EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Aumentam as doenças crônicas entre indígenas do Xingu

 

Aumentam as doenças crônicas entre indígenas do Xingu
Antes raras ou inexistentes, elas agora apresentam índices preocupantes entre o povo Khisêdjê, indica estudo feito na Unifesp (foto: Gimeno e colaboradores)

 

Malária, infecções respiratórias e diarreias eram as principais causas de morte no Parque Indígena do Xingu (PIX), no Mato Grosso, em 1965 – época em que a Escola Paulista de Medicina (EPM), atualmente parte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), passou a responder pela saúde dos povos indígenas que lá vivem.

Hoje, a malária está sob controle e, embora as doenças infecciosas e parasitárias ainda sejam relevantes em termos de mortalidade, são os males crônicos não transmissíveis, como hipertensão, intolerância à glicose e dislipidemia (aumento anormal da taxa de lipídios no sangue), que estão em crescimento.

Conhecendo esse panorama, pesquisadores da EPM/Unifesp examinaram e entrevistaram 179 índios Khisêdjê, moradores da área central do parque do Xingu, no Mato Grosso, entre 2010 e 2011.

A análise dos resultados mostrou uma prevalência de hipertensão arterial de 10,3% em ambos os sexos, sendo que 18,7% das mulheres e 53% dos homens apresentaram níveis de pressão arterial considerados preocupantes.

“Para valores de pressão arterial iguais ou maiores a 140/90 mmHg como indicativos da presença de hipertensão arterial, pesquisas encontraram prevalências entre 22,3% e 43,9% na população geral do Brasil”, disse Suely Godoy Agostinho Gimeno, coordenadora do estudo com os Khisêdjê e pesquisadora do Departamento de Medicina Preventiva da EPM/Unifesp e do Instituto de Saúde da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo.

O estudo com os Khisêdjê foi realizado com apoio da FAPESP e do Projeto Xingu, iniciativa da Unidade de Saúde e Ambiente do Departamento de Medicina Preventiva da EPM/Unifesp.

Os Khisêdjê ainda não estão tão hipertensos como os demais brasileiros, mas o cenário é delicado, uma vez que tal condição era inexistente ou rara nas aldeias brasileiras até décadas atrás.

Já a intolerância à glicose foi identificada em 30,5% das mulheres (6,9% do total com diabetes mellitus) e em 17% dos homens (2% do total com diabetes mellitus). E a dislipidemia (aumento anormal da taxa de lipídios no sangue) apareceu em 84,4% dos participantes dos dois sexos.

“Examinamos os Khisêdjê anteriormente, entre 1999 e 2000. Comparando os dados daquela época com os mais recentes, percebemos um aumento significativo de todas essas doenças crônicas não transmissíveis. Outras pesquisas revelam que o mesmo aumento se aplica aos demais povos indígenas do Xingu e de outras áreas do país”, disse Gimeno.

De acordo com a pesquisadora, entre os fatores que vêm transformando o panorama entre os índios estão maior proximidade com os centros urbanos e intensificação do contato com a sociedade não indígena, com a incorporação de novos hábitos e costumes; aumento do número de indivíduos que exercem atividade profissional remunerada, abandonando práticas de subsistência tradicionais como agricultura, caça e pesca; e maior acesso a produtos e bens de consumo, como alimentos industrializados, eletroeletrônicos e motor de barcos (o que dispensa a necessidade de remar).

Os resultados foram informados aos Khisêdjê, individualmente e em grupo, e a equipe de saúde da Unifesp acompanha os casos que precisam de amparo médico.

Ainda assim, o quadro preocupa os pesquisadores, uma vez que o controle das doenças requer condições nem sempre disponíveis nas aldeias, como refrigeração (no caso da insulina), controle da dose e do horário dos medicamentos, controle regular da glicemia e da pressão arterial. Segundo Gimeno, “o estímulo e a garantia da preservação dos hábitos e costumes desses povos seriam medidas preventivas de grande valia”.

Excesso de peso

A coleta de dados para traçar o perfil nutricional e metabólico dos Khisêdjê foi realizada em diferentes períodos de 2010 e 2011, quando os pesquisadores passavam de 15 a 20 dias na aldeia principal desse povo, chamada Ngojwere.

As informações levantadas incluíram perímetros de braços, cintura e quadril; peso; altura; composição corporal (água, massa magra e massa gordurosa); pressão arterial; perfil bioquímico (por exames como o de glicemia); aptidão física; condição socioeconômica; consumo de alimentos e práticas agrícolas.

Outro resultado obtido por meio dessa análise foi a prevalência de excesso de peso (de sobrepeso ou de obesidade): 36% entre as mulheres e 56,8% entre os homens.

“Contudo, observamos que, particularmente entre os homens, tal prevalência se deve a uma maior quantidade de massa muscular e não de tecido gorduroso. Esse dado sugere que, para a população em questão, os critérios de identificação do excesso de peso não são adequados, uma vez que os indivíduos são musculosos, não obesos”, disse Gimeno.

A conclusão, de acordo com a pesquisadora, é corroborada pelos testes de aptidão física. “A maioria dos valores revela força muscular nos membros inferiores, resistência muscular nos membros superiores e no abdômen, flexibilidade e capacidade cardiorrespiratória. Comparados aos não indígenas, os Khisêdjê têm perfil ativo ou muito ativo, contrariando a ideia de que um possível sedentarismo estaria associado às doenças investigadas”, disse.

Uma hipótese (não comprovada empiricamente) que poderia explicar a controvérsia é a de que, no passado, esses índios teriam sido ainda muito mais ativos do que na atualidade. E a possível redução na atividade física habitual teria, então, relação com os males crônicos.

Equipe e repercussão

Três médicos, quatro enfermeiras, cinco nutricionistas, dois educadores físicos, um sociólogo e quatro graduandos (dos cursos de Medicina e Enfermagem) participaram da pesquisa via Unifesp.

Completam a equipe uma sexta nutricionista do Instituto de Saúde da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, agentes de saúde e professores indígenas que vivem na aldeia Ngojwere e atuaram como intérpretes.

O projeto deu origem a seis apresentações em conferências internacionais e duas em congressos nacionais, três dissertações de mestrado e uma publicação de artigo na revista Cadernos de Saúde Pública. A íntegra do texto pode ser lida em http://www.scielosp.org/pdf/csp/v28n12/11.pdf.

Reportagem de Noêmia Lopes, da Agência FAPESP, publicada pelo EcoDebate, 15/10/2013


[ O conteúdo do EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.

Alexa

One thought on “Aumentam as doenças crônicas entre indígenas do Xingu

  • O livro The 10,000 Year Explosion: How Civilization Accelerated Human Evolution de Gregory Cochran e Henry Harpending cita estudos genéticos que mostram que populações humanas que eram caçadoras-coletoras até tempos recentes (como a maioria dos nossos indígenas, aborígenes australianos, os Masai na África, etc) não tem alguns genes que facilitam a digestão de grandes quantidades de carboidrato ingeridos de uma só vez.

    Isso quer dizer que uma dieta que para uma pessoa descendente de populações que são agricultoras há milênios seria saudável pode ser suficiente para causar diabetes e doenças metabólicas em descendentes de caçadores coletores. Os carboidratos (mais abundantes numa dieta sustentada pela agricultura que pela caça-coleta) são os grandes vilões dessa história.

    Os índios não estão sendo sedentários. Mas uma dieta com açúcar, amido e assemelhados que seria normal para um descendente de europeus já pode ser danosa a eles.

Fechado para comentários.