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Parque do Cocó: Abraço simbólico alerta para ameaça a área de proteção ambiental em Fortaleza

 

ABr

Rio Cocó, em Fortaleza
Vista do Parque Estadual do Cocó, em Fortaleza. Foto: Divulgação/Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Ceará
 

Um grupo de pessoas se reuniu na manhã deste domingo (17) para dar um abraço simbólico no local onde antes havia a Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) das Dunas do Cocó, em Fortaleza. A unidade de conservação foi extinta a partir de uma emenda inserida na revisão da Lei de Usos e Ocupações do Solo (Luos), aprovada pelos vereadores e sancionada em agosto.

O local reúne características fundamentais para o meio ambiente urbano. Em 15 hectares (ha) é possível encontrar uma diversidade de aves, répteis e mamíferos, mais de 170 espécies vegetais, além de cobertura vegetal de Mata Atlântica, com restingas e manguezais.

As dunas do Cocó são formações milenares que contam a história do surgimento da planície costeira do Ceará, das flutuações do nível do mar e das mudanças ocorridas no clima da região nos últimos 10 mil anos.

Doutor em geografia e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Jeovah Meireles explica que as dunas fixas funcionam como uma espécie de esponja ao absorver água para alimentar o lençol freático, gerando aquíferos e olhos d’água e vertendo o recurso para a bacia hidrográfica do Rio Cocó, que abrange cerca de dois terços de Fortaleza.

Essa função impacta diretamente na segurança hídrica, considerando que o Ceará enfrenta seis anos seguidos de seca. “Essas são preciosidades que resistiram à especulação imobiliária, porque a maior parte dos campos de dunas fixas de Fortaleza foi degradada”, explica o professor, que participou da elaboração do plano de manejo da unidade de conservação.

Laudo apresentado na última quarta-feira (13) por técnicos da Superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Ceará estima que a capital perdeu mais de 80% de seu campo dunar em 50 anos, passando de quase 9 quilômetros quadrados (km²) em 1958 para pouco mais de 1 km² em 2008.

Área de proteção

De sua criação, com a Lei 9.502 de 2009, até sua extinção, ocorrida a partir da sanção da  Lei de Usos e Ocupações do Solo (Luos) pelo prefeito Roberto Cláudio (PDT), a área de interesse ecológico das Dunas do Cocó nunca deixou de ser alvo de disputas e de especulação imobiliária.

A região do Cocó, onde fica o recém-criado Parque Estadual do Cocó, é umas das mais valorizadas de Fortaleza. O mercado imobiliário local calcula em R$ 6.194 o preço do metro quadrado na região. Um apartamento de 165 metros quadrados, por exemplo, com três suítes e três vagas de garagem custa hoje quase R$ 1,4 milhão.

No local onde ficava a Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) das Dunas do Cocó, havia o projeto de um loteamento chamado Jardim Fortaleza. As empresas envolvidas no empreendimento recorreram à Justiça de forma exaustiva, inclusive questionando a constitucionalidade da Lei 9.502/09, mas não tiveram sucesso.

“A região das Dunas do Cocó é uma área supervalorizada, com uma vista privilegiada do parque. É evidente a intenção das empresas de construir empreendimentos milionários. No entanto, caso haja alguma construção no local, não será possível restaurar o meio ambiente”, alerta a promotora Socorro Brilhante, titular da 4ª Promotoria do Meio Ambiente e Planejamento Urbano do Ministério Público do Ceará (MPCE).

O órgão entrou com pedido de liminar na Justiça para tornar sem efeito o artigo da Luos que revoga a criação da Arie das Dunas do Cocó.

Votação

O vereador Guilherme Sampaio (PT) conta que a emenda que extinguiu a área de proteção ambiental foi protocolada no dia da apreciação, em segundo turno, do projeto que tratava do uso e da ocupação do solo e que não houve nenhum tipo de debate prévio sobre a matéria.

