
“Mother Earth has given her lifeblood to us, but like the vampires we are, our thirst remains unsated”
(A Mãe Terra tem nos dado o seu sangue vital, mas como vampiros que somos, a nossa sede continua insaciada) – William Astore, 25/05/2013
A grande contradição do capitalismo: capital antrópico versus capital natural, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O capitalismo foi o sistema de produção histórico que mais gerou riqueza material em todos os tempos. Antes da Revolução Industrial e Energética, no final do século XVIII, o ritmo de crescimento econômico e o volume de produção de bens e serviços era muito modesto. Mas o aprofundamento da divisão social do trabalho junto com a aplicação de tecnologias de produção em massa e o uso indiscriminado de combustíveis fósseis fez a economia dar um salto exponencial de crescimento.
Entre o ano 1 da Era Cristã e o ano de 1800 a economia mundial cresceu 5,8 vezes, porém o crescimento entre 1800 e 2011 foi de 90 vezes, segundo dados de Angus Maddison. Em 1800 anos, o crescimento da renda per capita foi de apenas 1,3 vez ou 30%, passando para 13 vezes em 211 anos. Ou seja, em pouco mais de dois séculos a renda per capita mundial cresceu 10 vezes mais do que nos 18 séculos anteriores.
Mesmo considerando que há desigualdade na distribuição da renda e na apropriação da riqueza o volume geral de consumo aumentou muito e se difundiu por todas as camadas sociais (embora ainda existam em torno de 15% de pessoas na pobreza extrema no globo). O PIB mundial está acima de 70 trilhões de dólares e a renda per capita média mundial encontra-se acima de 10 mil dólares, segundo o FMI. A classe média global (famílias com renda per capita de 10 dólares ao dia) já se aproxima de 3 bilhões de habitantes (segundo o PNUD), sendo 3 vezes maior do que toda a população mundial antes do início do capitalismo. É claro que muitos ganhos no padrão de vida médio da humanidade ocorreram devido aos avanços do processo civilizatório. Mas o capitalismo busca incessantemente se apropriar de todos os meios e recursos possíveis, buscando até mesmo incorporar conquistas humanistas para maximizar os seus lucros. Mas tudo isto com grandes danos ambientais.
Parece que Karl Marx superestimou a oposição entre capital e trabalho (capital variável) como a maior contradição do capitalismo. Ele achava que a oposição entre capitalistas e proletários chegaria a níveis insustentáveis, o que levaria ao fim do capitalismo. Mas, em geral, não houve aumento absoluto da proletarização nos países capitalistas, nem da pauperização e nem da concentração absoluta da renda e da propriedade. O capitalismo tem conseguido se reorganizar de várias formas, expandindo a produção de bens e serviços e as classes consumidoras (O que Rosa Luxemburgo chamava de “novos mercados”).
Nas sociedades desenvolvidas – do capitalismo liberal (tanto no caso de menor presença do Estado, como nos Estados Unidos ou com maior presença estatal no sistema de proteção social europeu) – a burguesia conseguiu uma convivência institucional com o proletariado em nome do crescimento do bem-estar geral da sociedade humana. Capital e trabalho convivem no desfrute da propriedade privada e na defesa da livre iniciativa, para elevar os níveis de consumo.
Na sociedade “socialista” – que na prática é uma espécie de “capitalismo de Estado”, com a propriedade estatal substituindo a propriedade privada – a tecnoburocracia, a elite política e os trabalhadores se unem para fazer crescer o excedente econômico que é distribuído com a intermediação das forças do aparato público. A União Soviética foi um capitalismo de Estado que faliu quando Mikhail Gorbachev tentou fazer uma abertura política para enfrentar a crise do sistema soviético. Já a China é um capitalismo de Estado que manteve a centralização política de forma autoritária nas mãos do partido comunista, mas possibilitou uma grande abertura econômica que agradou as empresas públicas, as empresas privadas (nacionais e multinacionais) e os trabalhadores.
Tanto no capitalismo liberal, quanto no capitalismo de Estado, o capital e o trabalho se unem para aumentar a produção e a dominação da natureza. Embora existam conflitos e disputas pela distribuição dos excedentes (ou seja, da riqueza material) os diversos agentes sociais se unem no momento de aumentar a produção de alimentos, a extração de petróleo, a ampliação da mineração e a onipresente produção de bens e serviços para o deleite humano.
O sociólogo francês Raimundo Aron dizia que capitalismo e socialismo tinham em comum a administração da mesma “sociedade industrial”. Ou seja, uma mesma base produtiva baseada no uso dos combustíveis fósseis e na aplicação de tecnologias produtivistas. Não é sem surpresa que a China “comunista” se tornou o país com maior impacto negativo no meio ambiente.
Neste ponto, parece que Marx subestimou os problemas ambientais e tinha uma visão cornucopiana da natureza. Ele achava que no comunismo, com o avanço das forças produtivas, as pessoas poderiam caçar de manhã, pescar a tarde e fazer poesia à noite. Porém, Marx não chegou a defender o direito dos animais, não combateu o especismo e não fez nenhuma defesa consistente da biodiversidade. O marxismo foi conivente com a ideia de “domesticação” da natureza e não chegou a questionar o processo de dominação e exploração da vida natural e da “escravidão animal”.
