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Notícia

Carta Aberta dos povos Deni, Kanamari e Kulina, de Itamarati (AM)

nota pública

CARTA ABERTA DOS POVOS INDÍGENAS DE ITAMARATI

Nós, lideranças dos povos Deni, Kanamari e Kulina, representantes das aldeias Boiador, Flexal, Itaúba, Morada Nova, Santa Luzia, São João e Terra Nova, localizadas no município de Itamarati no Amazonas, reunidos na aldeia Morada Nova, nos dias 27 e 28 de abril, por ocasião do Mutirão de Defesa de Direitos na região de Itamarati, ação promovida pelo Conselho Indigenista Missionário de Tefé e Caritas de Tefé, com apoio de CAFOD e União Europeia, atividade prevista no projeto Garantindo a Cidadania e a Defesa de Direitos dos Povos Indígenas do Médio Rio Solimões e Afluentes, para ampliar nossos conhecimentos sobre direitos civis, políticos, sociais e indígenas, partilhar as nossas realidades, demandas e aspirações e encaminhar soluções destas demandas em diálogo com o Poder Público (Secretaria Municipal de Assitência Social, Conselho Tutelar de Itamarati, Secretaria Municipal de Educação e Polo Base de Saúde Indígena – enfermeiro em área) e a órganização não governamental Operação Amazônia Nativa (OPAN), na busca pela efetivação dos nossos direitos, vimos, à público, manifestar, denunciar e pedir a atenção e acompanhamento dos órgãos públicos competentes às violações de direitos que passaremos a relatar.

Sabemos que a nossa Constituição Federal, pela primeira vez na história do país, reconheceu o caráter pluritiétnico e multicultural do Estado brasileiro, dessa forma, o nosso direito ao tratamento diferenciado, na perspectiva da autonomia e autodeterminação dos nossos povos.

Depois de analisarmos a situação dos nossos direitos e da política indigenista nacional, regional e local constatamos que continuamos a ser vítimas da discriminação, do preconceito e da intenção, explícita ou velada, de nos extinguir enquanto povos, com uma identidade diferenciada, vinculada intrinsecamente à espaços territoriais necessários para a nossa sobrevivência física e cultural, com organização social própria.

Porém, fazemos parte do Estado Brasileiro, que depois da colonização se implantou sobre os territórios ocupados milenarmente por nossos povos e ancestrais, não respeitando o nosso modo de vida e impondo a sua maneira de viver aos nossos povos como a única correta para acessarmos direitos e sermos cidadãos deste Estado. Hoje, 517 anos depois, tal situação de descaso e violação de nossos direitos, cidadania e vida, continua. Mas, temos convicção de que somos cidadãos e temos o direito de recuperar e manter nosso modo de vida.

Os governos municipais, estaduais e federal têm se mostrado incapazes de conviver e oferecer tratamento diferenciado aos nossos povos. Reconhecemos que estes governos, em alguns momentos, já fizeram esforços significativos, mas continuam submetidos à pressão de interesses econômicos e políticos que sempre mandaram neste país, criando situações que acarretam a grave crise no atendimento às políticas públicas voltadas as nossas especificidades e à violência contra os povos indígenas.

Diante deste quadro, estamos tristes e indignados, porém, dispostos a continuar reivindicando e lutando para termos garantidos os nossos direitos. Dessa forma, exigimos do Poder Público respostas e ações permanentes e estruturantes às demandas apresentadas por nós nesta carta aberta. Reafirmamos, porém, atenção especial às seguintes reivindicações e propostas.

DESRESPEITO AOS DIREITOS TERRITORIAIS – FISCALIZAÇÃO

TERRITORIAL

  • Os limites das Terras Indígenas Deni e Kanamari estão sem nenhuma fiscalização. A renovação das picadas das Terra Indígena Deni e Terra Indígena Kanamari do Médio Rio Juruá é urgente e necessária;

  • A infraestrutura e as condições de trabalho no posto de vigilância da TI Deni são precárias. Hoje, contamos com uma casa de madeira, localizada próximo a boca do Rio Xeruã, radiofonia, motor (5hp honda) e canoa. A vigilância é feita pelas próprias aldeias (4), que se alternam para desempenhar a atividade. Cada aldeia escolhe 8 pessoas que ficam no posto de vigilância por 15 dias. Os indígenas que assumem essa função não possuem equipamentos para desempenhar o trabalho (bota, lanternas e outros), bem como não dispõem de combustível (inflamável) suficiente para realizar a fiscalização na área.

PROJETO LUZ PARA TODOS DO GOVERNO FEDERAL DIRECIONADO PARA O MUNICÍPIO DE ITAMARATI

O povo Kanamari elaborou documento para a FUNAI (CTL de Eirunepé – Paulo Rodrigues Haid), na assembleia da ASPODEX em agosto de 2008, solicitando a vinda do “Programa Luz para todos” para suas aldeias São João, Flexal e Santa Luzia, localizadas na região de Itamarati. Em 2014, receberam a proposta da Prefeitura Municipal de Itamarati para a implementação do programa. Em 2016, foi aberta uma estrada de 8km, entre os Rios Juruá e Xeruã, para a instalação da estrutura que levará a energia elétrica para as aldeias.

Desse modo, nós, indígenas do povo Kanamari somos favoráveis a implementação do programa Luz para todos em nossas aldeias.

