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Artigo

Uso e ocupação racional das área de recarga de aquíferos sedimentares: subsídio aos estudos de reavaliação do Código Florestal Brasileiro, artigo de Marco Antonio Ferreira Gomes

USO E OCUPAÇÃO RACIONAL DAS ÁREAS DE RECARGA DE AQUÍFEROS

SEDIMENTARES: SUBSÍDIO AOS ESTUDOS DE REAVALIAÇÃO DO CÓDIGO

FLORESTAL BRASILEIRO

Marco Antonio Ferreira Gomes1

Introdução

O uso e ocupação de áreas pela agricultura brasileira normalmente não obedece critérios que levem em consideração a capacidade de uso dos solos, como também aspectos relacionados ao relevo, contrariando assim algumas premissas básicas da sustentabilidade dos sistemas de produção.

Áreas consideradas frágeis, como as aquelas de recarga direta ou de afloramento de aquíferos sedimentares, por exemplo, são as que mais tem sofrido com o avanço da expansão agrícola nos últimos anos, sobretudo porque seus solos são tipicamente arenosos, localizados em áreas quase sempre com declividade média acima de 5% e índices pluviométricos a partir de 1.400 mm, o que tornam as mesmas altamente vulneráveis à contaminação por agroquímicos como também à erosão2.

Assim, torna-se imperativo para essas áreas a adoção de práticas agrícolas (BPA’s)3 que minimizem as vulnerabilidades citadas, com a consequente redução dos riscos potenciais de impactos negativos. Em estudos desenvolvidos pela Embrapa Meio Ambiente no período entre 1995 e 2005 em duas porções de recarga do Aquífero Guarani, foram elaboradas propostas de práticas considerando os fundamentos das BPA’s. Nessa abordagem foi proposto um Ordenamento Agroambiental4 para uma microbacia na região de Ribeirão Preto/SP e para as Nascentes do rio Araguaia, localizadas nas divisas dos estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, selecionadas em função do uso agrícola intensivo, aliado às características de alta vulnerabilidade citadas acima no segundo parágrafo.

Embora os dois estudos citados tenham contemplado porções de área de recarga do Aquífero Guarani com cerca de 54.000 km,2 elas são relevantes em território nacional uma vez que ultrapassam os 200.000 km,2 abrangendo oito estados e diferentes biomas, entre os quais a Mata Atlântica com transição para o Cerrado, O Cerrado típico, o Pantanal, Araucárias e os Pampas. Para essas porções, foram realizados estudos preliminares que permitiram a classificação das mesmas em Domínios Pedomorfoagroclimáticos4, visando subsidiar trabalhos futuros, mais específicos, para avaliação do uso e ocupação racional das mesmas5.

1/ Geólogo; Pedólogo. Pesquisador da Embrapa Meio Ambiente. Rod. SP 340, Km 127,5. Caixa Postal 69. Tanquinho Velho, Jaguariúna/SP. 13.820-000. E-mail:marco.gomes@embrapa.br

Áreas de recarga de aquíferos sedimentares e o novo código florestal

Nos aquíferos sedimentares, tendo como exemplo brasileiro o aquífero Guarani, sua alimentação ou recarregamento se dá por dois mecanismos: a) infiltração direta das águas de chuva nas áreas de recarga; e b) infiltração vertical ao longo de descontinuidades nas áreas de confinamento, num processo mais lento2,6. A figura 1 mostra uma área típica de recarga do Aquífero Guarani localizada nas nascentes do Rio Araguaia-GO/MT.

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Figura 1. Área de recarga do Aquífero Guarani próxima às nascentes do Rio Araguaia. Destaque para o solo bastante arenoso que favorece a infiltração da água das chuvas. Foto: Marco Antônio Ferreira Gomes (2005)

 

No Brasil, destacam-se outros aquíferos sedimentares, cujas áreas de recarga são expressivas, tais como: a) aquífero Bauru (SP, GO, MS e MG); b) aquífero Urucuia (MG e BA); c) aquífero Serra Grande (PI); d) aquífero Itapecuru (PA). Mais recentemente, foi descoberto do Aquífero Alter do Chão que encontra-se sob a planície amazônica, em área de grande fragilidade ou vulnerabilidade natural.

