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Agricultura sinantrópica, parte I, artigo de Roberto Naime

 

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[EcoDebate] ANDRADE e PASINI (2014) descrevem oportunizou o registro da aplicação dos princípios da Agricultura Sintrópica de Ernst Götsch, na implantação e manejo de um experimento agroflorestal.

O objetivo foi demonstrar estratégias de recuperação de solos com fortes indícios de degradação por meio de técnicas que privilegiam a sucessão das espécies. Foram feitos consórcios complexos com espécies estratégicas como a acácia, buscando alcançar as condições ideais, sem o uso de insumos mas sim por meio de processos.

Com isso é possível reintegrar o homem ao ambiente do qual ele faz parte, ressignificando a função do agricultor cuja intervenção resulta no aumento de recursos em todos os níveis.

Após dois anos de experimento, a regeneração natural foi visivelmente estimulada, foram colhidas 28t de mandioca por hectare e as espécies madeireiras estão estabelecidas e, em um futuro breve, o ambiente herdará uma agrofloresta capaz de evoluir por sua própria dinâmica.

ANDRADE e PASINI (2014) asseveram que ao redor de todo o mundo, agricultores e pesquisadores desenvolvem soluções e práticas sustentáveis diariamente. Apesar disso, as ciências da sustentabilidade, por serem uma área cuja sistematização é ainda relativamente recente, requerem o amadurecimento de seu corpo teórico de modo a se tornar capaz de responder às questões urgentes de nosso tempo.

Em meio a tantos esforços e tantas controvérsias em torno das técnicas e tecnologias, podemos assegurar que a única certeza que podemos ter é a de que uma boa definição de agricultura sustentável emergirá da identificação do denominador comum extraído de experiências reais.

Para isso, apresentar a história de como foram alcançados resultados bem sucedidos se mostra peça fundamental na construção da base teórica e prática que dará suporte às ciências da sustentabilidade, contribuindo dessa forma para a transição em direção a uma agricultura realmente sustentável.

Também não podemos deixar de considerar que se vive hoje uma importante fase da chamada “era da informação”, em que a validação do conhecimento está intimamente ligada à sua difusão e o aprimoramento de ambos os processos é amplamente exigido.

Em um contexto de novas mídias e redes colaborativas, ideias inovadoras comunicadas de forma eficiente têm o potencial de alcançar resultados compatíveis com a velocidade, o alcance e a intensidade de nosso tempo.

A experiência de acompanhamento da implantação de uma área de cultivo em terras degradadas, segundo os métodos desenvolvidos por Ernst Götsch, procurando, eventualmente, constatar a eficiência não só de seu projeto e implantação, mas também das decisões e intervenções que seriam feitas durante o manejo da área.

Tanto o trabalho em campo quanto o trabalho de divulgação continuam em andamento e aqui procuraremos compartilhar parte das observações e resultados alcançados até o momento. Ernst Götsch é um agricultor e pesquisador suíço que migrou para o Brasil no começo da década de 80 e se estabeleceu em uma fazenda na zona cacaueira do sul da Bahia.

Desde então, vem desenvolvendo técnicas de recuperação de solos por meio de métodos de plantio que mimetizam a regeneração natural de florestas. Com o acúmulo de mais de três décadas de trabalho que resultaram na recomposição de 410 hectares de terras degradadas, Götsch elaborou um conjunto de princípios e técnicas que viabilizam integrar produção de alimentos à dinâmica de regeneração natural de florestas, sempre complexificando sistemas, ao que convencionou chamar de Agricultura Sintrópica.

Embora o trabalho de Ernst Götsch tenha se tornado extensamente conhecido por meio de mídias, cursos e consultorias, ainda há profundo desconhecimento do que sejam Sistemas Sintrópicos. Segundo Götsch, para se estabelecer tal sistema 5% do trabalho está em sua implantação e 95% no manejo.

Desta forma, foi essencial realizar esta experiência na Bahia para assim assegurar a precisão dos dados e a garantia da aplicação dos princípios da Agricultura Sintrópica, já que o próprio criador do conceito seria o responsável pela manutenção e manejo da área. Para o início do projeto, Ernst Götsch selecionou uma área experimental de 1.140m2 que se encontrava em pousio há 80 anos, e cuja vegetação e solo denunciavam alto grau de degradação.

Pesquisando o histórico da área escolhida para a experiência, tomou-se conhecimento de que lá predominavam originalmente as características de Floresta Ombrófila Densa sub-montana, até que em 1925 iniciou-se a derrubada e queima dessa mata para o plantio de mandioca.

Entre os anos de 1930 a 1940 relatos dos moradores apontam que a área foi destinada à pastagem de equinos e manejada anualmente com fogo. A partir de 1941 até o ano de 2012, foi deixada em pousio, sem registros de fogo, segundo testemunho dos vizinhos próximos e do próprio Ernst Götsch.

A vegetação no momento da implantação da experiência era constituída aproximadamente por: 70% de feto-de-gaiola com até dois metros de altura, 1% de tiririca-navalha, 19% de árvores e arbustos, com até seis metros de altura, sendo que estas últimas não conseguiam sobreviver a ponto de produzir sementes, o que Götsch atribuía à baixa resiliência do sistema, incapaz de dar um novo passo no caminho da complexificação.

