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MP 651 e o fim dos lixões: a nova história grega da política ambiental. Entrevista com Antonio Silvio Hendges

 

“Como na história grega, a MP 651 traz este conteúdo estranho à sua redação e objetivos originais, e por este motivo é chamada de ‘Cavalo de Troia dos lixões’”, adverte o biólogo.

Foto: api.ning.com

“Não considero vantajosa para a sociedade a ampliação dos prazos aos lixões”, afirma Antonio Silvio Hendges em entrevista por e-mail à IHU On-Line, ao comentar a Medida Provisória 651, que amplia o prazo para o fechamento dos lixões até 2018. A desaprovação à MP 651 é justificada pelo tempo em que a erradicação dos lixões é discutida no país.

Segundo Hendges, “a PNRS esteve em debate durante 19 anos antes de sua aprovação — desde 1991 — e mais quatro anos para sua implantação, ou seja, foram 23 anos para que os municípios se adequassem”. A prorrogação para os municípios erradicarem os lixões terá implicações graves, porque “enquanto existirem lixões não haverá coleta seletiva, responsabilidade compartilhada, logística reversa, organização dos trabalhadores com materiais recicláveis/reutilizáveis — catadores e valorização econômica dos resíduos”. De acordo com ele, atualmente o Brasil “perde anualmente cerca de R$ 8 bilhões por não ter políticas públicas voltadas à gestão adequada dos resíduos, isto sem citar os problemas ambientais e de saúde públicas decorrentes. Portanto, a ampliação do prazo aos lixões é uma irresponsabilidade coletiva dos que pretendem esta ação”.

Hendges esclarece que o texto original da MP 651 “não tinha nenhuma ligação com o tema dos resíduos sólidos”, mas “os deputados introduziram este tema. Portanto, a MP 651/2014foi alterada para constar a prorrogação dos prazos para que os municípios façam seus planos de resíduos e também substituam os lixões atualmente existentes por aterros sanitários adequados para disposição somente dos rejeitos”. Na avaliação dele, a “falta de planejamento da gestão dos resíduos e a inexistência de planos municipais e regionais que estabeleçam os princípios, objetivos, diretrizes e responsabilidades dos diversos setores produtivos” dificultaram o cumprimento do prazo de erradicação dos lixões, previsto para este ano. E acrescenta: “O lixo é um problema ambiental, mas também social e precisa de políticas específicas e contínuas para sua solução”.

Antonio Silvio Hendges é graduado em Biologia pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI, Santa Catarina, e especialista em Auditorias Ambientais pela Universidade Candido Mendes, RJ. É articulista do Portal EcoDebate, professor e consultor em educação ambiental, gestão sustentável de resíduos sólidos e auditorias ambientais.

 

Foto: EBC

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que consiste a MP 651? Em que contexto ela foi criada?

Antonio Silvio Hendges – A Medida Provisória 651/2014 em seu texto original não tinha nenhuma ligação com o tema dos resíduos sólidos, mas com a desoneração da folha de pagamento para diversos setores produtivos, materiais destinados aos usos médicos, laboratoriais e hospitais públicos ou privados com isenção tributária e reorganização das dívidas das empresas com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. Foi nas Comissões da Câmaraque os deputados introduziram este tema. Portanto, a MP 651/2014 foi alterada para constar a prorrogação dos prazos para que os municípios façam seus planos de resíduos e também substituam os lixões atualmente existentes por aterros sanitários adequados para disposição somente dos rejeitos. Como na história grega, a MP 651 traz este conteúdo estranho à sua redação e objetivos originais, e por este motivo é chamada de “Cavalo de Troia dos lixões”.

IHU On-Line – Por quais razões a MP 651 possibilita que os municípios não cumpram as diretrizes atuais da Política Nacional dos Resíduos Sólidos?

Antonio Silvio Hendges – A lei 12.305/2010, que estabeleceu a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, determinou que os municípios realizassem os seus planos municipais até agosto de 2012 e extinguissem os lixões até agosto de 2014. No entanto, a maioria dos municípios não cumpriu estes prazos alegando dificuldades financeiras e/ou técnicas, e por este motivo eles perderão o acesso aos recursos da União e Estados destinados à limpeza urbana. A MP 651 altera estes prazos para 2016 e 2018, respectivamente, concedendo mais quatro anos para que os municípios cumpram a legislação.

