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Perda de biodiversidade e funcionalidades dos ecossistemas, Parte 2/3, artigo de Roberto Naime

 

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Perda de biodiversidade e funcionalidades dos ecossistemas, Parte 2/3, artigo de Roberto Naime

[EcoDebate] Micael Jonsson, do Department of Ecology and Environmental Science, da Umea University, da Suécia, prossegue sua pertinente reflexão sobre as funcionalidades ecossistêmicas e que aqui se apresenta e se comenta.

As primeiras contribuições empíricas no campo das funcionalidades foram publicadas em meados dos anos 90 (TILMAN e DOWNING, 1994, NAEEM et al., 1994, 1995).

Esses estudos concluíram que a biodiversidade era importante para o funcionamento do ecossistema. O estudo de NAEEM et al. (1994, 1995) foi realizado no Ecotron, na Inglaterra, em ecossistemas artificiais constituídos de vários níveis tróficos (produtores primários, consumidores e predadores) contendo biodiversidade baixa, média ou alta.

Descobriu-se que a biodiversidade afeta substancialmente diversos processos diferentes do ecossistema e que alguns processos aumentaram com a biodiversidade, enquanto outros diminuíram.

TILMAN e DOWNING (1994) realizaram seus estudos nos ecossistemas de pastagens em Cedar Creek, estado de Minnesota, Estados Unidos. Utilizaram tratamentos experimentais contendo de uma a 24 espécies, e verificaram que a produtividade e a retenção dos nutrientes do solo aumentaram com a diversidade vegetal.

Esses estudos receberam muita atenção quando publicados; portanto, tiveram grande importância no impulso da pesquisa em funcionalidades das espécies nos ecossistemas. Aumentando a compreensão e conscientização das conseqüências da perda de biodiversidade, tanto na comunidade científica como entre os tomadores de decisão. Propiciaram também um bom alicerce para futuras pesquisas.

Após esses primeiros estudos empíricos sobre os efeitos da perda de espécies, houve alguma polêmica sobre a causa desses resultados (AARSEN, 1997 e HUSTON, 1997). Uma das sugestões era que, em vez da biodiversidade propriamente dita, algumas poucas espécies com forte impacto nos processos do ecossistema e a crescente probabilidade de essas espécies terem sido incluídas nos agrupamentos de alta diversidade poderiam ser responsáveis pelas correlações entre a biodiversidade e o funcionamento do ecossistema.

Em outras palavras, os resultados poderiam ser fabricados pelo projeto experimental por “efeito de amostragem”. Contudo, outros ecologistas argumentaram que a importância de determinadas espécies e sua maior taxa de ocorrência em agrupamentos com maior número de espécies poderiam ser também uma característica importante dos sistemas naturais (TILMAN et al., 1997).

Mas está claro que aumento ou perda de espécies altera profundamente estados de homeostase alcançados por ecossistemas. E influencia profundamente nos serviços ecossistêmicos.

Logo, um mosquito a mais ou um sapinho a menos fazem muita diferença. Isto mostra o nível de desconhecimento da concepção de biodiversidade.

Não é apenas os genes da espécie que podem trazer benefícios futuros para a civilização humana. Mas as funcionalidades desempenhadas pela espécie nas operações ecossistêmicas, que integra.

Essa questão foi solucionada de certa forma quando foram apresentadas técnicas estatísticas para separar os efeitos da biodiversidade e determinadas espécies (JONSSON e MALMQVIST, 2000 ou LOREAU e HECTOR, 2001).

Além disso, a importância de determinadas espécies e determinadas composições de espécies deveria também ser objeto de interesse em estudos sobre fatores que afetam o funcionamento do ecossistema. De qualquer modo, esse debate foi importante pois conduziu a projetos experimentais mais sólidos sobre os efeitos da biodiversidade.

Alguns estudiosos argumentaram que não é a biodiversidade por si, mas sim a diversidade funcional do grupo, que é importante para o funcionamento do ecossistema.

Esse argumento se fundamenta na crença de que as espécies pertencentes ao mesmo grupo funcional são redundantes. De acordo com essa linha de raciocínio, as espécies podem se extinguir sem causar nenhum efeito no funcionamento do ecossistema, contanto que cada grupo funcional seja representado por pelo menos uma espécie.

Mas embora respeitável, este argumento prescinde das compreensões de todas as relações implícitas ou explícitas, e não lineares ou cartesianas da homeostase dos ecossistemas.

No entanto, embora as espécies possam parecer redundantes quanto à função que desempenham, elas podem se distinguir de inúmeras outras maneiras como atividade no tempo e no espaço, preferências ambientais (climáticas), escolha específica da presa, vulnerabilidade a predadores, e assim por diante.

Sustentando a noção de que espécies aparentemente redundantes diferem o suficiente para que cada uma seja importante no funcionamento dos ecossistemas, existem estudos que investigaram os efeitos da perda de biodiversidade dentro de grupos funcionais (JONSSON e MALMQVIST, 2000, JONSSON et al., 2001, CARDINALE et al., 2002, DANGLES et al., 2002, HURYN et al., 2002 JONSSON et al., 2002 e JONSSON e MALMQVIST, 2003a, b).

Estes estudos constataram fortes efeitos de mudança na biodiversidade, embora as espécies utilizadas desempenhassem funções idênticas. Conseqüentemente, além dos efeitos definidos no funcionamento do ecossistema quando as últimas espécies de um grupo funcional desaparecem, a perda de espécies dentro de grupos funcionais também tem grande importância.

Embora alguns desses estudos tenham comprovado o aumento do funcionamento do ecossistema com declínio da biodiversidade, eles ainda demonstram que a redundância de espécies, nesse sentido, é um conceito disfuncional.

Além do mais, as espécies redundantes podem, até certo ponto, atuar como um seguro biológico, minimizando o efeito das mudanças no funcionamento do ecossistema quando as condições ambientais mudam .

Por exemplo, imaginemos que duas espécies aparentemente redundantes (A e B) desempenhem uma mesma função e que a espécie A predomine sobre a espécie B em abundância, já que as condições ambientais existentes favorecem a espécie A.

Então, quando o ambiente se altera de modo que as novas condições passam a favorecer a espécie B, causando declínio do desempenho da espécie A, a espécie B aumenta em abundância e desempenho de modo que o funcionamento do sistema permanece inalterado.

Se a espécie A fosse a única espécie do sistema no momento da mudança ambiental, ocorreria uma perda no funcionamento do ecossistema. Portanto, nesse sentido, a redundância das espécies é um traço importante dos sistemas naturais.

Pode parecer muito técnica e objetiva a abordagem. Mas demonstra que as ações impactantes nos ecossistemas locais podem ser muito relevantes e irreversíveis.

Se tenta não sofrer desqualificação por ausência de técnica, pois se usa tecnologicismo como apanágio de bandalheira, infelizmente está é a atual autopoiese de equilíbrio sistêmico da sociedade criada pela civilização humana.

Numa interpretação em acepção livre da semântica empregada por Niklas Luhmann e os sistemistas.

Referências:

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http://www.ecologia.info/biodiversidade.htm

 

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

 

* Nota da redação: Leia, também, a parte anterior desta série de artigos:

Perda de biodiversidade e funcionalidades dos ecossistemas, Parte 1/3

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/01/2018

 

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