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Avanço do agronegócio no MT: riqueza excludente, por Lívia Duarte

 

agricultura mecanizada

 

[FASE] Há muito tempo a substituição do petróleo por combustíveis feitos com plantas é questionada. Apesar do discurso de ser esta uma alternativa contra o aquecimento global, agricultores, movimentos sociais e organizações da sociedade civil veem no campo os impactos desta produção. Recentemente o Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD) lançou uma pesquisa sobre o tema em seminários em Sinop, Cuiabá e Barra do Bugres. E o estudo revela, justamente, a ampla rede de impactos: no estado, se alastram a poluição da água, a concentração de terras, a contaminação e danos à saúde causados pelos agrotóxicos e outros problemas gerados pelos monocultivos de soja e cana-de-açúcar, principais matérias primas dos agrocombustíveis produzidos no Brasil.

Com o projeto “Avaliação dos impactos socioambientais da produção de agrocombustíveis em Mato Grosso (Cana-de-açúcar e Soja)”, o Formad verificou a situação da população que vive cercada pela monocultura da soja no médio norte mato-grossense, com foco nos municípios de Lucas do Rio Verde, e também os conflitos gerados pela monocultura da cana-de-açúcar na bacia do Alto Paraguai, especialmente nas comunidades do município de Barra do Bugres. Os resultados estão compilados no livro e na cartilha pedagógica “Dois Casos Sérios em Mato Grosso. A soja em Lucas do Rio Verde e a Cana-de-Açúcar em Barra do Bugres”, coordenado pela FASE e assinado pelo consultor Sergio Schlesinger. Também estão no vídeo “Dois casos sérios sobre agrocombustíveis”, no qual agricultores familiares, ribeirinhos, pescadores, indígenas e populações tradicionais denunciam a perda da terra, da água, da qualidade de vida – e de direitos.

[Leia a entrevista com Sergio Schlesinger publicada no jornal Brasil de Fato]

O celeiro do mundo não produz comida

O Mato Grosso, conhecido como “celeiro do mundo”, importa mais de 90% dos hortifrutigranjeiros de outros municípios como São Paulo e Curitiba, conforme informou o secretário municipal de Saúde de Lucas do Rio Verde, Marcio Pandolfi, em entrevista publicada no livro. O dado revela a contradição das cadeias longas de produção e consumo: para produzir as matérias-primas de combustíveis considerados mais limpos são queimados milhares de litros de outros combustíveis, especialmente o diesel dos caminhões, proveniente do petróleo, para transportar comida por cerca de 2 mil quilômetros.

No seminário de lançamento realizado em Sinop em 24 e 25 de junho, Sergio Schlesinger destacou que onde se produz 30% da soja brasileira, a agricultura familiar sofre sérias restrições. “Bons programas do governo federal como o de Aquisição de Alimentos (PAA) não se fazem presentes nesta região. No Brasil, a média é de 25% do território agricultável ocupado pela agricultura familiar. No Rio Grande do Sul chega a 34%. Mas no Mato Grosso a agricultura familiar ocupa apenas 10% das terras agriculturáveis”, comparou.

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) junto com o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) são considerados importantes por movimentos sociais por poderem se conformar em mercados para a agricultura familiar. Os números do Ministério do Desenvolvimento Social, responsável pela gestão financeira do PAA, mostram que não foram feitas compras em Lucas do Rio Verde, Nova Mutum e Sorriso em 2012, por exemplo. Já o PNAE, que disponibilizou R$ 990 milhões para a compra direta de produtos da agricultura familiar em 2012, não adquiriu quantidade significativa de alimentos nestas localidades. Ambos os programas requerem ativa participação dos governos federal, estadual e municipal para saírem do papel e um dos problemas centrais descritos por Schlesinger é que na região o conflito de interesses entre poder político e econômico é uma constante, influenciando, portanto, o acesso às políticas públicas. Ao final do seminário, alguns participantes se reuniram para buscar mais informações sobre os programas e procurar meios de lutar pela modificação desta realidade.

Maria Emília Pacheco, da FASE, e atual presidenta do Conselho Nacional de Soberania e Segurança Alimentar (Consea), perguntou se entre os presentes alguém acessava o PAA. Eram mais de 50 e apenas um levantou a mão, “indicativo de problemas”, nas palavras da conselheira. Ela explicou que o Consea é um lugar de propostas e monitoramento de políticas públicas na área da alimentação, um direito garantido na Constituição em seu artigo 6º.
Na opinião dela, para garantir comida de qualidade para todos e todas é preciso valorizar o autoconsumo, o modo de produzir das famílias e a agroecologia; garantir cadeias curtas de produção e consumo e descentralização do abastecimento das cidades, entre outros pontos.

