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A transição da fecundidade no Brasil e no mundo segundo as novas projeções da ONU, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

A transição da fecundidade no Brasil e no mundo

[EcoDebate] A história da humanidade é a história da luta pela sobrevivência. Desde o surgimento do Homo Sapiens até o século XIX as taxas de mortalidade sempre foram altas, forçando as famílias a terem também altas taxas de fecundidade para garantir a sobrevivência da espécie.

Contudo, as taxas de mortalidade começaram a cair com o avanço da produção de bens e serviços, a melhoria do padrão de vida, os avanços na medicina e a ampliação da infraestrutura de saneamento básico. A redução da mortalidade infantil aumento o número de filhos sobreviventes e as famílias passaram a atingir o número ideal de filhos mais cedo. Paralelamente, o processo de urbanização e industrialização possibilitou um avanço da educação, da renda e da maior autonomia feminina. Diversas transformações socioeconômicas contribuíram para a reversão do fluxo intergeracional de riqueza, fazendo com que o fluxo que ia dos filhos para os pais se invertesse para ir dos pais para os filhos, como mostrou Caldwell (1982).

A queda das taxas de mortalidade infantil e a mudança na relação custo/benefício dos filhos (provocada pela reversão do fluxo intergeracional de riqueza) são os principais impulsionadores da transição da fecundidade. A redução do número médio de filhos nas famílias já vinha acontecendo nos países europeus, na América do Norte e na Austrália e Nova Zelândia desde o início do século XX. Mas, na média mundial, a Taxa de Fecundidade Total (TFT) era alta e estava em torno de 5 filhos por mulher na década de 1950. No caso brasileiro, a TFT estava acima de 6 filhos por mulher na década de 1950, conforme mostra o gráfico abaixo, que apresenta os dados das novas projeções da Divisão de População da ONU (Revisão 2019).

Taxa de Fecundidade Total (TFT) para o Brasil e o mundo: 1950-2100

Taxa de Fecundidade Total (TFT) para o Brasil e o mundo: 1950-2100

UN/Pop Division: World Population Prospects 2019 https://population.un.org/wpp2019/

A transição da fecundidade (passagem de altas para baixas taxas de fecundidade) teve início na segunda metade da década de 1960, tanto no Brasil como na média mundial. Até o quinquênio 1980-85, o Brasil com TFT de 3,8 filhos por mulher tinha uma fecundidade mais alta do que a média mundial com 3,6 filhos por mulher. A partir do quinquênio 1985-90, o Brasil (com TFT de 3,1 filhos) passou a ter taxas de fecundidade abaixo da média mundial (TFT de 3,4 filhos). O Brasil passou a ter uma TFT abaixo da taxa de reposição (2,1 filhos por mulher é o número que permitir estabilizar a população no longo prazo) no quinquênio 2005-10, com uma taxa de 1,9 filhos por mulher. Na projeção média da ONU, a taxa de fecundidade brasileira deve cair até o mínimo de 1,6 filho por mulher na década de 2040 e depois subir ligeiramente para 1,7 filho por mulher no final do século. Por conta das baixas taxas de fecundidade a população brasileira vai alcançar 229 milhões de habitantes em 2045 e depois deve cair para 181 milhões de habitantes em 2100.

Já a TFT mundial, que está em 2,47 filhos por mulher no quinquênio 2015-20, deve continuar caindo lentamente e só deve alcançar o nível de reposição no final do atual século. Em consequência a população mundial que está em 7,7 bilhões de habitantes em 2019 vai continuar crescendo e deve alcançar a cifra de 10,9 bilhões de habitantes em 2100.

O gráfico abaixo mostra as taxas específicas (por idade) da fecundidade mundial. Nota-se que a fecundidade cai em todos os grupos etários, mas entre 1950 e 2020 as quedas são maiores nos grupos etários acima de 30 anos. Contudo, no restante do século, as taxas vão cair mais nas idades mais jovens e vai haver um processo de “envelhecimento” da estrutura das taxas de fecundidade específica. Para o quinquênio 2095-00 estima-se que a cúspide da distribuição será no grupo 30-34 anos.