Importante destacar que a PNRS esteve em debate durante 19 anos antes de sua aprovação — desde 1991 — e mais quatro anos para sua implantação, ou seja, foram 23 anos para que os municípios se adequassem. Com mais este prazo que se pretende conceder são quase 30 anos para o início da resolução deste problema. Realmente um prazo longo e injustificável para se resolver com a urgência necessária a gestão ambiental adequada dos resíduos no território brasileiro.

“Quanto aos municípios, embora afirmem esta necessidade, também não apresentam nenhuma garantia de que cumprirão os prazos desta vez”

IHU On-Line – Por quais razões é tão difícil erradicar os lixões?

Antonio Silvio Hendges – Principalmente pela falta de planejamento da gestão dos resíduos e a inexistência de planos municipais e regionais que estabeleçam os princípios, objetivos, diretrizes e responsabilidades dos diversos setores produtivos, assim como dos consumidores e dos poderes públicos quanto às suas atribuições. As dificuldades dos municípios em dialogar e formar consórcios, muitas vezes por questões políticas locais ou (des)interesses dos administradores, também é um fator que dificulta a erradicação dos lixões. A Política Nacional de Resíduos Sólidos tem como base a responsabilidade compartilhada, mas esta ação precisa ser planejada, institucionalizada e fiscalizada, substituindo as ações imediatistas e individualizadas que atualmente possibilitam a existência de aproximadamente 2.700 lixões no país. O lixo é um problema ambiental, mas também social e precisa de políticas específicas e contínuas para sua solução.

IHU On-Line – Quais as vantagens e desvantagens de ter sido prorrogado até 2018 o prazo para a erradicação dos lixões? Apesar de possibilitar que os municípios tenham mais tempo para tratar dessa questão, quais são as implicações dessa medida no sentido de que adia a resolução de um problema?

Antonio Silvio Hendges – Conforme mencionado acima, a PNRS está em debate desde 1991 e foi aprovada após um amplo debate com a sociedade. Neste sentido, a alegação de que foi pouco tempo os quatro anos concedidos para sua implantação não se justifica. Por este motivo, não considero vantajosa para a sociedade a ampliação dos prazos aos lixões.

Enquanto existirem lixões não haverá coleta seletiva, responsabilidade compartilhada, logística reversa, organização dos trabalhadores com materiais recicláveis/reutilizáveis — catadores e valorização econômica dos resíduos. O Brasilperde anualmente cerca de R$ 8 bilhões por não ter políticas públicas voltadas à gestão adequada dos resíduos, isto sem citar os problemas ambientais e de saúde públicas decorrentes. Portanto, a ampliação do prazo aos lixões é uma irresponsabilidade coletiva dos que pretendem esta ação. E, ao findarem os prazos concedidos, não serão solicitadas novas ampliações em um ciclo que pode inviabilizar a PNRS, inclusive quanto ao desenvolvimento de tecnologias adequadas? Portanto, não é vantajosa para a sociedade esta ampliação. Quanto aos municípios, embora afirmem esta necessidade, também não apresentam nenhuma garantia de que cumprirão os prazos desta vez.

IHU On-Line – De que outras maneiras a MP 651 atrapalha a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos?

Antonio Silvio Hendges – Além de premiar a falta de ação dos municípios que ignoraram as diretrizes legais, a MP 651 não garante que nos próximos anos a implementação da PNRS seja uma prioridade, constituindo-se simplesmente em uma postergação das obrigações atuais. Possivelmente, os municípios não terão como prioridade adequarem-se no novo prazo e contarão com novos adiamentos, ou seja, ao invés de se organizarem para cumprir a legislação, poderá acontecer uma mudança nas suas políticas públicas, com ações mais circunstanciais e imediatistas que o planejamento de longo prazo exigido para a gestão ambientalmente adequada dos resíduos. Os lixões continuarão contaminando os solos e os recursos hídricos e isso aumentará os custos e passivos ambientais, dificultando ainda mais a adequação. Quanto maior o prazo estabelecido, maiores serão os problemas a serem resolvidos e isso certamente terá custos financeiros, ambientais e sociais que toda a sociedade terá que pagar e que serão muito superiores aos necessários atualmente.

