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Artigo

A ressurreição de Cecil, artigo de Raimundo Nonato Brabo Alves

 

Leão Cecil. Foto: BBC

 

[EcoDebate] A matéria de maior repercussão nas redes sociais nos últimos dias foi a caçada ao leão Cecil, no Zimbábue. Cecil por ironia é o mesmo nome do colonizador inglês Cecil Rhodes que no século XIX explorou a região com fins de mineração. Mas chama a atenção a repercussão da matéria pela caçada de um animal e pelo fato de referir-se ao esquecido continente africano.

O mundo não tem se importado com a matança de milhares de animais como outros leões, de elefantes apenas para a retirada de suas presas como marfim, de rinocerontes, isso no continente africano. Com a matança de focas no Ártico para retirada de suas peles, não poupando nem as que estão amamentando os filhotes. Nos oceanos, com a matança de baleias. Na Amazônia, com a matança do boto-cor-de-rosa, somente para preparo de isca para pescaria de peixes nobres.

O mundo só se mobilizou pelas redes sociais, por que Cecil além de um famoso representante dos reis das selvas, sua morte também resgatou no imaginário da população o inesquecível “Simba” da animação que conquistou o mundo em 1994, The Lion King da Walt Disney Picture, no Brasil denominada de “Rei Leão”. Centenas de leões foram abatidos recentemente no continente africano, mas a caçada de Cecil só veio ao conhecimento público pelo fato de ele portar uma pulseira eletrônica, cujo monitoramento era feito por um projeto de estudo da Universidade de Oxford.

A ameaça a espécies em risco de extinção é tamanha que começam a serem abatidos animais monitorados pela ciência, com risco de não se conhecer o comportamento das espécies antes de serem extintas. Ao contrario de “Simba” da ficção de animação, Cecil só ficou popular em todo o mundo depois de morto. Simultaneamente seu algoz “caçador” vem sendo execrado pelas redes sociais, como se portasse a partir do ato de sua insensatez, uma pulseira eletrônica invisível.

Enquanto na África a caça é uma das principais ameaça a fauna, no Brasil o tráfico internacional de animais silvestre é a grande preocupação. Atenção ao assunto foi dada no livro Amazônia: do verde ao cinza:

Segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (2002), o tráfico de animais silvestres é o terceiro comércio ilegal do mundo, perdendo apenas para o tráfico de armas e drogas. Esses dois últimos, segundo especialistas, se misturam tanto que são encarados como um só. O tráfico de animais movimenta cerca de US$ 10 bilhões ao ano, sendo o Brasil responsável por aproximadamente 10 % desse mercado. Por se tratar de uma atividade ilegal e por não existir uma agência centralizadora das ações contra o tráfico no País, os dados reais sobre esse comércio ilegal são difíceis de serem calculados. A Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (2002) estima que o tráfico e a matança de animais silvestres no Brasil sejam responsáveis pela morte anual de 38 milhões de espécimes da natureza. De cada dez animais capturados, apenas um chega ao seu destino final, os outros nove acabam morrendo no momento da captura ou durante o transporte.

Além de ter sua biodiversidade ameaçada, o Brasil perde anualmente com o tráfico uma quantia financeira incalculável e perde, ainda, uma gama irrecuperável de seus recursos genéticos. Só o mercado mundial de hipertensivos movimenta anualmente cerca de US$ 500 milhões e o princípio ativo desses medicamentos é retirado de algumas serpentes brasileiras, como a jararaca (Bothrops jararaca). A cotação internacional dos venenos ofídicos é altíssima: um grama de veneno de jararaca vale US$ 433,70 e do veneno da cascavel (Crotalus durissus terrificus), US$ 301,40.

O mercado interno de animais comercializados ilegalmente movimenta muito pouco se comparado ao mercado externo. Os valores alcançados internamente dificilmente ultrapassam a casa dos US$ 200,00 por animal, enquanto no mercado internacional, esses mesmos animais atingem facilmente valores na casa de dezenas de milhares de dólares. O mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) é vendido internamente por R$ 500,00 e, na Europa, é facilmente comercializado por US$ 20.000,00. O melro (Gnorimopsar chopi) é encontrado nas feiras livres do Sul do País por R$ 80,00 e, nos Estados Unidos, por US$ 2.500,00. Quanto mais ameaçada de extinção for a espécie, maior a sua cotação entre os milionários colecionadores da Europa e dos Estados Unidos.

Quanto ao continente africano, não sensibiliza e nem repercute nas redes sociais as notícias de epidemias como o Ebola, a fome crônica e endêmica de sua população especialmente de crianças, as carnificinas perpetradas por ditadores tirânicos, alguns fomentados em armas por países ditos de “primeiro mundo”. A opressão sobre as populações autóctones é insuportável, a ponto de o continente africano se transformar no epicentro de migrações aos países da Comunidade Europeia, num característico “efeito bumerangue”.

Verifica-se que nestes eventos aparentemente dissociados, cadeias poderosas se complementam. A do tráfico internacional de animais silvestres, de caça aos mesmos animais e a do tráfico internacional de armas, contribuindo para desestruturação do tecido social e simultaneamente com a degradação ambiental. Enquanto Cecil passou 40 horas em seu martírio, o continente africano vem há séculos agonizando, com vergonhoso genocídio de sua população humana e extinção de seu reino animal, para promover a “qualidade de vida” do dito “primeiro mundo”.

Raimundo Nonato Brabo Alves
Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental

Fonte:
Amazônia: do verde ao cinza
http://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/bitstream/doc/410164/1/LivroamazoniaverdeONLINE.pdf

 

in EcoDebate, 07/08/2015

[cite]


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3 thoughts on “A ressurreição de Cecil, artigo de Raimundo Nonato Brabo Alves

  • Cecil não era tão famoso, mas era famoso antes de sua morte também… ele era o leão símbolo do Hwange National Park do Zimbábue. Nisso parecia mais o leão Alex do Madagascar (que é o símbolo do Zoo do Central Park) que com o Simba.

  • Paulo Jose´Penalva Mancini

    Grato pelo texto Raimundo Nonato.

  • Lamentavelmente, havemos de admitir que a destruição descrita no artigo que ora comentamos continuará até quando todas as espécies não humanas forem exterminadas. Só então o capitalismo se dará conta de que toda a espécie humana também será exterminada.

Fechado para comentários.