EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Ditadura dizimou milhares de indígenas

 

Brasília, 23/04/2013 – Um grupo de índios xavantes, que vivem na Terra Indígena Marãiwatsédé, no norte de Mato Grosso, entregou a representantes da Comissão Nacional da Verdade um documento em que relatam episódios de violações aos seus direitos ao longo de décadas
Brasília, 23/04/2013 – Um grupo de índios xavantes, que vivem na Terra Indígena Marãiwatsédé, no norte de Mato Grosso, entregou a representantes da Comissão Nacional da Verdade um documento em que relatam episódios de violações aos seus direitos ao longo de décadas. Foto de Antonio Cruz/ABr/Portal Terra

 

Um dos capítulos mais tristes do período ditatorial e que aos poucos está vindo à tona é o massacre contra os povos indígenas. Os índios são apenas 0,47% da população brasileira. Ainda assim, mais indígenas morreram por decisões da ditadura do que as vítimas de outros grupos, armados ou não. “É preciso fazer ‘O Brasil: Nunca Mais’ dos povos indígenas”, afirma Marcelo Zelic, colaborador da Comissão Nacional da Verdade.

Agressões contra os indígenas foram generalizadas em todo o país, entretanto, se fizeram mais fortes na Amazônia. Recentemente veio a público o Relatório Figueiredo. O relatório confirma o genocídio de dois mil indígenas waimiri atrori, o impacto irreparável à população tenharim e a quase dizimação dos povos jiahui.

O levantamento sobre as ações dos governos militares na Amazônia faz parte de uma investigação feita em duas ações civis públicas do Ministério Público Federal no Amazonas (MPF-AM). A investigação aponta que os militares, a pretexto de “ocupar uma terra sem homens” (Amazônia), foram responsáveis pela morte de milhares indígenas durante a construção das BR-174 (Manaus-AM/Boa Vista-RR) e a BR–230, a Rodovia Transamazônica.”

A invasão do território também trouxe consequência na estrutura da vida por causa dos prejuízos ao solo e atividades agrícolas. Até na caça, pela destruição da fauna, os tenharim tiveram que mudar seus costumes, segundo a pesquisa antropológica exposta na ação do MPF. Muitos indígenas morreram por causa de epidemias de sarampo, catapora – doenças trazidas por operários.

A Transamazonica causou, ainda, a destruição de cemitérios indígenas. “O progresso e o desenvolvimento idealizados com a rodovia não pressupuseram uma convivência em harmonia e respeito aos povos indígenas. Isso conduziu a desestruturação étnica de povos como os tenharim e jiahui, a homogeneizacão de culturas, a divisão de territórios e a provocação de tensões na região de Humaitá, Manicoré e Apui”, afirma trecho da ação.

Em outro trecho, o MPF indica: “A perspectiva homogeneizante colocou-se em primeiro plano, não se oferecendo qualquer alternativa àqueles que ousassem enfrentá-la (…) O resultado dessa perspectiva é a ocorrência de danos aos povos indígenas, os quais se prolongam no tempo em razão da omissão de adoção de medidas reparatórias”.

Recentemente a “nova descoberta” aterradora é o de que a ditadura criou campos de concentração indígenas. De 1969 até meados da década de 1970, a Fundação Nacional do Índio (Funai) manteve silenciosamente em Minas Gerais dois centros para a detenção de índios considerados “infratores”. Para lá foram levados mais de cem indígenas de dezenas de etnias, oriundos de ao menos 11 estados das cinco regiões do país. O Reformatório Krenak, em Resplendor (MG), e a Fazenda Guarani, em Carmésia (MG), eram geridos e vigiados por policiais militares sobre os quais recaem diversas denúncias de torturas, trabalho escravo, desaparecimentos e intensa repressão cultural. Os presos incluíam até mesmo aqueles que lutavam contra a invasão de áreas hoje oficialmente reconhecidas como território indígena.

Índios vivem hoje situação parecida com a da ditadura

O mais triste dessa história é que os métodos utilizados no período autoritário continuam. Antes era PIN, agora PAC, mas vale a lógica expressa pelo ex-governador de Roraima à época da ditadura: “Uma área rica como essa, com ouro, diamantes e urânio não pode dar-se ao luxo de conservar meia dúzia de tribos indígenas que estão atrasando o desenvolvimento do Brasil” (gen. Fernando Ramos Pereira – O Estado de S. Paulo, 1.mar.1975).