Essa hipótese foi fundamental para orientar as tomadas de decisões durante o processo. A partir dessa lógica foram determinadas tanto a escolha das técnicas de plantio quanto a seleção das espécies que iriam compor o sistema, como explicaremos mais adiante. As características do solo correspondem às identificadas por Fabiana M. Peneireiro como “solos latossólicos e podzólicos argilosos com alto grau de intemperização, profundos, ricos em óxido de ferro e alumínio, considerados pouco férteis, derivados de rochas gnaissicas e graniticas de planalto cristalino, do período Pré-Cambriano” (PENEIREIRO, 1999).

A análise de solo indicou pH 4.9. Segundo Götsch, a região fora considerada não propícia e não recomendada para o cultivo de cacau segundo o mapa das terras da zona cacaueira feito pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC).

Foram usadas espécies fundamentais para sucessão natural, contribuindo para que o sistema adquira a resiliência necessária para voltar a ser capaz de abrigar espécies mais exigentes. “Não existem inimigos quando compreendemos a função de cada participante do sistema. É a falta de compreensão que faz com que existam preconceitos contra o eucalipto e a acácia” (GÖTSCH, 2012).

Passados dois meses da implantação, foi possível constatar o sucesso do estabelecimento das mudas de eucalipto e acácia. Apesar da comprovada presença de formigas cortadeiras, não houve ataques às plantas. Algumas das árvores começavam a nascer, os feijões desenvolviam-se bem e aqui ressalta-se a importância do manejo.

Nessa fase as intervenções de manutenção foram realizadas semanalmente e consistiam, basicamente, na retirada dos poucos brotos de regeneração de feto-de-gaiola e na poda do feijão-de-porco sempre que este ultrapassa a altura da maniveira. Nesses dois primeiros meses o feijão-de-porco foi podado duas vezes. Götsch não viu essa mesma necessidade para o feijão carioquinha pois, como seu ciclo é mais curto, ele não iria atrapalhar o desenvolvimento da mandioca, podendo inclusive valer-se dela como tutor.

Em resumo, o sistema sinantrópico privilegia o manejo como forma de recuperar naturalmente ambientes degradados com espécies que se prestam a exercer funcionalidades que tem que ser recuperadas.

Referências:

PENEIREIRO, F. M. Sistemas Agroflorestais dirigidos pela sucessão natural: um estudo de caso, São Paulo. 1999. 13 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Florestais) – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Piracicaba. 1999.

GÖTSCH, E. Projeto Agenda Götsch, Bahia, 2012. Disponível em http://agendagotsch.com/texts/, acesso em: 10 agosto 2014.

ANDRADE, Dayana Velozo Pastor PASINI, Felipe dos Santos. Implantação e Manejo de Agroecossistema Segundo os Métodos da Agricultura Sintrópica de Ernst Götsch. Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 – Vol 9, No. 4, Nov 2014

 

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

 

in EcoDebate, 03/05/2016

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6 thoughts on “Agricultura sinantrópica, parte I, artigo de Roberto Naime

  • max william silva

    Ha mais de 10 anos eu tinha uma propriedade em itaberai GO. Eu tinha uma erosao de aproximadamente de 24000 m2 a minha terra so tinha 10 alqueires eu pencei eu vou reflorestar essa erosao como nao tinha dinheiro eu fiz o seguinte nao mais rocei a arosao , com treis anos apenas ja estava virando uma floresta com as arvores caracteristicas da regiao e os passaros tabem ajudaram apos os dois anos pois eles traziam sementes no corpo e nos bicos para reflorestarem este espaço.

  • Bom dia Max

    É mais ou menos esta a idéia…

    Grande abs…

    RNaime

  • GOSTARIA DE SABER MAIS A RESPEITO!!!SE TEM ALGUM CURSO SOBRE ESSE SISTEMA MAS NÃO POSSUO SENHA DE EMAIL SE POSSIVEL ENVIAR ALGO NA MEU FACE ANDRE LUIZ MALARA MALARA TENHO PEQUENAS PROPRIEDADES IMPRODUTIVAS E GOSTARIA DE COMEÇAR A PRODUZIR NESSE SISTEMA !!!! MUITO OBRIGADO!!!!

  • André,

    Alem dos artigos desta série, recomendamos que conheça as obras citadas nas referências.

    Atenciosamente

    Redação do Portal EcoDebate

  • Rosane de Paula Nogueira

    Durante a novela Velho Chico desde o início me interessei pela paisagem: o rio,a plantação e mais ainda quando foi falado sobre Agricultura sinantrópica e resolvi ler sobre o assunto. E sempre que tiver tempo pretendo ler mais. Muito bom. Parabéns !

  • Márcia Regina Crestani

    Boa Tarde
    Estou me inscrevendo para um mestrado e gostaria de utilizar seu trabalho como referencia bibliográfica ficarei imensamente feliz se me autorizar obrigado

Fechado para comentários.