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Pesquisa da Embrapa Agroenergia encontra microalgas que crescem em resíduos e geram biocombustíveis

 

Por Vivian Chies, Embrapa Agroenergia

A Embrapa Agroenergia (DF) conseguiu identificar espécies de microalgas que podem ser cultivadas em resíduos líquidos de processos de agroindústrias, os efluentes. Esse cultivo pode gerar matéria-prima renovável para biocombustíveis, rações, cosméticos e vários outros produtos. A pesquisa, que durou três anos, também teve como resultado a descoberta de espécies até então desconhecidas, na biodiversidade brasileira.

Os efluentes utilizados nos estudos foram a vinhaça, formada na produção de açúcar e etanol de cana, e o Pome (palm oil mill effluent), que é gerado no processamento do dendê. Eles são aproveitados, hoje, para fertirrigação das plantações. Utilizá-los, contudo, como meio para produzir microalgas, pode agregar valor às cadeias produtivas da cana e do dendê, gerando mais biomassa e óleo para obter energia e bioprodutos.

As microalgas são organismos unicelulares e microscópicos que vivem em meios aquáticos e têm uma característica curiosa: embora não sejam plantas, são capazes de realizar fotossíntese e se desenvolver utilizando luz do sol e gás carbônico. Elas se reproduzem muito rapidamente, gerando grandes quantidades de óleo e biomassa em pouco tempo. A produtividade pode ser de dez a 100 vezes maior do que os cultivos agrícolas tradicionais. Isso chamou a atenção de setores que necessitam de grandes quantidades de matéria-prima, como o de biocombustíveis.

Ao mesmo tempo, os óleos produzidos por algumas espécies quase sempre contêm compostos muito valiosos como, por exemplo, Ômega 3 e carotenoides. Por isso, elas também encontram espaço em indústrias que atendem nichos de mercado e pagam mais caro por matérias-primas com propriedades raras. É o caso dos cosméticos e dos suplementos alimentares.

Já existem pelo menos quatro empresas no Brasil produzindo microalgas: duas no Nordeste, com foco em nutrição humana e animal, e outras duas no interior de São Paulo, já atendendo indústrias de cosméticos e rações, ou projetos para tratamento de efluentes. Contudo, há ainda muito que avançar no conhecimento e desenvolvimento de tecnologias para impulsionar o setor. A redução do custo de produção é uma das principais preocupações, principalmente quando se quer alcançar mercados que necessitam de grandes volumes e preços baixos, como é o caso dos biocombustíveis.

Explorando a biodiversidade

A pesquisa da Embrapa buscou soluções em uma das maiores riquezas do Brasil: a imensa biodiversidade, que pode abrigar um quarto das espécies de microalgas de água doce, segundo as estimativas. O primeiro trabalho tinha como objetivo encontrar espécies capazes de crescer na vinhaça, em ambientes industriais e biomas brasileiros (Amazônia, Pantanal e Cerrado). Os cientistas identificaram duas espécies que podem ser cultivadas nesse efluente, com bom rendimento − uma delas ainda não está sequer descrita na literatura. A análise dos componentes da biomassa dessas duas microalgas indica maior concentração de carboidratos e proteínas do que de lipídeos e carotenoides, que as tornam mais adequadas para a produção de etanol do que de biodiesel, quando o assunto é biocombustíveis. Podem ser utilizadas, ainda, em rações.

A vinhaça é rica em nitrogênio, fósforo e potássio (NPK), nutrientes tão necessários às microalgas quanto às plantas. Utilizá-la como meio de cultivo, contudo, tem seus desafios, explica o pesquisador Bruno Brasil, da Embrapa Agroenergia. Se, por um lado, a concentração de nutrientes favorece o crescimento dos organismos, por outro a coloração escura dificulta a passagem de luz, sem a qual não há fotossíntese. Para minimizar esse problema, a equipe da Embrapa Agroenergia utilizou métodos de clarificação química de baixo custo ou simplesmente diluiu a vinhaça em água. Outro desafio associado à vinhaça é a elevada carga de material orgânico. Ela favorece a proliferação de bactérias e leveduras, que se tornam contaminantes no meio de cultivo e prejudicam o crescimento das microalgas.