As áreas de recarga direta representam regiões onde o aquífero se encontra mais vulnerável. Dessa forma, o mau uso dos seus solos pode comprometer, a médio e longo prazo, a qualidade da água subterrânea. Diante desse cenário, fica evidente a necessidade de um manejo especial para as mesmas, a fim de que todo o sistema, o qual inclui também as partes confinadas, possa ser gerenciado de forma sustentável. Essa gestão sustentável depende, pois, da identificação e controle das fontes de poluição ou degradação nas áreas de recarga2.

Infelizmente o Código Florestal Brasileiro vigente não contempla as áreas de recarga de aquíferos, expondo-os a uma situação de risco potencial de degradação2.

Considerações finais

As áreas de recarga de aquíferos embora não contempladas pela legislação vigente no Brasil, merecem cuidados semelhantes às demais, não só pela magnitude de suas influências no contexto socioeconômico e ambiental que apresentam, mas principalmente pelas fortes restrições de uso agrícola. Nesse sentido, entende-se que tais áreas devam ser contempladas, visando maior abrangência e atualização do Código Florestal.

Diante do exposto, recomenda-se a adoção de políticas de proteção para essas áreas fundamentadas em três grandes vertentes: a) implantação efetiva de um programa de educação ambiental, visando maior conscientização da população nelas existentes; b) fiscalização contínua, com o objetivo de identificar as inconformidades quanto ao cumprimento da legislação, bem como a averiguação do uso adequado dessas áreas; c) adoção de planos de uso e de manejo adequados, com visão sustentável, protegendo assim os recursos solo, água e biodiversidade dos ecossistemas onde essas áreas estão inseridas.

Referências

2Gomes, Marco Antônio Ferreira. Áreas frágeis no Brasil: subsídios à legislação ambiental / Marco Antônio Ferreira Gomes, Lauro Charlet Pereira. – Jaguariúna, SP: Embrapa Meio Ambiente, 2011. 30 p. — (Documentos / Embrapa Meio Ambiente; 87).

3Cerdeira, A. L.; Pessoa, M.C.P.Y.; Gomes. M.A.F.; Bolonhezi, D; Dornelas de Souza, M; Farjani Neto, C. Proposta de Boas Práticas Agrícolas para as áreas de afloramento do Aquífero Guarani em Ribeirão Preto, SP. Capítulo III. Parte 3 Ações de Gestão Agro-ambiental para as Áreas de Afloramento do Aquífero Guarani no Brasil. IN: GOMES. M.A.F. (Ed.). Uso agrícola das áreas de afloramento do Aquífero Guarani no Brasil – implicações para a água subterrânea e propostas de gestão com enfoque agroambiental. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2008. 417 p.

4Gomes, M.A.F.; Pereira, L.C; Pereira, A S.; Assis, M.C; Emília Hamada; Assad, M.L.R.C.L.

Ordenamento agroambiental das áreas de afloramento do Aqüífero Guarani: conceitos e aplicações. Capítulo I. Parte 3 – Ações de Gestão Agro-ambiental para as Áreas de Afloramento do Aquífero Guarani no Brasil. IN: GOMES. M.A.F. (Ed.). Uso agrícola das áreas de afloramento do Aquífero Guarani no Brasil – implicações para a água subterrânea e propostas de gestão com enfoque agroambiental. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2008. 417 p.

5Gomes, Marco Antônio Ferreira; Filizola, Heloisa Ferreira; Spadotto, Cláudio Aparecido e Pereira, Anderson Soares. – Caracterização das áreas de afloramento do Aqüífero Guarani no Brasil: base para uma proposta de gestão sustentável Jaguariúna: Embrapa Meio Ambiente, 2006. 20p. – (Embrapa Meio Ambiente. Documentos; 52).

6Rocha, Gerôncio Albuquerque. Mega reservatório de água subterrânea do Cone Sul: bases para uma política de desenvolvimento e gestão. Curitiba: UFPR/ IDRC, 1996. 25 p.

 

in EcoDebate, 11/10/2016

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