Taxa de fecundidade específica para o mundo: quinquênios selecionados 1950-2100

Taxa de fecundidade específica para o mundo: quinquênios selecionados 1950-2100

UN/Pop Division: World Population Prospects 2019 https://population.un.org/wpp2019/

No caso Brasileiro a queda foi maior do que na média mundial e inicialmente a fecundidade também caiu nos grupos etários superiores. Mesmo com uma queda mais rápida da TFT brasileira, a taxa de fecundidade entre as adolescentes (15-19 anos) no Brasil é mais alta do que na média mundial. Isto quer dizer que o Brasil tem uma estrutura das taxas específicas de fecundidade mais rejuvenescida. Para o quinquênio 2015-20 as taxas específicas de fecundidade são muito próximas para os quatro grupos etários. Para o restante do século, a Divisão de População da ONU estima que haverá uma queda expressiva da gravidez na adolescências e um aumento do grupo 30-34 anos. Isto quer dizer que o Brasil terá uma estrutura de fecundidade mais envelhecida.

Taxa de fecundidade específica para o Brasil: quinquênios selecionados 1950-2100

Taxa de fecundidade específica para o Brasil: quinquênios selecionados 1950-2100

UN/Pop Division: World Population Prospects 2019 https://population.un.org/wpp2019/

A estrutura diferenciada das taxas específicas de fecundidade se reflete no número de nascimentos anuais. A tabela abaixo mostra o número de nascimentos anuais no Brasil em dois quinquênios selecionados. Nota-se que os números totais de nascimentos são próximos, com 2,9 milhões de nascimentos tanto em 1955-60, quanto em 2015-20. Nos grupos etários entre 20 e 39 anos, os números anuais de nascimentos também são próximos. O que difere bastante é o número de nascimentos entre as adolescentes de 15-19 anos, que no quinquênio 1955-60 era de 299 mil e passou para 486 mil em 2015-20. Nos dois últimos grupos etários a diferença se inverte, pois nasciam muito mais crianças entre as mulheres acima de 40 anos no quinquênio 1955-60 do que no quinquênio 2015-20. Porém, no próximos anos o grupo etário 30-34 anos apresentará o maior número de nascimentos no quinquênio 2030-35. Ou seja, houve um processo de rejuvenescimento da fecundidade no Brasil, mas nos próximos anos deverá ocorrer o contrário, ou seja, um envelhecimento da estrutura da fecundidade e uma tendência de adiamento dos filhos por parte das mulheres.

Número de nascimentos anuais no Brasil (em mil), dois quinquênios selecionados

Quinquênios

Total

15-19

20-24

25-29

30-34

35-39

40-44

45-49

1955-1960

2.878

299

741

749

547

335

153

54

2015-2020

2.934

486

740

707

595

323

78

6

UN/Pop Division: World Population Prospects 2019 https://population.un.org/wpp2019/

O número de nascimentos anuais no mundo que estava em torno de 100 milhões na década de 1950, subiu para 140 milhões no quinquênio 1985-90, caiu ligeiramente em seguida e voltou para a casa dos 140 milhões no quinquênio 2010-15. Este número vai ficar mais ou menos constante até a década de 2050 e deve chegar a 126 milhões no final do século.

Número anual de nascimentos no mundo (em milhões): 1950-2100

Número anual de nascimentos no mundo (em milhões): 1950-2100

UN/Pop Division: World Population Prospects 2019 https://population.un.org/wpp2019/

O número de nascimentos anuais no Brasil era de 2,5 milhões em 1950 e subiu até o pico de 4 milhões no quinquênio 1980-85. A partir daí o número de nascimento no Brasil apresenta uma queda acentuada. A partir do quinquênio 2010-15, o número de nascimentos ficou abaixo de 3 milhões, deve chegar a 2,5 milhões em 2025-30 (o mesmo nível de meados do século passado). A partir de 2055-60 o número de nascimentos anuais no Brasil deve ficar abaixo de 2 milhões e ficar em 1,5 milhão no final do século.

Número anual de nascimentos no Brasil (em milhões): 1950-2100

Número anual de nascimentos no Brasil (em milhões): 1950-2100

UN/Pop Division: World Population Prospects 2019 https://population.un.org/wpp2019/

Nota-se que a transição da fecundidade no Brasil ocorre de maneira muito mais rápida do que a média mundial. Entre os fatores que explicam esta rápida queda da fecundidade estão a urbanização, os avanços na educação, o aumento da renda e do padrão de consumo no longo prazo, a entrada da mulher no mercado de trabalho e a reversão do fluxo intergeracional de riqueza nas famílias.

O fato é que o Brasil já tem uma dinâmica demográfica mais próxima dos países desenvolvidos do que dos países de renda média e baixa. Como o país está avançado na transição demográfica, vai passar também por uma transição na estrutura etária e terá um processo acelerado de envelhecimento populacional. O Brasil do século XXI será totalmente diferente, em termos demográficos, do que nos 500 anos anteriores.

José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/06/2019

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