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Artigo

Gerenciamento de Funções de Força em Recursos Hídricos: o caso da Bacia Hidrográfica do Rio do Sinos, por Marcos Vinicius Godecke, José Galizia Tundisi e Roberto Harb Naime

Gerenciamento de Funções de Força em Recursos Hídricos: o caso da Bacia Hidrográfica do Rio do Sinos

Marcos Vinicius Godecke

Doutorando em Qualidade Ambiental PPGQA/FEEVALE (RS)

José Galizia Tundisi

Prof. Dr. PPGQA/FEEVALE (RS)

Roberto Harb Naime

Prof. Dr. PPGQA/FEEVALE (RS)

Resumo

A partir de pesquisa bibliográfica e documental, este artigo inicialmente identifica as principais funções de força que atuam na Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos, situada no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Uma vez identificadas, discorre sobre como gerenciá-las de modo a recuperar e conservar a qualidade hídrica do ecossistema. Avança sobre os recursos tecnológicos e gerenciais disponíveis para este gerenciamento e finaliza apresentando alternativas de soluções ecologicamente corretas aplicáveis à recuperação da Bacia. As principais funções de força identificadas foram a estiagem, combinada com o lançamento de esgotos urbanos e efluentes industriais e agrícolas. As alternativas de gerenciamento incluem a retenção de poluentes em biomassa vegetal e aumento da diversidade nos mosaicos e vegetação ripária.

Palavras-chave: recursos hídricos, funções de força, gerenciamento de bacias hidrográficas.

Abstract

Frombibliographic and documentary research, this paper initiallyidentifies the key driving forcesthat operate in the Rio dos Sinos watershed, situatedin the state ofRioGrande doSul,Brazil. Once identified,discusseshow to manage themin order torestore andpreserve theecosystem water quality. Advanceson thetechnological and managerialresourcesavailablefor this management.Endspresentingecologically correct solutionsfor watershed recovery. The main force functionsidentified were dry season, combinedwith the launchofurban sewage andindustrial and agricultural effluents.Themanagement alternativesincluderetentionof pollutantsinplant biomassandincreased diversityin the mosaicsandriparian vegetation.

Keywords: waterresources, force functions, watershed management

1. Introdução

Apesar da aparente abundância, menos de 0,01% do total de águas do planeta encontra-se prontamente acessível para o consumo humano. O restante apresenta-se em formas como águas salgadas, congeladas nas calotas polares ou subterrâneas (AZEVEDO, 2010). Apesar de elemento essencial à vida, a pressão decorrente do crescimento populacional e de problemas como a sobre-exploração e contaminação fazem com que a escassez atinja mais de um em cada seis habitantes da Terra, principalmente nos países em desenvolvimento (NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 2007).

O Brasil, apesar de dispor de aproximadamente 14% das águas doces do planeta, apresenta crescentes problemas de escassez, decorrentes das desigualdades de distribuição espacial e outros de origem antrópica, como a poluição e eutrofização. A evolução deste cenário implica na adoção de políticas de gerenciamento que se apropriem dos conhecimentos científicos interdisciplinares – ecológicos, tecnológicos, de gestão, etc. – para atuar estrategicamente na exploração e conservação dos mananciais. Este gerenciamento – que no século XX mostrou-se local, sectário e reativo – evolui neste século para o estudo dos ecossistemas em nível de bacia hidrográfica, com enfoque interdisciplinar, buscando ações proativas para a conservação da água e da biodiversidade (TUNDISI, 2010).

Além da integração entre os aspectos técnicos e de gestão, há necessidade da visão sistêmica das inter-relações entre os ecossistemas e das atividades econômicas que utilizam os seus serviços. Funções de força naturais como a temperatura, precipitação, vento, umidade e turbulências se unem a outras, de origem antrópica, como poluição, eutrofização e exploração, para determinar variações no funcionamento dos ecossistemas, implicando em rearranjos permanentes na biodiversidade.

A atuação dessas “driving forces” nos ecossistemas podem ser gerenciadas mediante a aplicação de metodologias que incluem pesquisas, monitoramentos e planejamentos. As observações e pesquisas ampliam o conhecimento científico sobre a fauna e flora, auxiliadas por tecnologias que permitem a obtenção de dados ambientais relativos ao ar, água, solo e geográficos, complementados por imagens obtidas por satélites.

