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‘Querida Amazônia’, Francisco se manifesta, por Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla

 

Querida Amazônia

 

[EcoDebate] Passou-se pouco tempo da esperada publicação do Papa Francisco sobre o Sínodo da Amazônia, ocorrido entre os dias 06 a 27 de outubro de 2019.

O texto de Querida Amazônia, que, antes de qualquer coisa, é preciso enquadrá-la no tempo e espaço deste Papa que ainda não foi e não está sendo compreendido devidamente, talvez nem os seus colaboradores mais próximos ao que tudo indica assimilaram suas ideias que estão a anos luz de distância do tempo presente.

Ler “Querida Amazônia” requer também um retorno a outro documento impactante de Francisco que se chama “Laudato Si, sobre o cuidado da casa comum”, encíclica essa publicada em 2015 e que tem até agora tido uma repercussão imensa, tamanha é a sua densidade e profundidade; um documento que ainda levará algum tempo para o mundo todo assimilar, pois ali está contida uma proposta de grande alcance.

O Papa Francisco foi o escolhido para estar à frente dum mundo marcado pela mais “alta modernidade”, um sinal de contradição, um ponto de inflexão, alguém fora da curva, aquele que pensa o que mais ninguém pensa, aquele que age totalmente às avessas do que o mundo prega, aquele que diz o que ninguém ousaria dizer aos diferentes sistemas, ele é alguém conectado com o seu tempo e o seu presente, nem antes nem depois; é o agora que marca Francisco. Latino-americano, hoje com oitenta e quatro anos, Francisco queira-se ou não, é uma referência para o continente americano e o mundo, desde o início de seu pontificado ele vem falando e escrevendo das tempestades que podem estar a caminho num mundo que se privou da consciência sobre si mesmo e do outro; o passado negro da sua nação e de outras mais como ele conheceu tão bem, não pode voltar jamais.

“Querida Amazônia”, desde o dia 12 de fevereiro último vem causando um alvoroço salutar nos mais variados ambientes a que ela foi dirigida, afinal a Amazônia engloba nove países, uma extensão imensa de terras, florestas, águas, povos, crenças, modos de vidas peculiares, espécies animais e vegetais que ainda não se sabe ao certo quantas são; uma riqueza única, uma das regiões vitais do Planeta.

Este escrito bem poderia também ser chamado “Querida África”, “Querida Austrália” ou ainda “Querida Ásia”, nada impede que ele seja lido olhando-se para outros continentes, basta um mínimo de criatividade da nossa parte, pois o que se dá no território amazônico ocorre em outras partes; também digno de nota e pouco se falou até agora é a presença do brasileiro Euclides da Cunha e seu memorável “Os Sertões”, no parágrafo 43; livro que a grande maioria ainda não descobriu.

Outra característica de Francisco que salta aos olhos nessa sua nova proposta é que ele se insere na linha dos grandes utopistas, quais sejam: Ernst Bloch e seu Princípio Esperança; Tomasso Campanella e sua Cidade do Sol; Thomas Morus e sua Utopia, Santo Agostinho e a sua De Civitate Dei, embora eles não sejam citados nem de longe. Todos esses autores quando lidos à luz da eternidade, sabiam que seus propósitos não seriam aceitos num piscar de olhos, pois são maneiras distintas, audaciosas de ver, daquelas que seus contemporâneos tinham em mente, mas não retrocederam, sabiam como Francisco também sabe que toda homogeneização forçada acaba sendo destrutiva e causa no interior da natureza inúmeros desequilíbrios; a globalização financeira que se instaurou é assim disruptiva, em palavras mais brandas, ela interrompe o curso normal das coisas e do tempo.

Os seres e toda a natureza humana que estão presentes num dos cômodos da Casa Comum chamada Amazônia, ambos são vistos na sua integralidade por Francisco, não são merecedores de reformas parciais ou até mesmo vazias, do lado de cá do mundo dito “mais civilizado”, há sempre aquela obsessão em querer levar uma mensagem aos “menos favorecidos”, de que o desenvolvimento técnico e econômico deles é fundamental para se inserirem no mundo “evoluído”. As identidades ali forjadas ao longo dos séculos são assim massacradas naquilo que lhes é mais caro, daí os conflitos que se tem dado nessa região tão merecedora da nossa admiração e respeito, encontrar uma resposta adequada para todos os atores envolvidos requer muito diálogo, é muito salutar que haja uma indignação por aquilo que lá e em outras regiões vem ocorrendo; sem isso todos os sonhos morrem.

Bioeticamente, o novo pronunciamento do Papa Francisco sobre a defesa de todas as formas de vida vem chacoalhar todas as estruturas, sejam as da Amazônia, sejam as dos cristãos acomodados em seus berços esplêndidos, muito atarefados sem nada fazer ou aquelas situadas em Roma que sempre em seus achismos tendem a olhar com desconfiança para tudo e todos que não estejam afinados com a sua “doutrina”.

Francisco, admite nas entrelinhas que todos esperavam muito mais dele nesse documento, porém ele não é mágico, nesse processo de longa duração todos precisam de todos, a solução não vem de uma cabeça apenas; mais integração humana, mais cuidado com a Terra, uma revisão completa dos hábitos atuais da humanidade, uma nova educação para uma sociedade que tem uma baixa estima pelo cuidado, enfim cada um é convidado a sua maneira dar uma contribuição para melhorar este mundo; as ideias não escritas de Francisco deixam muitas pistas para enfrentar as crises da racionalidade que se instaurou.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR, advogado; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 12/03/2020

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