietnã

O gráfico abaixo mostra que o Brasil tinha taxas de investimento e poupança mais elevadas do que as do Vietnã na década de 1980, mas o Vietnã elevou suas taxas e chegou a ter investimentos acima de 30% agora no século XXI e, mesmo com uma redução, os investimentos do Vietnã permanecem acima de 25% do PIB e as taxas de poupança pouco abaixo de 30%. Isto explica, por exemplo, maiores taxas de emprego, maior crescimento econômico e da renda e maior competitividade da economia vietnamita. Mesmo sendo, na média, um país mais pobre que o Brasil o Vietnã possui taxas de poupança mais elevadas e pode financiar com capital próprio o seu desenvolvimento.

210416e taxa de investimento e poupança brasil e vietnã

O gráfico abaixo, com dados da Organização Mundial de Comércio (WTO, na sigla em inglês), mostra que o avanço do Vietnã na área de exportação e de competitividade internacional em relação ao Brasil é, indubitavelmente, impressionante, Em 1984, o Brasil exportou US$ 27 bilhões, contra apenas US$ 649 milhões do Vietnã (41,6 vezes mais). Em 2011, quando o Brasil bateu o recorde de exportação de US$ 256 bilhões, o Vietnã exportou US$ 96,9 bilhões (o Brasil exportou 2,6 vezes mais). Mas entre 2016 e 2018 os dois países exportaram, aproximadamente, o mesmo valor. Contudo, em 2019, enquanto as exportações brasileiras caiam, as exportações vietnamitas cresciam e atingiram US$ 262 bilhões. Em 2020, mesmo com todos os problemas gerados pela pandemia da covid-19, as exportações do Vietnã continuaram crescendo e atingiram US$ 280 bilhões, enquanto as exportações do Brasil caíram de US$ 224 bilhões em 2019 para US$ 207 bilhões em 2020.

O fato é que o Brasil, entre 1900 e 1980, crescia muito, enquanto o Vietnã – que estava dominado pela França e em guerra contra o Japão e os Estados Unidos – se mantinha um país pobre e atrasado. Mas os papeis se inverteram nos últimos 30 a 40 anos. O Brasil teve uma década perdida no período 1981-1990, quando o crescimento do PIB ficou abaixo do crescimento da população, apresentou baixo crescimento econômico entre 1991 e 2010 e teve uma nova década perdida na atualidade (2011-2020). Enquanto isto, do outro lado do mundo, o Vietnã manteve um crescimento do PIB acima de 6% ao ano desde meados da década de 1980. Mantida a tendência das últimas décadas a renda per capita do Vietnã será maior do que a renda per capita brasileira no início da década de 2030.

210416f exportações do brasil e do vietnã

O Vietnã tem uma estratégia de desenvolvimento socioeconômico, tem se beneficiado da sua localização no leste asiático – que é a região de maior crescimento do mundo – e tem sabido se manter em equilíbrio com as duas potências mundiais. Em fevereiro de 2019 o país sediou a reunião entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, ocorrida em Hanói. Na guerra comercial entre China e EUA o Vietnã tem sido um vencedor. Em 2020 entrou no grande acordo regional denominado Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês), que será maior que a União Europeia e o Acordo Estados Unidos-México-Canadá. Os membros somam quase um terço da população mundial e 29% do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta. Em relação à pandemia, o Vietnã com 100 milhões de habitantes tem coeficiente de mortalidade de 0,5 óbito por milhão de habitantes, enquanto o Brasil tem coeficiente de 1.620 óbitos por milhão. O Vietnã tem seguido o rumo da vitória na luta contra o subdesenvolvimento e o isolamento político.

Já o Brasil está com uma economia estagnada e possui uma renda per capita menor do que a de 2010 e só deve recuperar o mesmo nível do pico pré-recessão em 2026. Para fechar o Balanço de Pagamentos e cobrir os rombos na conta transações correntes o país precisa vender seu patrimônio para firmas estrangeiras e se endividar em dólares, processo que é insustentável no longo prazo. O Brasil vive uma grande crise fiscal, possui baixos níveis de investimento e tem mais de 30 milhões de pessoas desempregadas ou subutilizadas. O déficit em transação corrente do Brasil mostra que o país tem uma economia submergente, pouco competitiva, que perde espaço no cenário global e que terá grandes dificuldades para resolver seus problemas sociais e ambientais.

Os anos de 2021 e 2022 não prometem muita coisa positiva e o Brasil vai passar pelos 200 anos da Independência em uma situação dramática, marcado pelo começo de uma terceira década perdida. Há 80 anos, em 1941, o escritor austríaco Stefan Zweig publicou o livro “Brasil, País do Futuro”. O que se percebe hoje em dia é que o futuro está cada vez mais distante do Brasil e mais perto do Vietnã.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Diário da Covid-19: As lições do Vietnã na vitória contra o coronavírus, #Colabora, 06/05/2020
https://projetocolabora.com.br/ods3/as-licoes-do-vietna-na-vitoria-contra-o-coronavirus/

ALVES, JED. Vietnã: o vencedor do duelo comercial entre EUA e China, Ecodebate, 14/08/2019
https://www.ecodebate.com.br/2019/08/14/vietna-o-vencedor-do-duelo-comercial-entre-eua-e-china-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. Diário da Covid-19: O Vietnã vence a guerra contra o coronavírus, # Colabora, 06/05/2020
https://projetocolabora.com.br/ods3/as-licoes-do-vietna-na-vitoria-contra-o-coronavirus/

ALVES, JED. Bônus demográfico no Brasil: do nascimento tardio à morte precoce pela Covid-19, R. bras. Est. Pop., v.37, 1-18, e0120, 2020
https://www.scielo.br/pdf/rbepop/v37/0102-3098-rbepop-37-e0120.pdf

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/04/2021

 

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