Objeto de estudo deste artigo, a bacia hidrográfica do rio dos Sinos (BHS) situa-se na parte nordeste do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, entre os paralelos 29° e 30° sul, abrangendo área de 3.820 km2 equivalente a 4,5% da Região Hidrográfica do Guaíba e 1,5% da área total do Estado. Inclui, total ou parcialmente, 32 municípios. A nascente do rio dos Sinos situa-se no município de Caraá e percorre 190 km até a foz no delta do lago Guaíba, na altura do município de Canoas. A BHS abrange região com população da ordem de um milhão de habitantes, onde cerca de 90% da população concentra-se em as áreas urbanas e os restantes 10% nas zonas rurais. No segmento inicial predominam os agronegócios, principalmente culturas de arroz e criação de suínos, seguidos de crescente urbanização e industrialização até alcançar regiões densamente povoadas no segmento final, conforme demonstra o mapa 1 (FIGUEIREDO et al., 2010; UNISINOS, 2011).

A BHS é delimitada à leste pela Serra Geral, à oeste e ao norte pela bacia do Caí, e ao sul pela bacia do Gravataí. A precipitação pluviométrica anual é da ordem de 1350 mm. Suas nascentes estão localizadas na Serra Geral, no município de Caraá, a cerca de 60 metros de altitude, correndo no sentido leste-oeste até a cidade de São Leopoldo, onde muda para a direção norte-sul, desembocando no delta do rio Jacuí, entre a ilha Grande dos Marinheiros e ilha das Garças, a uma altitude de 12 metros. Seus principais formadores são o rio Rolante e o rio Paranhana, além de diversos arroios. A cobertura vegetal remanescente, muito reduzida, concentra-se nas nascentes do rio dos Sinos e seus formadores (FEPAM, 2011).

Mapa 1 – Situação e localização da BHS ao Estado, às Regiões Hidrográficas e às bacias com as quais faz divisas.

Fonte: Unisinos, 2011, p.5

Através de pesquisa bibliográfica e documental, este artigo se propõe à reflexão sobre as principais funções de força que atuam sobre a BHS e as tecnologias, tanto instrumentais como de gestão, que podem ser utilizadas para a recuperação e conservação desta unidade de estudo. Para tanto, além desta introdução e das considerações finais, o texto está dividido em três seções: a primeira busca identificar “quais são” as principais funções de força que atuam sobre a BHS; a segunda discute o “como gerenciar” os fatores determinantes, de modo a permitir que este recurso hídrico atinja e mantenha a qualidade estipulada no planejamento; e a terceira discorre sobre “que recursos” lançar mão para a maximização da utilização e integração dos diversos recursos tecnológicos e gerenciais disponíveis, e ainda “o que fazer” para reverter o atual quadro de depleção ambiental da BHS.

2. Funções de força na Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos

Aspectos de relevo determinam inter-relacionamentos entre os recursos hídricos de uma região, definindo a área de atuação de cada bacia hidrográfica, constituindo-se em uma unidade de estudo. Qualquer agente externo, como precipitações pluviométricas ou poluentes lançados nos cursos de água à montante ou infiltrados no solo1, seguirão um caminho natural, provocando alterações nos ecossistemas à jusante. Não teremos conhecimento relevante de um determinado recurso hídrico, seja um rio, lago ou reservatório, se não compreendermos também os fenômenos externos que atuem sobre ele, ampliados para a visão da bacia hidrográfica como um todo.

A figura 1 apresenta alguns dos fatores que influenciam os recursos hídricos: conecções aquáticas, características terrestres e atividades humanas, numa amplitude que vai da local até a região de influência da bacia hidrográfica (BH). Além das atividades que ocorrem em nível de indivíduos, populações e comunidades, a BH como ecossistema sofre a influência de diversos fatores externos como mudanças climáticas, deposições atmosféricas através das chuvas ácidas e poluições decorrentes das atividades humanas.

