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Cadeia da carne bovina recebeu mais de 123 bilhões de reais de dinheiro público e gera forte impacto ambiental

 

pecuária na Amazônia

Cadeia da carne bovina recebeu mais de 123 bilhões de reais de dinheiro público e gera forte impacto ambiental

Estudo do Escolhas mostra que, com média anual, 12,3 bi, o valor representa 79% da arrecadação de impostos na cadeia, resultado que aponta a necessidade de discutir a sustentabilidade econômica dos aportes dos Governos Estaduais e Federal

Por Salete Cangussu

A presença dos subsídios no quilo de carne bovina que chegou à mesa do consumidor brasileiro, entre os anos de 2008 e 2017, totalizou a cifra de R$ 123 bilhões de reais nestes dez anos.

O percentual dos subsídios por ano, R$ 12,3 bilhões, corresponde a 79% do que foi arrecadado em impostos na cadeia da carne bovina nesse período, R$ 15,1 bilhões. A cadeia produtiva também deixa marcas ambientais: a pegada de carbono é 143 kgCO2e na Amazônia Legal e de 183 kgCO2e nos estados de Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia, nos quais está a região do Matopiba, o que demonstra o impacto do desmatamento, enquanto a média nacional é de 78 quilos de CO2e. A pegada hídrica é de 64 litros de água em cada quilo de carne bovina.

Estes são os principais resultados do estudo “Do pasto ao prato: subsídios e pegada ambiental da carne bovina”, idealizado pelo Instituto Escolhas, que traz à tona o montante de subsídios concedidos para a carne bovina pelos Governos Estaduais e Federal. Para conhecer a pegada ambiental da carne bovina foram analisadas as emissões de gases de efeito estufa, de acordo com a região, o tipo de pastagem e o sistema de manejo, e avaliado o consumo de recursos hídricos em todo país e por tipo de manejo. O trabalho foi lançado nesta quinta (30/01), no seminário de mesmo nome, realizado em parceria com o jornal Folha de S.Paulo.

Ao apresentar, de forma inédita, os impactos econômicos e ambientais na trajetória do produto em todo o Brasil, do nascimento do bezerro até a mesa do consumidor, o estudo permite uma leitura conjunta dos resultados, que provoca algumas reflexões. Como, por exemplo, se o montante de dinheiro público destinado ao setor é aplicado de forma eficiente, se estimula o aumento da produtividade do setor e se os subsídios concedidos influenciam no aumento dos impactos ambientais, como o desmatamento, ou de que forma podem auxiliar na mitigação desses impactos.

O diretor executivo do Instituto Escolhas*, Sergio Leitão, destaca a necessidade de discutir a sustentabilidade do setor. “Os resultados do estudo mostram que o país tem que discutir seriamente a viabilidade de continuar mantendo uma parcela dos produtores brasileiros, que possivelmente se mantem ativos por serem subsidiados pelos governos estaduais e Federal e que não teriam condições de competir em condições normais de mercado em razão da sua ineficiência”.

Com a análise conjunta dos impactos econômicos e ambientais, é necessário avaliar o apoio e aportes dos recursos de forma irrestrita, informa o diretor do Escolhas. Ele ressalta que “diante de tantos recursos para a pecuária, o Governo deveria estabelecer condicionantes ao acesso aos recursos públicos que passem por boas práticas e compromissos para uma produção mais sustentável, que pode levar ao fim do desmatamento no Brasil”

O debate realizado durante o lançamento do estudo na sede do Jornal Folha de S.Paulo contou com a participação do economista Bernard Appy e da senadora Kátia Abreu. Ambos, sob a mediação de Sergio Leitão, analisaram em profundidade os números apresentados pelo trabalho.

Sobre a questão dos subsídios, a senadora do Tocantins lembrou que se trata de uma questão de política pública burilada desde os anos 1970. “As desonerações do setor agropecuário foi uma decisão política lá atrás. Todos os países fazem isso. No caso do Brasil, como mostrou o estudo, estamos até aquém daquilo que a OMC determina. Será que todos os outros países, que subsidiam o setor até mais que o Brasil, estão todos errados?”

Para Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, a contribuição do estudo em relação aos cálculos da pegada de carbono do setor da carne é bastante significativa. “Os dados da parte ambiental são muito úteis para o balizamento de futuras políticas públicas. Eles mostram que aumentar a produtividade do setor, por meio do chamado pasto bem manejado, por exemplo, é muito importante”.

Impactos econômicos – Percentual de subsídios ultrapassou os 100% da arrecadação em dois anos

O percentual de subsídios por ano ultrapassou os 100% da arrecadação nos anos de 2015 e 2016, ou seja, no total foram concedidos mais subsídios do que impostos arrecadados na cadeia da carne bovina que somam R$ 15,1 bilhões, média anual na década analisada. As renúncias fiscais dos governos estaduais e Federal totalizam R$ 7,9 bilhões anuais no período de 2008 a 2017 e o aporte do Governo Federal, em forma de subsídios creditícios, subsídios de preços, e anistias concedidos à cadeia no período mencionado, totalizaram anualmente o valor médio de R$ 4,4 bilhões.

Impactos ambientais – Pegada ambiental na Amazônia e Matopiba com números altos mostram impacto do desmatamento

Os resultados da pegada de carbono na Amazônia Legal, de 145 kg C02e refletem o impacto da derrubada de florestas e incorpora as emissões do rebanho e as emissões das áreas desmatadas convertida em pastos nestas regiões no período de 2008 a 2017. Nos estados do Matopiba, a pegada de 183 kg C02e revela o impacto das emissões com a ocupação de áreas do bioma Cerrado, com transformação da vegetação nativa em áreas de pasto. A pegada no restante do país, nas quais não ocorre taxas de desmatamento em grandes proporções, a pegada é de 23 kg C02e. No Brasil, a pegada de carbono média de 78 quilos de CO2e em cada quilo de carne bovina abrange todas as regiões do país. Os números representam as emissões e as remoções em pastos, além de estimadas as emissões ao longo da cadeia logística até o consumidor, as emissões do processamento da carne, os diferentes tipos de pastos e manejos: pastagem extensiva (degradada, estável e bem manejada); sistemas integrados (integração lavoura-pecuária e integração lavoura-pecuária-floresta); e confinamento.

Cada quilo de carne bovina ainda contém 64 litros de água, que representam a pegada hídrica, definida como a quantidade de água doce utilizada de forma direta e indireta por um consumidor ou produto. No cálculo, foram considerados os sistemas produtivos mais representativos associando com dados sobre capacidade e disponibilidade hídricas nas diferentes regiões produtoras.

* O Instituto Escolhas é uma associação civil sem fins econômicos, fundada em agosto de 2015, para qualificar o debate sobre sustentabilidade por meio da tradução numérica dos impactos econômicos, sociais e ambientais das decisões públicas e privadas.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/01/2020

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