Maria Emília alertou que o Brasil vive a séria contradição de ter feito diminuir a quantidade de pessoas com fome, mas correndo o risco de ver aumentar a assistência, já que o crescimento dos monocultivos está “cercando” os agricultores familiares, indígenas e povos tradicionais. Estes têm cada vez mais dificuldade de acessar seus territórios – o que inclui terra e água limpa e abundante, sem contaminação por agrotóxicos. O levantamento realizado pelo Formad ilustra a necessária preocupação com a água. Em Barra do Bugres, área de expansão da cana-de-açúcar em direção à Amazônia e dos rios da região da Bacia do Alto Paraguai, onde nascem os principais rios do Pantanal, a contaminação pela vinhaça e outros resíduos da produção do etanol se soma ao impressionante gasto de água: para atingir o montante esmagado na safra 2007/2008, por exemplo, foram gastos mais de 895 milhões de m³, o suficiente para abastecer por um ano 5,3 milhões de domicílios.

A reforma agrária fica pela metade

Entre os 56 participantes neste seminário de Sinop havia muitos agricultores assentados ou representantes de entidades que lutam pela reforma agrária. A região de Lucas do Rio Verde conta com grande número de assentamentos, onde estão também os problemas sociais mais graves da região. Segundo relatos dos agricultores e agricultoras, a monocultura inviabiliza a produção de alimentos de muitas formas. Entre as mais graves está a contaminação por uso de agrotóxicos pulverizados por aviões, que matam as lavouras das comunidades e deixam as famílias doentes. Os relatos também dão conta de entraves burocráticos para acesso a crédito e venda dos alimentos via programas de governo como PAA e PNAE, agravados pela falta de vontade num ambiente onde a economia e a política se confundem. Enumeram também questões estruturais, já que os assentamentos são muito distantes das cidades e as estradas precárias são mais um impeditivo para escoar a produção.

É o caso de Peixoto de Azevedo, município onde a soja “está chegando” como contou Edson Leite, do assentamento Renascer. “A cidade tem onze assentamentos, com 4.600 pequenas propriedades. No entanto, a agricultura familiar não tem uma economia forte, não tem prestígio e nem renda. Alguns motivos são a distância – temos assentamentos a 250 km da sede do município – e a falta assistência técnica. A questão ambiental é um problema comum, assim como falta de acesso ao crédito, que é muito burocrático. Mas quando a monocultura de soja chega, aí vemos as estradas e o asfalto também chegarem”, relatou.

O ‘modelo’ agronegócio se expande pela região

Na opinião de muitos no seminário, o problema é o governo beneficiar historicamente um modelo de agricultura – este do agronegócio. “A soja está se expandindo nessa região de Terra Nova e Alta Floresta [norte do Mato Grosso, fronteira com o Pará]. Este modelo é um ciclo. O gado está perdendo para a soja, se expandido para Santarém (PA). Esse modelo inviabiliza a agricultura familiar, todo o projeto de reforma agrária. No Mato Grosso tem muita terra pública utilizada pelo agronegócio”, afirmou Jefferson do Nascimento, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e do Fórum Teles Pires, sintetizando muitas falas.

Ele destacou ainda que o “modelo agronegócio” é algo muito maior que as enormes plantações. Está, por exemplo, no uso que querem impor aos rios da região. O depoimento de Jefferson faz lembrar os incentivos diretos e indiretos do governo ao agronegócio, dado também elencado no estudo do Formad. “O complexo de barragens pensado para a região já interfere nas nossas vidas. Estão sendo planejadas cinco hidrelétricas para o rio Teles Pires e mais seis no Tapajós. São para geração de energia, mas a pauta principal é a implantação de uma hidrovia para escoar grãos”, analisa.

Também na cidade o agronegócio se faz sentir como prova cada rua de cidades como Sinop. Este nome se deriva da sigla para Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná, empresa responsável pela colonização do norte de Mato Grosso por agricultores do norte do Paraná na década de 1970. A colonização imposta com modelo ‘de fora’ gerou uma cidade com paisagem peculiar. Ali não se vê espaço para a pobreza, seja porque a monocultura de soja não gera, sequer, promessa de emprego, seja porque, conforme relatos ouvidos na região, trabalhadores ambulantes, por exemplo, são expulsos. As ruas largas são para os carros (e muitas camionetes enormes), sem ciclovias (apesar da grande quantidade de ciclistas) e com raríssimos ônibus. O comércio central tem como marca a grande quantidade de agências bancárias e também se assemelha aos shoppings centers das grandes cidades. Há lojas de roupas importadas e muito caras, joalherias e concessionárias de carros. A chegada a Sinop já aponta para o que querem fazer parecer como ‘vocação local’, com um sem-número de lojas para o agronegócio. Vendem-se químicos, sementes, maquinário e uma suposta beleza das paisagens ao redor, onde a diversidade do Cerrado foi destruída em função dos quilômetros de uniformidade e vazio impostos pelo agronegócio.

[Veja a carta dos participantes do seminário de Sinop: Medidas necessárias à melhoria da qualidade de vida das populações residentes na Região Médio Norte do Estado do Mato Grosso]

*Com informações de Caio B.O.B. , jornalista do FORMAD.

** Livro, cartilha e DVD com o filme estão disponíveis na internet e impressos. Para mais informações, entre em contato.

Lívia Duarte, jornalista da FASE

 

Artigo originalmente publicado pela FASE e enviado pela Autora ao EcoDebate, 19/07/2013


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