As duas espécies selecionadas pela equipe da Embrapa Agroenergia são mixotróficas. Isso quer dizer que elas realizam fotossíntese, mas também utilizam a matéria orgânica da vinhaça para crescer. Elas não chegam a reduzir significativamente essa carga orgânica e, por isso, não podem ser utilizadas isoladamente para tratamento do efluente. No entanto, isso pode ser bom porque permite que a vinhaça ainda seja usada para fertirrigação dos canaviais após a retirada das microalgas.

 

Cultivo e uso das microalgas
Cultivos em efluente do processamento do dendê

O Pome tem características poluidoras muito parecidas com as da vinhaça, mas a composição é diferente, já que se origina de um fruto rico em óleo, o dendê, e não de uma gramínea rica em açúcar como é o caso da cana. Por isso, o trabalho de busca de microalgas capazes de crescer nesse material envolveu tanto experimentos com cepas já testadas para a vinhaça quanto novas coletas de amostras, em ambientes diferentes. Neste caso, também, duas espécies mostraram-se eficientes. Uma delas tem capacidade de crescimento tão elevada que faz desaparecer a coloração quase preta do Pome e coloca no lugar um verde intenso. Além disso, foi demonstrado que a retenção do Pome em uma lagoa anaeróbica seguida de cultivo utilizando estas microalgas promove tratamento eficiente do efluente, processo conhecido como biorremediação.

A ideia de buscar espécies capazes de crescer em efluentes industriais explora justamente uma das vantagens das microalgas, a robustez. Diferentemente das plantas, elas não exigem água doce e limpa; podem ser cultivadas em água salgada, salobra ou mesmo residual. Esse é um fator bastante positivo para a sustentabilidade do cultivo. Soma-se a isso a característica de elas não precisarem ocupar terras férteis e a alta produtividade para se chegar à conclusão de que microalgas podem compor o rol de soluções sustentáveis para fornecer alimentos, energia e bens de consumo a uma população mundial crescente.

Engenharia genética

A equipe de cientistas da Embrapa e instituições parceiras está, agora, empenhando-se em construir ferramentas que permitam a modificação genética das espécies selecionadas para crescimento na vinhaça e no Pome, com o objetivo de potencializar o rendimento. O investimento na engenharia genética tem motivo: toda a produção de commodities agrícolas atual está baseada em espécies que passaram por décadas ou séculos de domesticação e melhoramento genético. Além disso, um grande estudo sobre microalgas financiado pelo governo dos Estados Unidos mostrou que o uso de linhagens modificadas geneticamente chega a reduzir em 85% o custo de produção – uma das grandes metas estabelecidas pelos cientistas.

O desafio para chegar a essas novas linhagens, contudo, é grande. Qualquer programa de engenharia genética precisa primeiramente de conhecimento sobre a espécie com a qual se pretende trabalhar. No caso das microalgas, essa base ainda está em construção. Basta comparar: o primeiro genoma completo de bactéria foi apresentado em 1995, o humano foi concluído em 2003, mas só em 2012 foi sequenciado o DNA de uma microalga com potencial para produção de biocombustíveis.

Quando se trata de espécies originárias do Brasil, a carência de dados é ainda maior. “Nós sabíamos que, trabalhando com espécies nativas, tínhamos a chance de encontrar coisas novas e mais produtivas do que materiais de outras partes do mundo, mas, ao mesmo tempo, por ser novo, sabíamos que iríamos ter que desenvolver esse pacote tecnológico”, conta o pesquisador Bruno Brasil.

Na Embrapa e na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), além das microalgas, os cientistas estão explorando a genética das cianobactérias, conhecidas como algas azuis. São organismos também unicelulares, microscópicos e capazes de realizar fotossíntese, porém mais simples. Luis Fernando Marins, professor da FURG, compara os genomas delas. Enquanto o de uma das cianobactérias com que ele está trabalhando tem 2,6 milhões de pares de bases, o de uma microalga chega a 120 milhões, ou seja, é 60 vezes maior. Além disso, os meios de cultivo para as cianobactérias são geralmente mais baratos e elas têm capacidade de secretar substâncias, o que facilita os processos de obtenção dos produtos de interesse.

