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Que energia queremos para os próximos dez anos?

 

torres de transmissão de energia

 

O governo acaba de anunciar o Plano de Expansão Decenal de Energia 2021. O Plano é atualizado anualmente e prevê os rumos energéticos do Brasil para os próximos dez anos. O Plano Decenal anuncia forte continuidade em investimentos na área de energia fóssil – petróleo e gás – e em hidrelétricas. As novidades ficam por conta da revisão, na esteira do desastre de Fukushima, na área da energia nuclear – por ora segue apenas a conclusão de Angra 3 – e num incremento maior na energia eólica. Da energia solar nada se fala.

Os maiores investimentos estão previstos para petróleo – incluído o pré-sal – e gás natural: R$749 bilhões para os próximos dez anos. As hidrelétricas, por sua vez, seguem em expansão e estimam-se investimentos na ordem de R$ 190 bilhões – o plano fala na construção de mais 24 usinas hidrelétricas, além das que estão sendo construídas para o próximo decênio, a grande maioria delas na Amazônia.

Para as energias renováveis – eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas – os investimentos aumentam um pouco em relação ao plano anterior, de R$ 62,1 para R$ 82,1 bilhões. No entanto, o Plano é lacônico sobre a energia solar: do total de 386 páginas, apenas três parágrafos são dedicados a essa energia. A conclusão do Plano é de que “apesar do grande potencial, os custos atuais desta tecnologia são muito elevados e não permitem sua utilização em volume significativo”.

Avanços no Plano Decenal de Energia

A análise crítica do Plano Decenal de Energia, na visão dos ambientalistas, apresenta três “novidades”. Uma delas é o incremento em energia eólica; a revisão nos investimentos em energia nuclear e a redução em investimentos de usinas térmicas a óleo combustível e diesel.

Tardiamente, o país vai incorporando a matriz eólica. “Agora é o momento da eólica. Amanhã vai ser o da solar. O preço vai cair e ela vai entrar, não tenho dúvida, mas vamos fazer no momento certo”, afirma Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). O presidente da EPE rebate os críticos que classificam a política energética de conservadora afirmando que a eólica se desenvolveu graças a medidas do governo. “Tudo foi feito a seu tempo. O Brasil está em 20.º no mundo em capacidade instalada e vai atingir a 10.ª posição no ano que vem”, diz ele. O objetivo é ampliar a capacidade de geração eólica no País de 1% para 9% da matriz nos próximos dez anos.

Apesar do discurso governamental, a expansão da energia eólica ainda é tímida e avança muito mais por conta de investimentos privados do que por ação e investimento do governo. O litoral do Rio Grande do Sul e, sobretudo o litoral nordeste – Rio Grande do Norte e Ceará –, assistem a crescentes investimentos privados. A participação do governo fica por conta dos leilões de instalação dos parques eólicos e a compra da energia.

Sobre os parques eólicos em crescente expansão cabe uma problematização. Apesar de ser considerada uma energia renovável e limpa, a instalação dos parques impactam os territórios locais. O professor Ângelo Magalhães Silva da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERS/RN) destaca que “é comum relatos de moradores afirmando o fim de algumas vegetações nativas, mudança no comportamento de aves, privatização de antigas áreas comunais de plantio, pesca e criação de animais”. Comenta ele: “Não sabemos se os fortes ventos mudam positivamente e com força o futuro de alguns municípios, e o sentido de uso que passa a atribuir os habitantes às suas terras”.

Outra novidade no Plano Decenal encontra-se no quesito energia nuclear. Com o acidente na usina de Fukushima, no Japão, em março do ano passado, o programa nuclear brasileiro passou a ser repensado. O Brasil não prevê novas usinas até 2021 afirma o secretário executivo do Ministério de Minas e Energia Márcio Zimmermann. A previsão, portanto, de construir mais quatro usinas nucleares no País até 2030 está suspensa. Angra 3, entretanto, será mantida com a previsão de entrar em operação em 2016.

Retrocessos Plano Decenal de Energia

Como maior e mais evidente retrocesso no Plano Decenal destaca-se a ausência de qualquer menção à energia solar – a segunda fonte que mais cresce no mundo, depois da eólica. No Plano Decenal de Expansão de Energia 2021, como já destacado, apenas três parágrafos (em 386 páginas) são dedicados à solar. A conclusão é de que apesar do grande potencial, os custos atuais desta tecnologia são muito elevados e não permitem sua utilização em volume significativo.