Figura 1 – Fatores que interferem em ecossistemas aquáticos

Fonte: Sorano et al.,2009 apud Tundisi, 2011

As funções de força que atuam permanentemente sobre a BH causam transformações dinâmicas nos diversos subsistemas, alterando o fluxo de biomassa, o nível de produtividade, os fluxos de energia, os fluxos e a ciclagem de nutrientes, a resiliência e seus equilíbrios. Em nível dos indivíduos que compõem a fauna e flora, influem no crescimento, reprodução, mortalidade, comportamento e movimento. Nas suas populações provocam alterações na competição intra-específica, população etária, taxa de crescimento populacional, ciclos populacionais e distribuição espacial. Nas comunidades afetam a competição interespecífica, diversidade, estrutura espacial, zoneamento, sucessão, invasão, extinção, e competição indireta/mutualismo (TUNDISI, 2011).

Os impactos resultantes da atuação das funções de força sobre as BH são definitivos, pois resultam em mudanças irreversíveis nos ecossistemas, como a perda de biodiversidade resultante da extinção de indivíduos, populações e comunidades. As ações humanas de recuperação poderão aproximar o novo ponto de equilíbrio ecossistêmico ao anterior, sem nunca obtê-lo na plenitude.

O equilíbrio e a integridade de um ecossistema é resultado da interação dinâmica de diversas variáveis físicas, químicas, biológicas e energéticas, conforme demonstra a figura 2. São exemplos de fatores desequilibradores a introdução de espécies exóticas, oscilações no gradiente de temperatura e nos volumes de água (nível, vazão, turbulência), alterações de pH, lançamento de cargas orgânicas e inorgânicas, como o nitrogênio e fósforo.

Figura 2 – Fatores determinantes para o equilíbrio de ecossistemas

Fonte: Tundisi, 2011

Os aspectos gerais apresentados aplicam-se integralmente ao complexo sistema ambiental,econômico e social da BHS. Entre as principais funções de força que atuam sobre a BHS estão o regime pluviométrico e a concentração de poluentes, tanto aqueles provenientes da descarga dos esgotos municipais e de dejetos de animais, como decorrentes de pesticidas e herbicidas utilizados nas lavouras, além de metais pesados, como o cromo, que chegam aos cursos d’água, provenientes da intensa atividade industrial dos municípios à jusante, como Novo Hamburgo, São Leopoldo e Canoas, que abrigam centenas de indústrias de elevado potencial poluidor, como curtumes e galvanizadoras (FEPAM, 2011).

As pressões ambientais decorrentes deste cenário – concentração populacional, parque industrial e irrigação – tornaram crítico o quadro atual e potencial de balanços entre disponibilidades e demandas por água, com tendência à intensificação dos conflitos. A situação atual da qualidade das águas indica que foi ultrapassada a capacidade de assimilação de cargas poluidoras em muitos trechos. Em outubro de 2006 este cenário levou à mortandade de cerca de 90 toneladas de peixes no rio dos Sinos (FIGUEIREDO et al., 2010; UNISINOS, 2011).

Entre as funções de força que atuaram para tal estava o regime pluviométrico local, pois o verão de 2006, assim como o anterior, se caracterizaram por prolongada estiagem. Desde o segundo semestre de 2007, até agosto de 2010, não ocorreram estiagens rigorosas e prolongadas como a citada. A ausência de fortes estiagens nos anos posteriores, associadas a várias medidas de controle e à intensificação da fiscalização de cargas pontuais e difusas, proporcionou melhoria em indicadores de qualidade da água, conforme demonstra o gráfico 1.

Gráfico 1 – Índices de Qualidade das Águas – IQA, valores anuais dos locais de monitoramento do Rio dos Sinos – RS

Fonte: FEPAM, 2011

As análises de Fepam (2011) indicam a necessidade de saneamento básico, pois todo o trecho metropolitano do rio dos Sinos está em Classe 4 para coliformes fecais, com concentrações bastante superiores ao limite desta Classe, atingindo concentrações médias anuais de até 200.000 nmp/100ml. Os arroios Portão (Estância Velha e Portão) e Luiz Rau se destacam pelas altas concentrações de matéria orgânica (DBO), especialmente o arroio Portão, onde estas concentrações vem aumentando nos últimos anos, alcançando médias anuais de Classe 4 (superiores a 10 mg/l).