Além dos estudos do genoma e da engenharia genética, o pesquisador da Embrapa Agroenergia antecipa os próximos passos do centro de pesquisa: “Do ponto de vista de processos industriais, o que falta? Escalonamento de sistemas de cultivo, métodos eficientes para colheita das microalgas e processos de conversão da biomassa em produtos. Os próximos projetos vão focar esses três pontos”.

Mercado das microalgas
Uma das empresas que se tornou referência no tema microalgas é a TerraVia, que até março de 2016 chamava-se Solazyme. Com origem na região do Vale do Silício, nos Estados Unidos, a companhia estabeleceu sua unidade de produção no Brasil, numa joint venture com a Bunge. A biofábrica está associada a uma usina sucroalcooleira, em Orindiúva (SP), porque a espécie de microalga com que trabalha não realiza fotossíntese, mas alimenta-se de açúcar. 

O diesel e o combustível de aviação obtidos a partir do óleo dessa microalga, o Soladiesel e o Solajet, eram destaque entre os produtos oferecidos pela tecnologia da empresa, mas isso mudou junto com o nome, justamente por causa de valor de mercado. “Esses mercados podem se tornar maiores e rentáveis no futuro e ainda são ativos valiosos para nós. Porém, com os níveis de preços atuais do barril de petróleo, biocombustíveis nesse momento não são o principal driver econômico para nós”, revela o presidente da joint venture TerraVia / Bunge, Walfredo Linhares. O executivo afirma que a empresa está voltada, agora, exclusivamente para alimentos, nutrição animal e ingredientes especiais para o mercado de cuidados pessoais. Empresas como Natura, Nestlé e Unilever já utilizam ou vão utilizar, em seus produtos, óleos e compostos originários das microalgas cultivadas em Orindiúva.

 

Menos vultosa, porém consistente, é a iniciativa da Fazenda Tamanduá, no sertão da Paraíba. Ali foi estabelecido um cultivo orgânico de cianobactérias do tipo spirulina, que já são bastante conhecidas pelos benefícios à saúde humana. “Eu tomo spirulina e acho um produto maravilhoso: há oito anos não sei o que é uma gripe. Não é um milagre, mas se você toma todos os dias vai sentir uma melhora na sua saúde, pele, cabelo”, testemunha o biotecnólogo José Franciraldo de Lima, responsável-técnico pela produção. A Fazenda Tamanduá foi a primeira a obter registro do produto como alimento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ele é comercializado em cápsulas ou em pó.

 

Um pouco mais ao norte do País, no Ceará, a professora Francisca Pinheiro aplicou o conhecimento adquirido durante anos na Universidade Federal do estado para estabelecer em uma chácara, no Município de Cascavel, um cultivo de spirulina. Nesse caso, o foco é o mercado de rações para aquicultura, especialmente camarões, tilápias e peixes ornamentais, graças ao elevado teor de proteína do produto. Ela acredita no futuro do cultivo de microalgas e cianobactérias. “É um mercado consumidor crescente, autossustentável, com potencial no mercado interno e externo”, analisa. A empresária pretende consolidar seus métodos de cultivo e, a partir daí, iniciar um projeto de transferência de tecnologia para comunidades do Nordeste.

 

Em Piracicaba (SP), o parque tecnológico local abriga a Algae Biotecnologia, uma start up voltada para o desenvolvimento de projetos baseados em microalgas, com o foco em biorremedição e captura de carbono. O que está mais avançado é a iniciativa com a fabricante de cimentos Intercement, que consiste em utilizar as microalgas para biofixar o grande volume de CO2 gerado nesse segmento industrial. Já foram selecionadas espécies eficientes nesse trabalho e o projeto está entrando em fase pré-comercial.

 

 

Fonte: Embrapa Agroenergia

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/02/2017

 

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