IHU On-Line – Qual é o impacto da MP 651 para os catadores?

Antonio Silvio Hendges – Os trabalhadores com materiais recicláveis/reutilizáveis são totalmente ignorados na MP 651, e o não cumprimento dos prazos legais demonstra a falta de compromisso dos legisladores com estes profissionais, que, embora contribuam para a limpeza urbana, a saúde pública e a economia, na maioria dos municípios brasileiros não recebem nenhum incentivo e muitas vezes ainda são marginalizados e/ou tratados com preconceito. Onde há lixões não há coleta seletiva, compostagem, cooperativas, tecnologias, incentivos e dignidade, transformando os catadores em marginais ao invés de profissionais inseridos nos sistemas produtivos. A MP 651 reforça a exclusão e a invisibilidade social destes trabalhadores, tornando-os ainda mais vulneráveis e marginalizados.

“A MP 651 não garante que nos próximos anos a implementação da PNRS seja uma prioridade”

IHU On-Line – O que a prorrogação do prazo para erradicar os lixões demonstra sobre a agenda ambiental brasileira e a relevância dessa temática entre os políticos?

Antonio Silvio Hendges – Há um descompasso entre os interesses da população e dos administradores públicos municipais e a maioria dos Deputados que buscam postergar as soluções sem nenhuma compensação à sociedade, alterando desta forma a agenda ambiental para beneficiar os interesses localizados, a falta de planejamento, investimentos e capacitação para gestão e gerenciamento adequado dos resíduos sólidos. É claro que uma alteração nos prazos da PNRStem implicações negativas sobre toda a agenda ambiental do país, inclusive na preservação e disponibilidade dos recursos hídricos, atualmente uma das principais preocupações da população brasileira. Ao alterarem as normas e os prazos, os deputados demonstraram um total descompromisso com o meio ambiente, premiando a falta de iniciativa e de seriedade para com as questões ambientais.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Antonio Silvio Hendges – Para sua transformação definitiva em lei federal, a MP 651/2014 ainda precisa ser aprovada no Senado e depois sancionada pela Presidência da República, mas sua aprovação na Câmara acende um claro sinal de alerta de que existem interesses e argumentos contrários às diretrizes atuais quanto aos resíduos sólidos. O oportunismo sem compromissos com a sustentabilidade também fica evidente na forma como foi introduzida esta proposta em uma MP sem nenhuma relação com o tema dos resíduos, aproveitando-se do fato de que se não for aprovada em tempo hábil perde a validade. Explicando melhor: ao fazerem isto, os senhores deputados colocaram em risco todos os benefícios econômicos concedidos pela MP 651/2014 aos setores produtivos beneficiados, além de constrangerem os Senadores, que também precisam votar esta matéria, e a Presidência da República, que precisa sancionar ou vetar.

(EcoDebate, 07/11/2014) publicado pela IHU On-line, parceira editorial do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


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2 thoughts on “MP 651 e o fim dos lixões: a nova história grega da política ambiental. Entrevista com Antonio Silvio Hendges

  • Prezados
    Tanto barulho pra nada, já ouve tempo suficiente para isso, a falta de infra não justifica, nada justifica, esta faltando pulso firme, o lixo ironicamente não tem seu lugar garantido na sociedade, como será o futuro do lixo, e dos filhos dos catadores, seguirão a profissão?, o povo brasileiro será que merece isso?

  • MARCOS PAIXÃO LEMOS

    Artigo sensacional e reflete o retrato da morosidade ambiental no pais, como ações de âmbito socioeconômico e ambiental estão atrelados á inércia. Não adianta o país ser avançado em leis ambientais no aspecto quantitativo, se não há funcionalidade e praticidade. PARABÉNS PELO ARTIGO E AVANTE…ABRAÇO!

Fechado para comentários.