Quando o povo Kanamari apresentou seu pedido à FUNAI, o povo Deni, das aldeias Morada Nova, Boiador, Itaúba e Terra Nova, analisou a possibilidade da implementação deste programa em suas aldeias, porém, percebeu que isso poderia trazer impactos para o seu território e seu modo de vida. A construção de uma estrada poderia abrir a terra indígena para a entrada de invasores, o barulho das máquinas faria com que os animais se afastassem das aldeias e, ainda, energia 24 horas nas aldeias iria influenciar negativamente seus costumes tradicionais.

Acontece que, neste ano, a nova gestão municipal divulgou que o Programa “Luz para todos” será implementado em todas as aldeias indígenas do município, sem ter sido realizada qualquer tipo de consulta às aldeias Deni.

Diferente do povo Kanamari, o povo indígena Deni não aceita este programa. Isso não quer dizer que somos contra energia em nossas aldeias, somos contra este tipo de energia elétrica que irá impactar nosso território e modo de vida. Acreditamos que a energia solar é limpa e não impactará nosso modo tradicional de viver em nosso território.

Ainda, queremos denunciar que quando as lideranças, professores e AIS estavam no município de Itamarati, em evento de comemoração à Semana dos Povos Indígenas, pessoas ligadas a companhia de energia elétrica do Amazonas visitaram as aldeias Deni, contando o número de casas e a população existente em cada aldeia. Sem dar maiores explicações do que se tratava o programa, pediram que as pessoas que estavam nas aldeias assinassem documentos, o que nos deixa muito preocupados.

DESRESPEITO AO DIREITO À EDUCAÇÃO DIFERENCIADA E ESPECÍFICA PARA OS POVOS INDÍGENAS – EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

  • Infraestrutura:

    • As escolas das aldeias possuem estrutura bastante precária. Necessitando reforma ou nova construção dependendo da aldeia;

    • Nas escolas faltam equipamentos como: cadeiras, quadros e materiais de cozinha.

  • Estrutura e funcionamento:

    • As escolas não possuem projeto politico pedagogico próprio;

    • Não há recursos humanos e orçamento suficientes para o pleno funcionamento da Coordenação Municipal de Educação Escolar Indígena;

    • Não há cozinheira e serviços-gerais nas escolas indígenas das aldeias.

  • Material didático:

    • O Material didático utilizado nas escolas não respeita as especificidades e realidade de nossos povos e aldeias.

  • Merenda escolar:

    • Atraso no envio da merenda às escolas indígena;

    • A merenda que recebemos não respeita nossa alimentação tradicional.

  • Professores Indígenas:

  • Os professores indígenas não possuem acompanhamento pedagógico;

  • Não há promoção para a formação inicial de professores indígenas – Não há parceria entre o município e a SEDUC para a formação inicial de professores indígenas – Magistério Indígena (Pirayawara);

  • Não há a garantia da formação continuada dos professores indígenas – nível superior;

  • A contratação de professores indígenas é feita de maneira precária, através de contratos temporários. Desse modo, ficam a mercê da política partidária para terem seus contratos renovados.

DESRESPEITO AO DIREITO À SAÚDE DIFERENCIADA DOS POVOS INDÍGENAS

  • Infraestrutura edificações:

  • Faltam Postos de Saúde (Unidade Básica de Saúde/mini-polo) nas aldeias;

  • Falta transporte a remoção de pacientes e trabalho da equipe de saúde;

  • Falta combustível para o desempenho da atividade dos Agentes Indígenas de Saúde

(AIS) nas aldeias.

  • Profissionais da saúde:

  • Não há suficientes Agentes Indígenas de Saúde (AIS) nas aldeias;

  • Considerando o alto índice de malária na região – não há agentes indígenas microscopistas em todas as aldeias;

  • Não há nenhum projeto para a formação dos profissionais de saúde indígena – agente indígena de saúde, de saneamento, microscopista;

DESRESPEITO AO DIREITO À AUTONOMIA E AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS

  • Não é respeitada a nossa organização social e política. Muitas vezes, há a interferência do poder publico municipa, em nossos processos de tomada de decisões;

Nós temos direito à autodeterminação e nossa organização social é reconhecida pelo Estado brasileiro, por isso, nossas decisões têm que ser ouvidas e respeitadas pelos governos.

ACESSO À DOCUMENTAÇÃO

  • Dificuldade para a emissão do Registro Administrativo Indígena – RANI, pois não há sede da FUNAI em Itamarati, estamos vinculados à Coordenação Técnica Local em Eirunepé;

  • Dificuldade no acesso à previdência e à assistência social – o fato de não haver agência do INSS no município prejudica a garantia a esses benefícios (aposentadoria e auxílio maternidade). Além disso, considerando a organização administrativa da Funai, as certidões prestadas por este órgão para subsídiar os pedidos de aposentadoria e salário maternidade são de responsabilidade do Coordenador Tecnico da Funai em Eirunepé. Nestes casos, o coordenador se deslocar até o município.

Conquistamos com muita luta nossos direitos na Constituição que este ano completará 29 anos, mas os governos municipais, estaduais e federal ainda não estão cumprindo com seu dever de torná-los realidade.

Assim, exigimos atenção, acompanhamento e ações dos órgãos públicos para que nossos direitos sejam garantidos e cessem as situações de violações acima descritas.

Aldeia Morada Nova (TI Deni), 28 de abril de 2017.

 

Colaboração de Ligia Kloster Apel, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 15/05/2017

 

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