As descargas orgânicas resultam na redução dos níveis de oxigênio diluído. Com relação à oxigenação do rio dos Sinos, o estudo da Fepam (2011) resultou na seguinte conclusão:

O trecho superior do rio dos Sinos, desde as nascentes em Caraá até Campo Bom, apresenta boa oxigenação e concentrações de matéria orgânica com predominância na Classe 1 do CONAMA. Trata-se de uma área de baixa concentração populacional e de atividades agrícolas. O trecho do rio dos Sinos na Região Metropolitana de Porto Alegre apresenta queda de oxigênio dissolvido, que atinge níveis críticos de mortandades de peixes junto à foz do arroio Luiz Rau (Novo Hamburgo) e na foz do arroio Portão (Estância Velha e Portão).  As concentrações de matéria orgânica também são elevadas na Região Metropolitana, destacando-se também o arroio Luiz Rau (esgotos cloacais, curtumes da área central de Novo Hamburgo) e arroio Portão (cerca de 40 curtumes de Portão e Estância Velha, e esgotos cloacais).

O lançamento de matérias orgânicas nos cursos de água da BHS resulta, também, em aumentos nas concentrações de nutrientes (nitrogênio, fósforo, potássio) nas águas e sedimentos, causadores da eutrofização dos mananciais. Chaves et al. (2009) estudaram a ocorrência de cianobactérias produtoras de toxinas no rio dos Sinos entre os anos de 2005 e 2008, encontrando concentrações elevadas de Planktothrix sp e Cylindrospermopsis sp ao longo de todo o período amostral, com predominância alternada entre elas. Os valores encontrados representam risco para a saúde humana, pois ultrapassam muitas vezes os valores máximos recomendados pela legislação. As funções de força citadas por aqueles autores como responsáveis pelo agravamento da eutrofização no rio foram a poluição doméstica e industrial, as barragens, a ocorrência de refluxos provocados pelo seiche2 nos meses de dezembro a fevereiro, e os regimes de cheia e seca.

Fepam (2011) destacou a concentração de metais pesados na foz do arroio Luiz Rau, onde os metais chumbo, cobre, níquel e zinco apresentam as maiores freqüências acima das Classes 1 e 2, segundo a resolução CONAMA 357/2005. Esta situação decorre principalmente dos efluentes industriais, pois a região é bastante industrializada, abrigando segmentos bastante poluentes, como metalúrgicas com galvanoplastias e beneficiadoras de couros. Este arroio drena toda a poluição da área central do município de Novo Hamburgo.

Uma vez identificadas as principais funções de força que atuam sobre a BHS, o próximo tópico discute como gerenciá-las.

3. Gerenciando as funções de força em recursos hídricos

A gestão dos recursos hídricos implica em encontrar soluções técnicas que permitam conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação da biodiversidade de modo a garantir a sustentabilidade dos serviços ecossistêmicos às gerações futuras. Modernização não é sinônimo de desenvolvimento, ao contrário, o crescimento econômico ocorrido principalmente a partir da revolução industrial, ao tempo em que modernizou as economias, provocou extrema depleção ambiental, incompatível com a idéia da sustentabilidade, que pressupõe evolução harmônica da economia, conciliada com o bem-estar social e uso dos produtos e serviços ecossistêmicos de modo a preservá-los para as gerações futuras.

Estão fadadas ao fracasso, do ponto de vista do desenvolvimento sustentável, as políticas públicas que são impostas à sociedade ignorando princípios cunhados ao longo de décadas de estudos científicos sobre os ecossistemas3. É fundamental o conhecimento dos princípios gerais que controlam o funcionamento dos sistemas ambientais.

Até os anos 1980 o gerenciamento ambiental ocorria a nível local: estudava-se o recurso hídrico (lago, rio) de forma pontual, sem olhar o seu entorno. Os estudos geralmente estavam ligados a algum serviço, com enfoque unidisciplinar e setorial. E eram acionados de forma reativa, para “resolver” os problemas que surgiam. A partir daquela década, a amplitude mudou para a visão de região, contemplando as áreas abrangidas pelas BH, com uma visão que paulatinamente vai se percebendo como interdisciplinar e multidisciplinar, com acionamento integrado de gestores e cientistas de diversas áreas, da engenharia à biologia, passando pela química, economia, etc, buscando ações proativas de antecipação à ocorrência de desequilíbrios ambientais.