Para o engenheiro florestal Tasso Azevedo, a discussão atual sobre energia solar no País é muito parecida com a que ocorreu em relação à eólica no passado recente. “O governo resistiu muito. A presidente, enquanto ministra de Minas e Energia e depois da Casa Civil (no governo Lula), não acreditava em energia eólica e ponto final (…) com o tempo, ela tende a ser convencida pelos fatos, como ocorreu com a eólica, que está explodindo no País. O problema é que, com isso, a gente fica para trás”. Para Azevedo, falta ousadia no planejamento: “Há uma confusão com a ideia de que ser conservador tem a ver com segurança”.

Na opinião de Bazileu Margarido, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), “o governo diz que vai usar a tecnologia quando se chegar ao preço que for conveniente, mas deveria ser o contrário: o que podemos fazer para acelerar”. Ele lembra que a energia eólica nem aparecia no plano setorial finalizado há 3 anos. Segundo o pesquisador, “o argumento era o mesmo usado hoje para descartar a solar”.

O pesquisador Instituto de Energia e Eletrotécnica da USP Joaquim Francisco de Carvalho, aponta como decisão da energia solar não ter espaço no planejamento da política energética, a “falta de vontade política”. Segundo ele, “às vezes as pessoas não estão preparadas para assumir determinados cargos relacionados ao setor. Basta ver que a Dilma, quando foi ministra de Minas e Energia, fez muita coisa errada, e tampouco pensou em investir em energia eólica ou solar. Ela só pensava em energia hidrelétrica, por causa do grande impulso da Eletrobrás, ou no gás natural, no óleo combustível e no carvão”.

Outras más notícias do Plano Decenal, na opinião dos ambientalistas, ficam por conta dos altos investimentos em hidrelétricas. Os dados do Plano Decenal de Energia preveem para o período 2012-2021 34 usinas, 15 já tiveram sua construção iniciada e 19 ainda não foram licitadas. A grande maioria está na Amazônia. No conjunto, uma área de 6.456 quilômetros quadrados deverá ficar debaixo d’água – equivalente ao território somado de dez capitais brasileiras – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Recife e Maceió.

Para o diretor da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, Roberto Smeraldi, a maior falha do planejamento no setor elétrico é insistir em não atacar as altas perdas técnicas – estimadas em cerca de 20% – das linhas de transmissão, antes de expandir o parque gerador. Ele se diz preocupado com o fato de que o impacto indireto das últimas hidrelétricas de grande porte, como o desmatamento e a ocupação urbana desordenada, tem sido de oito a dez vezes o tamanho dos reservatórios: “Cada caso é um caso, obviamente depende do nível de antropização (ocupação humana) que já existe e da infraestrutura disponível, mas precisamos entender que o impacto vai muito além da área alagada”, afirma. Smeraldi diz que, caso o governo atacasse o problema das perdas técnicas no sistema de transmissão, ganharia tempo suficiente para preparar a chegada de novas hidrelétricas, com um trabalho de regularização fundiária e planejamento para evitar o caos social.

A assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) Alessandra Cardoso, chama a atenção para novos empreendimentos, além dos previstos nos grandes rios (Madeira, Xingu, Tapajós, Teles Pires) que, até o ano passado, não estavam na lista de prioridades do governo. É o caso de duas megausinas previstas para o rio Juruena, no Mato Grosso. Juntas, as hidrelétricas de São Simão e Salto Augusto têm potência de 4.970 MW. “Pequenas usinas foram retiradas do planejamento, mas outros projetos bem maiores foram desenhados para a Amazônia”, disse ela.

A construção, por outro lado, de novas usinas na Amazônia vai exigir um novo retalhamento no mapa atual das unidades de conservação do país. Para levar adiante seus principais projetos de geração hidrelétrica, o governo terá de reduzir parte do território de florestas protegidas. Pela lei atual, é proibida a construção de usinas quando elas afetam diretamente as unidades de conservação. Para se livrar dessa restrição, no entanto, o governo decidiu redefinir o território das unidades de conservação.

Há ainda outros problemas, grande parte dos lagos formado pelas barragens atingem territórios indígenas. Pela lei atual, não é permitido construir usinas em casos onde a barragem tenha impacto direto numa terra indígena demarcada. Atualmente, existem 505 terras indígenas no país, cobrindo uma extensão de 106,7 milhões de hectares, o que equivale a 12,5% do território nacional. Segundo a organização Acende Brasil, 897 mil índios – 58% da população indígena – vivem na Amazônia Legal, área onde estão concentrados os principais projetos hidrelétricos do governo. A solução proposta pelo governo é compensar as comunidades indígenas pagando “royalty”.

