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A densidade demográfica na África Subsaariana, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

densidade demográfica na África Subsaariana

 

[EcoDebate] Em artigo anterior, mostrei, com base em paper acadêmico de John Bongaarts (apresentado na PAA, em Washington, em abril de 2016) que a transição demográfica da África Subsaariana, em relação a outros países e regiões, tem acontecido de maneira tardia (later), em ritmo mais lento (slower), teve início em um limiar de desenvolvimento mais baixo (Earlier) e o nível da fecundidade é mais elevado (higher) do que em outras regiões do mundo, assim como é menor o uso de métodos contraceptivos.

Evidentemente, o atraso na transição demográfica implica no atraso no bônus demográfico, o que dificulta as condições para o sucesso da luta pela erradicação da pobreza. Sem a transição demográfica a África Subsaariana pode ficar presa à “armadilha da pobreza”.

Segundo a Divisão de População da ONU, em 1950, a população da Europa era de 549 milhões de habitantes, de 544 milhões na China, 179 milhões na África Subsaariana e 169 milhões na América Latina e Caribe (ALC). A população somada de Europa, China, Índia e ALC era de 1,6 bilhão de habitantes, sendo que a população da África Subsaariana naquela época representava cerca de 10% deste total. No final do século XXI, a população deve decrescer na maior parte do mundo, mas vai continuar crescendo na África Subsaariana e deve atingir 4 bilhões de habitantes em 2100. Ou seja, no final do século, a população da África Subsaariana será equivalente à população de Índia, China, Europa e ALC também com 4 bilhões de habitantes.

O aumento da população da África Subsaariana deve passar de 1 bilhão de habitantes atualmente para 4 bilhões em 2100. Isto vai provocar um grande aumento do número de habitantes por km2. A densidade demográfica de um país não é um bom indicador de desenvolvimento humano e econômico. Podemos encontrar países altamente desenvolvidos com baixa e alta densidade e países muito pobres com baixa e alta densidade demográfica.

Alguns países com alta densidade demográfica (como Japão, Coréia do Sul, Singapura, Holanda, etc.) possuem alto índice de desenvolvimento humano (IDH). Mas também há aqueles com alto nível de IDH e baixíssima densidade demográfica (como Canadá, Austrália, etc.). De outro lado, existem países com baixa densidade demográfica e baixo IDH (como Angola, Gabão, Mauritânia, etc.), assim como países com alta densidade demográfica e baixo IDH (Bangladesh, Índia, Ruanda, etc.). A seguir vamos verificar o comportamento da densidade demográfica na África Subsaariana, no mundo, algumas regiões e países.

O primeiro gráfico mostra que a densidade demográfica do mundo era de 57 habitantes por km2, em 2015. Abaixo deste valor estavam a África Subsaariana (44 hab/km2), Europa (33 hab/km2) e ALC – América Latina e Caribe (32 hab/km2). Acima da média, estavam a Ásia (142 hab/km2), e a China (147 hab/km2). No final do século, a África Subsaariana poderá ter uma densidade de 180 hab/km2. A Europa (29 hab/km2) e a ALC (36 hab/km2) terão poucas modificações. A China terá uma grande queda da densidade (107 hab/km2) até 2100. A Ásia terá aumento da densidade até meados do século e depois queda até 2100, com 156 hab/km2.

Considerando alguns países com alta densidade, destacamos a Índia que é o segundo país mais populoso do mundo, mas assumirá o primeiro lugar até 2030. A Nigéria é o sexto país mais populoso do mundo, mas assumirá o terceiro lugar até meados do século. Em 2015, a densidade demográfica da Índia era de 441 habitantes por km2, subirá para cerca de 600 hab/km2, em 2060, e cairá para 558 hab/km2, em 2100. Já a Nigéria tinha uma densidade demográfica de 200 hab/km2 (menos da metade da Índia), crescerá continuamente e poderá chegar a 826 hab/km2, em 2100.

 

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Dois exemplos de países com altas densidades demográficas são Bangladesh e Burundi. Enquanto o mundo tinha uma densidade de 57 habitantes por km2, em 2015, a densidade de Bangladesh era de 1.237 hab/km2 e a de Burundi era de 435 hab/km2. Mas em 2100 vai haver uma inversão, pois a densidade demográfica de Bangladesh irá subir e depois voltar para aproximadamente o mesmo patamar, chegando a 1303 hab/km2, em 2100. Já Burundi poderá ter uma densidade de 2.440 hab/km2 no final do século.