A figura 3 permite a reflexão sobre o inter-relacionamento entre o homem e o meio ambiente, a partir do desenvolvimento de legislações, tecnologias e modelos de gestão, para atuação sobre as funções de força que resultem em perda da biodiversidade – a consequência final e irreparável das ações antrópicas sobre o meio ambiente.

Figura 3 – O moderno inter-relacionamento entre o homem e a natureza

Fonte: Tundisi (2011)

A partir da definição dos objetivos ambientais a serem atingidos, são elaborados modelos conceituais que resultam em formulações matemáticas. Os modelos são, então, testados, calibrados e validados, para finalmente serem aplicados como ferramentas de prognóstico na gestão dos recursos hídricos. As etapas do processo de implementação do gerenciamento de uma bacia hidrográfica podem ser a formação e implementação de: um (i) banco de dados com informações específicas sobre cada um dos recursos hídricos que compõe a bacia hidrográfica; um (ii) banco de dados com informações geográficas obtidas por sistemas de geoprocessamento; um (iii) banco de dados hidrológicos, climatológicos, biogeofísicos, a nível de BH – usos da bacia; um (iv) modelo de eutrofização e qualidade da água. Ainda, (v) modelos hidrodinâmicos; (vi) modelos de transporte de sedimentos; (vii) modelo de gerenciamento da bacia hidrográfica e de cada recurso hídrico – a partir de um modelo integrador, definido pelo uso de cenários de usos múltiplos da BH e de cada recurso hídrico; (ix) estudo da interação entre gestores e usuários; (x) criação de software para o gerenciamento do sistema; além de ações como o (xi) treinamento de gerentes; e (xii) implementação do ciclo PDCA (planejamento, implementação, controle, e ajustamentos).

A próxima seção aborda as ferramentas tecnológicas e de gestão utilizadas para o gerenciamento das bacias hidrográficas, aplicáveis à BHS.

4. Ferramentas para o planejamento e gestão de bacias hidrográficas

O sistema de informações ambientais deve apresentar cumulativamente três virtudes: produzir informações consistentes; utilizar metodologias variadas e ajustáveis; e manter a padronização da informação nas repetições, em diferentes períodos. As informações obtidas no monitoramento comporão um banco de dados, servindo para orientar as tomadas de decisões e o acompanhamento das funções de força, principalmente em momentos críticos.

Alguns dos aspectos a serem observados na construção de sistemas de monitoramento são: o cotejo das informações obtidas por geoprocessamento com a “verdade terrestre”; os custos do monitoramento; o ciclo nictemeral; a simultaneidade das coletas; a representatividade das amostras; e a curva de suficiência amostral.

O planejamento das ações de gestão das bacias hidrográficas deve ter presente regras “ecotecnológicas”, como a percepção de cada corpo de água como componente do sistema maior, representado pela bacia hidrográfica; a interconexão entre os subsistemas que compõem o ecossistema; os efeitos ambientais globais das diversas opções que se apresentam para a tomada de decisões; os efeitos de longo prazo das opções; a sensibilidade dos ecossistemas aos diversos inputs; a preferência por opções baseadas em mútuas interações entre os componentes bióticos e suas inter-relações com os abióticos; considerar a dinâmica do sistema; respeito à sustentabilidade do desenvolvimento; confrontar os usos conflitantes dos recursos hídricos; determinar a capacidade de assimilação dos ecossistemas aos diversos poluentes, e não excedê-las; preservar as estruturas naturais e a diversidade da vegetação; e conservar a biodiversidade. Estes tópicos servem como princípios, a serem observados pelos gestores e legisladores ao planejar as intervenções ambientais (TUNDISI, 2011).

Entre as tecnologias disponíveis para o monitoramento e planejamento ambiental merece destaque as sondas multiparamétricas coletoras de dados aquáticos. Acopladas em um barco em deslocamento pelo curso d’água, as sondas permitem a coleta e a transmissão para a central, em tempo real, de diversos parâmetros da água, como a condutividade, pH, turbidez, temperatura, oxigênio dissolvido, nitrogênio, fósforo, sólidos totais, etc, coletadas simultaneamente em diversas profundidades. O conjunto de dados obtidos permite inúmeras análises, incluindo a elaboração de mapas e perfis do recurso hídrico analisado.

