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Artigo

Eleições: contados os votos qual Brasil saiu das urnas? artigo de Nilo Sergio S. Gomes

 

artigo de opinião

 

[EcoDebate] Definidos os resultados das eleições municipais de 2016 o que salta, à primeira vista, é a virada conservadora de boa parte do eleitorado, após as quatro últimas eleições em que os destaques foram partidos de centro-esquerda e esquerda, com “a esperança vencendo o medo”, com a eleição de Lula para a presidência da República, em 2002.

As razões desta guinada do eleitorado não são difíceis de supor. Ações como as investigações da Lava Jato, a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor na Polícia Federal e a série de operações policiais, quase todas envolvendo políticos petistas, levaram o PT à sua maior derrota eleitoral, desde sua fundação, em fevereiro de 1980.

Maior, sobretudo, em termos simbólicos, pois depois de conquistar governos e parcelas do poder político nacional, o Partido dos Trabalhadores se viu e foi visto atrapalhado e envolvido nos mesmos tipos de ações e comportamento que, antes, tanto criticara nos políticos tradicionais: corrupção, política clientelista e favorecimento pessoal. E o que foi esperança, virou desilusão e desapontamento.

Governar com o programa adversário

Reeleito em 2014, o Governo Dilma, dando continuidade aos sucessivos governos do PT, teve início com a aplicação de medidas neoliberais na economia, do tipo “controle dos gastos públicos” e “priorização nos investimentos”. A guinada se deu em busca exatamente do apoio político dos grandes empresários nacionais e estrangeiros, e da grande mídia hegemônica. Para espanto de boa parte de seus eleitores, o programa econômico adotado foi o que era do seu adversário, o PSDB, com Aécio Neves.

Com isto, já em seu início o governo reeleito demonstrava fraqueza e contradição, praticando o que alguns analistas chamaram de “estelionato ou fraude eleitoral”. E nem ganhou o apoio político do grande capital, muito menos o da grande mídia. Como ainda perdeu a confiança de boa parte de seu próprio eleitorado, bem como de segmentos da militância petista de base, hoje desarticulada e sem voz dentro do próprio partido que ajudou a fundar.

Ou seja, o PT veio para mudar a política, mas quem mudou mesmo foi ele. O partido nascido e crescido para ser a escola política dos trabalhadores e da gente do povo, enredou-se em sua cúpula partidária e nas instâncias institucionais, afastando-se cada vez mais das bases sociais que lhe fizeram surgir e ter força. Tornou-se, cada vez mais, um partido de cúpula e de gabinetes parlamentares, deixando as ruas.

Esse processo, naturalmente, não se deu da noite para o dia. Um de seus primeiros sinais foi em 1.998, quando a direção nacional, tendo à frente José Dirceu, Lula e o grupo Articulação, cancelou uma decisão do PT do Rio de Janeiro, tomada em plenária e que indicou o memorável líder estudantil de 1968, Wladimir Palmeira, para disputar o governo do Estado. Em represália, a direção nacional interveio no diretório estadual e impôs a chapa com o candidato do PDT, Anthony Garotinho, ficando com a vice, representada por Benedita da Silva.

A partir desse tipo de intervenção, que também ocorreu em outros estados e sob outras feições, uma série de “reformas da estrutura partidária” foi aos poucos desmontando as bases nas quais o PT nasceu e cresceu. A primeira vítima foram os “núcleos de base”, berço do partido, que deixaram formalmente de existir. Foram riscados do estatuto e da vida partidária.

Da mesma forma o poder de decisão no PT foi se concentrando na direção nacional e, nela, em sua executiva, de modo que nos últimos 10 anos o Partido dos Trabalhadores mudou bastante suas feições. Uma mudança tão grande que, agora, quando o partido é acusado e acuado pelas ações do Judiciário e da Polícia Federal; e sucessivamente atacado pela grande mídia hegemônica, ele não consegue esboçar qualquer tipo de reação e de defesa convincente, a não ser notas e entrevistas de dirigentes. Sua voz não está mais nas ruas, mas nos gabinetes. Desarticulada, a militância petista não tem meios, nem canais e nem estrutura para se manifestar e sair em defesa do partido que construiu.

Afastado das bases e distante das ruas, o PT foi o maior derrotado nas últimas eleições, levando boa parte dos partidos de esquerda e centro-esquerda que com ele se aliavam na Frente Brasil Popular, a obter um desempenho pífio, em comparação com eleições anteriores. O desgaste do PT se estendeu não somente a seus aliados, mas ao que se pode chamar de “esquerda”, no Brasil.

Assim, os votos que a aliança arrebatava junto às camadas pobres e a amplos segmentos da classe média se dispersaram, espalhando-se para vários outros partidos menores e desconhecidos, os chamados “nanicos”, que obtiveram não somente votos para eleger prefeitos, como no Rio de Janeiro, como também tiveram repercussão nas câmaras de vereadores. Daí o crescimento do PSDB, conquistando várias prefeituras, a começar pela de São Paulo, onde o partido venceu no 1º turno. Essa desilusão do eleitorado com os políticos, especialmente com o PT, que representava a esperança de uma nova política, levou as abstenções, votos nulos e em branco a baterem novos recordes. No Rio de Janeiro, somaram mais de 2 milhões de votos, isto é, mais do que o candidato do PRB, eleito com 1,7 milhão de votos.

O Brasil saiu mais conservador destas eleições, com alto grau de dispersão dos votos, resultando em um cenário onde a principal certeza é a da dúvida. O que serão as eleições majoritárias de 2018, que vai eleger a nova presidência da República, novos governadores, senadores ou deputados, muitos, inclusive, que deverão ser reeleitos, é ainda uma incógnita. Não dá para apostar. Mas quem viver, verá.

*Nilo Sergio S. Gomes é jornalista e pesquisador, professor da Escola de Comunicação da UFRJ. É editor do portal www.porteiradomato.com.br e foi fundador e militante do PT.

 

in EcoDebate, 04/11/2016

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One thought on “Eleições: contados os votos qual Brasil saiu das urnas? artigo de Nilo Sergio S. Gomes

  • Nilo,
    Você foi elegante nas críticas e fez uma análise correta e propositiva das eleições e das perdas da esquerda e do PT.

Fechado para comentários.