“A estratégia adotada inviabilizou qualquer resistência por parte da sociedade e de vereadores que não concordavam com a medida. Esse projeto [Luos] passou mais de um ano e meio em discussão na Câmara, houve várias audiências públicas para debatê-lo e, em nenhuma dessas audiências, nem a prefeitura nem qualquer parlamentar apresentou a proposta de revogação da Arie. Alguns vereadores reagiram fortemente no dia da votação, mas a matéria foi aprovada com ampla maioria. Para completar, foi sancionada pelo prefeito no dia seguinte, o que é absolutamente incomum.”

Na justificativa da emenda, assinada por 33 vereadores, os parlamentares argumentam que a Arie está em quadras de um parcelamento de solo, o Jardim Fortaleza, cujo processo legal está aprovado pela prefeitura desde 1976 e registrado em cartório de imóveis da cidade. Além disso, diz que a análise da localização mostra que o terreno está encravado num dos bairros de maior adensamento populacional e em área urbana consolidada e dotada de vários equipamentos urbanos, como rede telefônica, iluminação, vias de circulação, esgotamento sanitário e com ruas com denominações oficiais.

Um abaixo-assinado online, que já acumula mais de 5 mil assinaturas, pede que o prefeito Roberto Cláudio vete o artigo da Luos que trata da revogação da Lei 9.502/2009.

Ação

A ação do MPCE, que tramita na 15ª Vara da Fazenda Pública, questiona a forma como a lei que criou a unidade de conservação foi revogada. Segundo Socorro, a Constituição Federal de 1988 determina que uma unidade de conservação só pode ser extinta por lei específica, e não por emenda, como ocorreu em Fortaleza.

Outro ponto questionado pela promotora é o do princípio do retrocesso ambiental, que defende que o meio ambiente deve ser protegido, não atacado. “A revogação da lei da Arie das Dunas do Cocó fere de morte tudo o que foi criado como princípio para as leis que estabelecem a preservação do meio ambiente.”

O professor Jeovah Meireles vai mais longe e aponta também o descumprimento de todos os documentos em que o Brasil é signatário que trata do enfrentamento das mudanças climáticas, a exemplo do Acordo de Paris.

“Ao referendar a votação da Câmara, o prefeito toma a decisão de descaracterizar profundamente os sistemas ambientais que dão suporte à melhoria das condições climáticas de Fortaleza e à disponibilidade de água em regiões semiáridas, considerando que estamos enfrentando uma longa estiagem e uma crise hídrica. Além disso, essa decisão não leva em conta conceitos, processos e sistemas ambientais já bastante consolidados pela ciência e necessários para a qualidade de vida das pessoas.”

Zona de amortecimento

Mesmo sendo de responsabilidade do município, as dunas do Cocó são consideradas zona de amortecimento do Parque Estadual do Cocó, regulamentado por lei estadual em junho deste ano. Com 1,5 mil ha, o Cocó é considerado um dos maiores parques urbanos do mundo.

Como zona de amortecimento, as dunas funcionam como um filtro para os impactos negativos do meio urbano, como ruídos, poluição e o avanço da ocupação humana.

Os especialistas ouvidos pela Agência Brasil criticam o fato de a região das dunas não ter entrado na área oficial do Parque do Cocó, de forma a ficar protegida também por lei estadual.

Em nota, a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema) esclareceu que essa proposta foi considerada à época da definição da área do parque, mas que não foi inserida porque as dunas fazem parte de uma área privada altamente valorizada o que geraria um custo  muito alto para ser desapropriada. Além disso, a Sema afirma que se tratava de um espaço já protegido por lei municipal.

Na nota, a secretaria reitera que considera a região das dunas área de amortecimento do Parque do Cocó e que isso lhe confere proteção pelas leis ambientais vigentes. Esse é o mesmo entendimento do Ibama que assumiu o compromisso de não autorizar qualquer supressão vegetal das dunas fixas.

A Agência Brasil solicitou posicionamento da prefeitura de Fortaleza sobre a situação da área das Dunas do Cocó e sobre a ação do MPCE, mas não obteve resposta.

A reportagem também tentou contatar, por telefone e por e-mail, a Associação Cearense dos Empresários da Construção e dos Loteadores (Acecol) e representantes das empresas envolvidas no loteamento Jardim Fortaleza, mas não conseguiu retorno.

 

Edwirges Nogueira, da Agência Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/09/2017

 

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