Aos dados coletados pelas sondas somam-se outros obtidos por imagens de satélite – geoprocessamento informatizado de dados georreferenciados – além dos relativos ao clima, coletados por estações meteorológicas, e à qualidade do ar, através de estações de monitoramento de gases como o dióxido de enxofre (SO2), monóxido de darbono (CO), ozônio (O3), dióxido de nitrogênio (NO2), e materiais particulados, como o MP10. Os materiais orgânicos e inorgânicos presentes nos solos e sedimentos, analisados em laboratório, permitem conhecer o histórico da evolução dos ecossistemas. Exames toxicológicos a partir da análise de enzimas bioindicadoras presentes no fígado dos animais permite identificar mais de 500 tipos de poluentes orgânicos persistentes (POP).

A intervenção humana nos ecossistemas pode ser construída a partir das informações obtidas pelos diversos meios e da observância dos princípios ecotecnológicos norteadores. A figura 4 ilustra um modelo integrado de gestão para uma BH, combinando técnicas de ecohidrologia, controle hidrológico e aumento de sedimentação em regiões selecionadas. Quanto maior o número de ciclos, maiores serão o retardamento biogeoquímico e a capacidade de biofiltração, além de maior controle.

Figura 4 – Modelo integrado de gestão de uma bacia hidrográfica

Fonte: Tundisi (2010), adaptado de Zalewski (2000)

A BHS vem sendo objeto de diversos estudos, tanto por entidades públicas como a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (FEPAM), através da coleta bimestral de amostragens; pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos (ComiteSinos), através de programas, projetos e ações; pelo consórcio formado pelos municípios pertencentes a BHS, chamado Consórcio Público de Saneamento Básico da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos (Pró-Sinos), via obtenção de recursos para o financiamento de iniciativas relacionadas ao monitoramento do rio, à promoção de investimentos em obras e, destacamos, o financiamento de ações educativas, como o Programa de Educação Ambiental. Também as universidades Unisinos, que abriga o comitê de bacia e coordenou a construção do Plano da Bacia, ainda incompleto, e a Feevale, que disponibilizou seus laboratórios para as análises das amostras de estudos empreendidos pelo ComiteSinos. Ambas as instituições universitárias promovem pesquisas que tem como escopo formar um banco de teses e dissertações sobre a BHS.

Pela sua importância, conjugada com a precária qualidade das suas águas, a BHS vem recebendo atenção e recursos do Governo Federal brasileiro, porém os esforços de melhoria ainda estão dispersos. Elemento norteador das ações, o Plano de Bacia do Sinos está incompleto, pois depende de definições do Plano Estadual de Recursos Hídricos, ainda não concluído. Quando concluído o desafio da conclusão dos planejamentos – plano estadual e da bacia – aumentará a relevância de outro: a criação de agências de águas no Rio Grande do Sul para executar e fiscalizar o cumprimento das ações planejadas.

5. Considerações Finais

A reflexão sobre a situação atual da BHS, suas características e formato de gerenciamento, apontam para a necessidade identificada por Bicudo et al. (2010) de uma integração mais efetiva entre o que a ciência, a tecnologia e a inovação oferecem, e a governança e gestão integrada dos recursos hídricos.

São como vértices de um triangulo: num lado temos a academia, ensinando como agem as funções de força nos recursos hídricos, através da utilização de inovações tecnológicas e de gestão desenvolvidas par a passo com a iniciativa privada, alertando para as consequências das atividades antrópicas sobre a biodiversidade e saúde humana. Tem o poder de desnudar os problemas e apresentar propostas de soluções, mas, talvez pelo comodismo de contentar-se com a simples publicação das pesquisas, deixa de atuar mais ativamente nos meios políticos e sociais para a implementação das soluções.

Em outro estão as instituições encarregadas formalmente de promover a conservação e o uso racional dos recursos hídricos, representadas preponderantemente pelo setor público (prefeituras, consórcio de municípios, governos de estado, ministério público, mitês de bacia, etc) tem o poder de implementar as soluções, com iniciativas de legislação, governança e gestão. Sabem o que precisa ser feito, mas deixam de fazê-lo pela visão de curto prazo – mandatos de quatro anos frente a obras de maior duração e que ficam enterradas – e baixa pressão social para estes investimentos. Soma-se à falta de vontade política a falta de capacitação técnica para a produção dos projetos.