“A atual política indigenista brasileira permanece nos moldes deixados pela ditadura militar”, afirma Egydio Schwade em entrevista ao IHU.

É exemplar o caso da hidrelétrica de Belo Monte: as obras seguem sem respeito ao rito legal que prevê consultas prévias e compensações aos povos indígenas afetados. Questionamentos judiciais à construção são barrados com base no mecanismo de “suspensão de segurança”, criado na ditadura, pelo qual o Executivo derruba decisões do Judiciário sob alegação de “ocorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”. Para os índios, o regime autoritário, iniciado em 1964, ainda sobrevive na lógica desenvolvimentista, no descaso por seus direitos e no uso de leis daquele tempo.

“Os índios que foram, como outros resistentes, enquadrados pelo regime militar como casos de segurança nacional, hoje, no regime democrático, continuam perseguidos. A Constituição de 1988, que proclama seus direitos, está sob constante ameaça de uma fortíssima bancada do agronegócio no Congresso”, afirma Manuela Carneiro da Cunha, professora da Universidade de Chicago e estudiosa da questão indígena no Brasil.

O mesmo pensamento é partilhado por Maria Rita Kehl que lidera o núcleo da Comissão da Verdade que investiga as agressões aos índios na ditadura. Maria Rita tem viajado o país para colher depoimentos de indígenas e segundo ela, “os índios vivem hoje situação parecida com a da ditadura”.

Afirma Maria Rita Kehl: “Acho estranho um país como o nosso ter como principal ponta de crescimento a agricultura, não a de alimentos, mas a de commodities, como soja, cana e milho. É nos estados dominados pelo agronegócio que os índios ainda hoje sofrem ameaças, despejos e assassinatos. O oeste do Paraná e o Mato Grosso do Sul, em especial, são regiões muito atingidas por isso. Morrem caciques, lideranças locais, e os crimes nunca são apurados, ninguém é condenado. Cria-se um clima de medo nessas regiões”.

Apesar de toda a perseguição e opressão, os índios resistem. Diz ela: “A situação deles é tão grave que você pode pensar: por que eles não ‘desistem’ de ser índios? Mas é uma questão de pertencimento cultural. Pense nos brasileiros exilados durante a ditadura: tudo que eles queriam era voltar. O índio não pode ser um exilado dentro do Brasil. É assim que se produz a condição que alimenta o preconceito”.

A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.

(EcoDebate, 19/04/2014) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

Nota do EcoDebate: em relação às violações de direitos humanos de indígenas pelo regime militar recomendamos que leiam, também, as matérias:

Integrante da Comissão da Verdade defende investigação de supostas violações contra índios

Filho de procurador que apurou crimes contra índios na ditadura diz que pai é personagem esquecido da história

Comissão da Verdade usará documentos históricos e depoimentos para apurar crimes contra indígenas

MPF apura violações cometidas contra indígenas durante o regime militar

Relatório que denuncia violência contra indígenas no período militar será analisado na Comissão da Verdade

Relatório ‘perdido’ expõe genocídio de índios brasileiros

Agentes do extinto serviço de proteção escravizavam índios, aponta Relatório Figueiredo

Relatório Figueiredo. ‘Exame de consciência de como o Brasil tratou e trata os povos indígenas’

Relatório Figueiredo, sobre crimes contra índios, é alerta para retrocesso na política indígena

Relatório Figueiredo revela que famílias tradicionais se apossaram de terras indígenas no MS


[ O conteúdo do EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.

Alexa

One thought on “Ditadura dizimou milhares de indígenas

  • A ditadura de 1964 foi instalada quando os povos primitivos do Brasil já estavam a mais de 400 anos sendo exterminados.
    Evidentemente, aquela ditadura haveria de pretender mostrar muito mais eficiência do que haviam mostrado aqueles que os antecederam através de todos esses séculos, desde o primeiro desembarque dos europeus, na costa da Bahia. Afinal, todos, desde os primeiros, e até a atualidade, são guiados pela proteção da Igreja Católica: juntar interesse econômico com dominação religiosa não poderia resultar em nada que prestasse, para os que aqui estavam. Depois, vieram negros, muitos negros, e houve a mistura das raças e a proliferação de uma grande massa de gente (?????????????) a ser explorada. E o final…

Fechado para comentários.