Entre avanços e retrocessos. Balanço final

Na leitura crítica do movimento ambientalista, o Plano Decenal de Energia apresenta pequenos avanços e grandes retrocessos. De acordo com o diretor de Políticas Públicas do Greenpeace Sérgio Leitão criticando a contínua aposta em mega-obras hidrelétricas, “os grandes reservatórios inundam as terras onde vivem milhares de pessoas, destruindo suas vidas, seus projetos de futuro. O Brasil vive um paradoxo. É na democracia que se destrói a lei, porque não se tem a capacidade para fazê-la ser cumprida. Assim foi com o Código Florestal, e assim será com o licenciamento de grandes empreendimentos”, afirma.

Outra crítica ao Plano Decenal é a de que projeções e investimentos não incluem a energia solar como já destacado. A fonte conta com um potencial energético dezenas de vezes maior do que qualquer opção, destaca o movimento ambientalista, mas a EPE usa o argumento dos altos custos para sequer considerá-la no horizonte de tempo de médio prazo.

A crítica maior, entretanto, ao Plano deve-se aos fortes investimentos na energia fóssil, a maior poluidora. Os já elevados investimentos previstos para petróleo e gás natural aumentaram e a previsão é de que totalizem R$ 749 bilhões nos próximos dez anos (superior aos 686 bilhões do PDE anterior). Segundo Sérgio Leitão, “as prioridades do Plano Energético vão para onde se investe o dinheiro. E o dinheiro vai para o petróleo. Mas que política é essa que o governo não consegue dizer se é viável, se vai dar retorno? Vamos gastar 730 bilhões no pré-sal. Estamos destinando todo o recurso do país para investir num combustível do passado, enquanto o país tem alternativas possíveis. Mas novos paradigmas não são considerados”, diz ele.

O diagnóstico geral para o Plano de Expansão Decenal de Energia 2012-2021 por parte dos ambientalistas é de que apesar de alguns avanços em relação à versão anterior, boa parte de suas premissas e previsões, criticadas há anos pela academia e sociedade civil, continuarão a exercer altos impactos ao meio ambiente e à sociedade nos anos por vir.

Qual é o destino de toda essa energia?

Uma pergunta importante emerge da análise anterior: A quem se destina tanta energia? Na opinião do professor Celio Bermann “estamos produzindo energia para gerar produtos que não ficam no Brasil”. Segundo ele, “a tendência de incremento dos combustíveis fósseis na matriz energética, certamente, está indo na contramão da história”.

O professor da Usp comenta que o incremento em energia e as opções que se fazem são definidas pelo mercado: “A necessidade é ditada pelo mercado e não pela população brasileira, nem pelo órgão planejador do governo. E o fato de ela precisar atender uma demanda que é do mercado, a necessidade de energia a curto prazo, faz com que esta última previsão coloque com muita ênfase a termeletricidade a partir de combustíveis fósseis”.

Celio Bermann diz que “se pegarmos a matriz de consumo setorial de energia elétrica no Brasil, praticamente 30% da energia é consumida pelos seis setores chamados de intensivos em energia. São eles: o cimento, a produção de aço, a produção de ferro-ligas (ligas a base de ferro), a produção dos metais não-ferrosos (principalmente, o alumínio primário), a produção de química e, finalmente, o setor de papel e celulose. Esses seis setores consomem 30% da energia produzida no Brasil”.

Destes seis setores, continua Bermann, “quatro – produção de aço, não-ferrosos, ferro-ligas, papel e celulose – são fundamentalmente destinados à exportação”. Logo, diz ele, “praticamente 17,5% da energia elétrica no Brasil é destinada à exportação. Isto é, é uma energia elétrica que foi consumida pelas plantas indústrias eletrointensivas, e que são exportadas, incorpora a produção de energia a esses bens primários”.

Na opinião do pesquisador, estamos diante da submissão ao mercado, “em detrimento de uma questão importante, do meu ponto de vista, que é a demanda social, em que um contingente considerável de brasileiros ainda vive sem acesso à energia elétrica. Claro que o governo, ao implantar, em grande medida, o seu programa ‘Luz para todos’, procura atender esta necessidade. Mas, enquanto ela for restrita à extensão de rede, enquanto o acesso de energia elétrica não permitir que fontes locais de energia renovável atendam às necessidades das populações que são distantes à rede de distribuição, enquanto isso tudo não for feito, ficaremos sujeitos à Lei do Mercado. E na Lei do Mercado essas populações não têm espaço”, afirma.

A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.

(Ecodebate, 16/11/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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