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Artigo

Portadores do Vírus HIV não são simplesmente ‘despesas’, mas sim cidadãos com direitos, artigo de Alessandra Diehl

 

Fita Vermelha - HIV
Imagem: Universidade Federal de São João del-Rei

 

[EcoDebate] Os primeiros casos da AIDS surgiram no Brasil em 1980. Personalidades como Betinho e Cazuza perderam a vida para o HIV e comoveram nossa nação. De lá para cá, felizmente muita coisa mudou no tocante ao tratamento e prevenção dessa infecção. Em 1995, surgiu o “coquetel”, que reunia os primeiros medicamentos para tratar a doença no Brasil.

Os remédios, além de aumentar a expectativa de vida da população infectada, melhoram a qualidade de vida e reduziram os efeitos colaterais da doença. O coquetel, aliás, foi considerado e é, até hoje, um sopro de esperança para pacientes que antes pareciam estar condenados à morte. O Brasil foi pioneiro na quebra das patentes destes medicamentos e progressivamente o país vem sendo reconhecido internacionalmente pelos esforços bem-sucedidos e vanguardistas na prevenção, controle e promoção de saúde HIV/AIDS.

Nas Conferências Internacionais de AIDS, o plano brasileiro de combate à doença é destaque justamente por conta do grande número de pessoas que tomam a medicação, que é fornecida gratuitamente pelo SUS. O uso dos remédios faz parte de uma estratégia conhecida como Tratamento Anti Retroviral (TARV).

Essa política de tratamento, inclusive, foi validada em pesquisa, publicada pela revista “Science” em 2011, e foi considerada a grande descoberta científica daquele ano. Segundo o estudo, pacientes com HIV adequadamente tratados, ou seja, com o vírus não detectável no sangue, transmitem 96% menos que os não tratados.

As pessoas soropositivas já melhoraram muito a sua qualidade de vida no Brasil graças justamente à administração correta do coquetel e de outras diversas intervenções dirigidas a este tema. No entanto, elas convivem ainda com o preconceito, que é mais uma barreira que precisa ser vencida para melhorar o aspecto psicológico dos pacientes portadores do vírus.

Atrelar o conceito de que portadores do vírus HIV são “despesas para toda a sociedade” é reproduzir um discurso muito arriscado de promoção de ódio, ira e preconceito. Pessoas portadoras do vírus HIV não são simplesmente “despesas”, mas sim pessoas portadoras de direitos como qualquer outra morbidade como câncer, diabetes, hipertensão, as quais merecem o melhor e o mais adequado tratamento possível ao alcance de TODOS.

Segundo informações da Agência Brasil, mantida pelo Governo Federal, oito de cada dez soropositivos têm dificuldade em revelar que vivem com o vírus que pode causar a aids. Isso porque, essa enfermidade pode ser transmitida por sexo não seguro (sem preservativo) e essa é a principal razão que alimenta o estigma em torno da Aids.

Não podemos esquecer que o vírus pode ser transmitido ainda por transfusão de sangue contaminado, uso de seringa por mais de uma pessoa, instrumentos cortantes não esterilizados ou da mãe infectada para seu filho durante a gravidez, no parto ou na amamentação. Nem todas as infecções podem ser associadas a comportamento sexual de risco.

O programa das Nações Unidas (UNAIDS) aponta que 64,1% das pessoas que têm HIV/AIDS sofreram alguma forma de discriminação. Além disso, 46,3% dos entrevistados ouviram comentários negativos no ambiente social e 41% foram recriminados pela própria família. Um quarto das pessoas sofreu assédio verbal, quase 20% perderam emprego ou fonte de renda, 17% foram excluídos de atividades sociais por serem soropositivos e 6% relataram ter sido agredido.

Esses dados nos mostram que o preconceito é uma realidade na vida das pessoas com Aids. Um estudo recente realizado em Montes Claros, em Minas Gerais, e conduzido pelo professor Antônio Carlos Ferreira, do Departamento de Saúde Mental e Saúde Coletiva da Unimontes, revela alta prevalência de depressão entre soropositivos naquele município. Realizado com 226 pacientes adultos e escolhidos aleatoriamente, o estudo apontou que 90% dos participantes da pesquisa iniciaram tratamento antirretroviral em 2013 e 2014.

Entre o grupo, 43,7% dos pacientes apresentavam sintomas de depressão. O transtorno não ocorre apenas porque essas pessoas sofrem sintomas físicos derivados da doença. A depressão se agrava nesse público em razão de fatores como desemprego e baixa renda, que interferem diretamente na qualidade de vida dos soropositivos. Entre os portadores do HIV entrevistados, 56,3% vivem com renda inferior ao salário mínimo.

Acredito que o desemprego seja um dos fatores de vulnerabilidade que perpetuam situações de pobreza, falta de inclusão social e dificuldade de acesso aos tratamentos adequados. Todos esses problemas, somados, não permitem que essas pessoas vivam com dignidade e acabam por aumentar ainda mais a discriminação contra os doentes. Ainda há grande desinformação em relação à transmissão do vírus e muitas pessoas têm medo de serem infectadas em razão da convivência com os portadores de HIV. Diminuir o preconceito significa estender a mão para essa população, para que ela encontre condições de inclusão com contínua garantia de direitos e de uma vida melhor.

 

Por Alessandra Diehl, psiquiatra e especialista em sexualidade

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 04/03/2020

[cite]

 

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