Na verdade, o ser humano em geral – por meio do conjunto das atividades antrópicas – tem vilipendiado o capital natural oferecido de forma gratuita pela natureza. Desta forma, mesmo soando herético, a burguesia e o proletariado (o primeiro com menos gente e mais consumo per capita e o segundo com mais gente e menos consumo per capita) formam um “capital antrópico” que estende e expande os seus tentáculos para a exploração do meio ambiente.
Mas o grau de poluição e degradação da natureza chegou a níveis tão elevados que a contradição entre o “capital antrópico” e o “capital natural” se transformou no grande conflito da sociedade capitalista (na sua forma liberal ou estatista/socialista) contemporânea.
Assim, o capitalismo (em todas as suas formas) está cavando o próprio fim do modelo de crescimento sem limite e da acumulação da riqueza pela simples avareza da acumulação.
Mas o conflito final não virá da contradição interna entre burguesia e proletariado, mas sim do antagonismo entre o capital antrópico (que só aumenta a pegada ecológica da humanidade e reduz a biocapacidade e a biodiversidade da Terra) e o capital natural. Não será sem surpresa se a depleção da natureza colocar um fim ao processo de expansão das atividades antrópicas dos capitalismos em futuro não muito distante.
William Astore. Biocide: A Memorial Day for Planet Earth, NationofChange, 25 May 2013
http://www.nationofchange.org/biocide-memorial-day-planet-earth-1369490128
ALVES, JED. Desenvolvimento econômico: mito ou realidade? Ecodebate, RJ, 20/03/2013
ALVES, JED. População, Pegada Ecológica e Biocapacidade: como evitar o colapso? Ecodebate, RJ, 04/07/12. http://www.ecodebate.com.br/2012/07/04/populacao-pegada-ecologica-e-biocapacidade-como-evitar-o-colapso-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 29/05/2013
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Parabéns novamente. Mais um artigo que vai além da dualidade rico versus pobre e mostra como as atividades antrópicas – em todas as suas formas – estão destruindo o Planeta.
Sds, Leo
Parece que a questão ambiental não tem relação com o regime político, com com o nível de atividade econômica.
Os socialistas tambem querem melhorar seu nível de vida e de bem-estar social e isto está fortemente associado ao nível de consumo dos recursos naturais.
A solução parece indicar a necessidade de reduzir o consumo, que é produto do numero de consumidores pelo consumo médio, mediado pelo nível tecnológico.
Matematicamente, somente a contenção do numero de consumidores e redução do nive de consumo pode se constituir um freio efetivo e concreto. A melhoria do nivel tecnologico, se bem que auxilia na redução dos desperdícios, nao pode por si só compensar o aumento da população e aumento do nível de consumo.
Isto aponta para a necessidade de mudanças estruturais de origem cultural.
As experiências revolucionárias do século XX têm uma dívida em relação ao meio ambiente e foram, de fato, processos de transformação amparados numa visão produtivista muito próxima ao capitalismo liberal. No entanto, o marxismo tem uma reflexão importante sobre a relação homem e natureza que não pode ser resumida à dominação bíblica do homem sobre todas as outras formas. É óbvio que alguns temas não estavam postos e a degradação do ambiente não havia tomado proporções alarmantes, ainda que estivessem presentes desde a origem da Revolução Industrial. Mas apesar disso, há em sua obra indícios concretos do entendimento desse caráter apontado em seu artigo. “A natureza é o corpo inorgânico do homem, quer dizer, a natureza enquanto não é corpo humano. O homem vive da natureza, isto é, a natureza é o seu corpo, e ele precisa manter um diálogo contínuo com ele se não quiser morrer. Dizer que a vida física e mental do homem está ligada à natureza significa simplesmente que a natureza está ligada a si mesma, pois o homem é parte da natureza” (citado em Foster, J.B – A Ecologia de Marx, p. 107)
As experiências revolucionárias do século XX têm uma dívida em relação ao meio ambiente e foram, de fato, processos de transformação amparados numa visão produtivista muito próxima ao capitalismo liberal. No entanto, o marxismo tem uma reflexão importante sobre a relação homem e natureza que não pode ser resumida à dominação bíblica do homem sobre todas as outras formas. É óbvio que alguns temas não estavam postos e a degradação do ambiente não havia tomado proporções alarmantes, ainda que estivessem presentes desde a origem da Revolução Industrial. Mas apesar disso, há em sua obra indícios concretos do entendimento desse caráter apontado em seu artigo. “A natureza é o corpo inorgânico do homem, quer dizer, a natureza enquanto não é corpo humano. O homem vive da natureza, isto é, a natureza é o seu corpo, e ele precisa manter um diálogo contínuo com ele se não quiser morrer. Dizer que a vida física e mental do homem está ligada à natureza significa simplesmente que a natureza está ligada a si mesma, pois o homem é parte da natureza” (citado em Foster, J.B – A Ecologia de Marx, p. 107)