 

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Enquanto as atividades antrópicas se espalham, a vida selvagem está diminuindo e inúmeras espécies estão desaparecendo. Em termos ambientais, a alta densidade da população humana tem impactos muito negativos para os ecossistemas e a biodiversidade. Em artigo anterior (Alves, 11/06/2014) mostrei que existe uma relação crescente entre a densidade demográfica e o déficit ambiental.

Evidentemente, não se pode culpar simplesmente as populações pobres pelo desastre ecológico. A concentração de renda e o consumo conspícuo tem papel central na degradação do meio ambiente. Mas não se deve ignorar que o crescimento populacional mundial serve de estímulo para a crescente produção de bens e serviços e tem ocorrido em detrimento da biodiversidade. Crescimento muito rápido da população e da densidade demográfica em países com baixo IDH, em geral, dificulta o processo de redução da pobreza e de melhoria das condições de vida.

Segundo Costa Azariadis, no artigo “The theory of poverty traps: What have we learned?” (2004), um país encontra-se em círculo vicioso quando a situação de pobreza convive com baixos níveis de investimento em educação e saúde pública, quando existem altas taxas de mortalidade infantil, grande insegurança pública, baixa esperança de vida, reduzido tempo de vida dedicado ao trabalho produtivo, baixo investimento em infraestrutura e baixos investimentos em setores produtivos, ciência e tecnologia, etc. A armadilha da pobreza seria uma situação em que o alto crescimento do número de pessoas pobres e um crescente densidade demográfica dificultariam a redução da percentagem da população pobre do país.

Azariadis considera que para sair da armadilha da pobreza é preciso garantir uma boa governança, manter a estabilidade institucional, combater os governos cleptomaníacos, aumentar os investimentos em políticas públicas de educação, saúde e habitação, reduzir as taxas de mortalidade infantil e de fecundidade, aumentar o percentual da população em idade ativa, aumentar a esperança de vida, aumentar as taxas de poupança e investimentos, aprofundar a base técnica para a produção de bens e serviços e para a maior geração de empregos e proteção social, etc. Somente com mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais se pode passar do círculo vicioso para o círculo virtuoso do desenvolvimento humano e ambientalmente sustentável.

A revista F&D, do FMI, de junho de 2016, discute a tendência atual de interrupção do crescimento econômico da África após o superciclo das commodities. Artigo de Steven Radelet mostra que o crescimento econômico da África foi diferenciado entre os países e que “Over the next few years, growth will probably remain moderate across the region, and the pace of overall development progress is likely to slow. In some countries, especially those reliant on a few commodity exports, the slowdown could be quite significant”.

Ou seja, a perspectiva é que o crescimento econômico da África desacelere, enquanto o crescimento demográfico vai continuar durante todo o século. A disjunção entre os ritmos de crescimento econômico e populacional pode gerar muitos problemas no futuro e acirrar a crise emigratória e os conflitos ambientais. E se o IDH dos países pobres sobe quem sofre é o meio ambiente.

Em artigo sobre o “dividendo demográfico” na África, publicado no site da União Internacional de Estudos de População (IUSSP), Jane O’Sullivan e Roger Martin falam sobre a necessidade da queda da fecundidade para a redução da pobreza. Eles dizem: “High population growth is the main engine of impoverishment in Africa, and ending population growth is an absolute requirement for sustainable prosperity. Why must these simple facts be mired in such subterfuge?”.

Assim, a transição demográfica e a janela de oportunidade são fatores que ajudam na saída da armadilha da pobreza e a melhorar os índices de sustentabilidade ambiental, evitando o aumento exagerado da densidade populacional. Para o avanço econômico, social e ecológico seria preciso romper com as “estacas culturais pronatalistas” que dificultam a universalização dos direitos sexuais e reprodutivos. Condição para que as taxas de fecundidade fiquem abaixo do nível de reposição, sinalizando para uma redução na densidade demográfica futura.

Referências:

ALVES, JED. A densidade populacional e a visão de Zygmunt Bauman, Ecodebate, RJ, 02/05/2014

ALVES, JED. Densidade demográfica e déficit ambiental. Ecodebate, RJ, 11/06/2014

ALVES, JED. A lenta transição demográfica da África Subsaariana, Ecodebate, RJ, 22/04/2016

The Globalist. The Most Populous State in the World. One Indian state has more people than Brazil, 07/06/2016

O’SULLIVAN, J. MARTIN R. The risk of misrepresenting the demographic dividend, IUSSP, Paris, 18/04/2016

Steven Radelet. Africa’s Rise Interrupted? Finance & Development, June 2016, Vol. 53, No. 2
http://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2016/06/radelet.htm

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, 15/06/2016

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