No terceiro vértice temos os usuários, pessoas e empresas que, ao utilizarem-se dos serviços ecossistêmicos para satisfazer suas necessidades, tornam-se poderosa função de força desestabilizadora do meio ambiente. Os usuários tem o poder de exigir dos governantes e legisladores as ações saneadoras. Mas, por características éticas e culturais, agem como se os recursos naturais fossem infinitos. Com pensamentos do tipo: de que adianta “eu” reduzir o consumo ou deixar de poluir se “os outros” continuam consumindo desenfreadamente e poluindo os recursos naturais. A sociedade espera que as instituições – governo e academia – encontrem soluções mágicas para a sustentabilidade ambiental, pois, em grande parte, não está disposta a pagar para ter saneamento básico. É comum na região da BHS a situação da residência ter canalização de esgoto passando na sua rua, mas não faz a ligação para não estragar a calçada e não pagar a taxa de ligação.

Uma solução integradora, posicionada no centro deste imaginário triangulo, pode ser a educação ambiental. Mudanças em nível individual poderão alterar a ética e os costumes, fazendo com que os indivíduos, além de fazer a sua parte, cobrem da academia uma atuação mais ativa e do setor público a implementação das necessárias ações corretivas. Em última análise a solução mágica está nas mãos das pessoas e empresas e não onde elas apenas esperam ver acontecer.

6. Referências Bibliográficas

AZEVEDO, P. U. E.. Apresentação. In: Águas do Brasil: Análises Estratégicas. Org: Bicudo, C. E. M.; Tundisi, J. G.; Scheuenstuhl, M. C. B.. São Paulo, Instituto de Botânica, 2010. Disponível em: <http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-805.pdf>. Acesso em: 08 set. 2011.

BICUDO et al.. Síntese. In: Águas do Brasil: Análises Estratégicas. Org: Bicudo, C. E. M.; Tundisi, J. G.; Scheuenstuhl, M. C. B.. São Paulo, Instituto de Botânica, 2010. Disponível em: <http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-805.pdf>. Acesso em: 08 set. 2011.

CHAVES et al. Ocorrência de cianobactérias produtoras de toxinas no rio dos Sinos (RS) entre os anos de 2005 e 2008. Oecologia Brasiliensis, 13(2): 319-328, Rio de Janeiro, 2009.

FIGUEIREDO, J. A. S. et al.. The Rio dos Sinos wetershed: an economic and social space and its interface with environmental status. Brazilian Journal of Biology, v.70, n.4 (suppl.), december, 2010. ISSN 1519-6984.

FUNDAÇÃO ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL HENRIQUE LUIZ ROESSLER (FEPAM). Qualidade Ambiental – Região Hidrográfica do Guaíba: Qualidade das Águas da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos. Porto Alegre, 2011. Disponível em <www.fepam.rs.gov.br/qualidade/qualidade_sinos/sinos.asp>. Acesso em 12 jun. 2011.

GARCIA, R. L.; TUCCI, C. E. M.. Simulação da Qualidade da Água em Rios em Regime Não Permanente: Rio dos Sinos. Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH)/UFRGS, [1997]. Disponível em: <http://rhama.net/download/artigos/artigo26.pdf>. Acesso em: 21 out. 2012.

NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES. El Agua Potable Segura es Esencial. Global Health and Education Fundation. Washington, 2007. CD-Rom

TUNDISI, J. G.. Apresentação. In: Águas do Brasil: Análises Estratégicas. Org: Bicudo, C. E. M.; Tundisi, J. G.; Scheuenstuhl, M. C. B.. São Paulo, Instituto de Botânica, 2010. Disponível em: <http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-805.pdf>. Acesso em: 08 set. 2011.

TUNDISI, J.G. Ecologia Teórica. Slides de estudo da disciplina Ecologia Teórica, PPGQA/FEEVALE, Novo Hamburgo, 6 a 10 jun. 2011. CD-Rom.

TUNDISI, J.G.; TUNDISI, T.M. Impactos potenciais das alterações do Código Florestal nos recursos hídricos. Biota Neotrópica. Programa Biota Fapesp, 10(4): 67-76. São Paulo, 2010.

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS (UNISINOS). Plano Sinos: Plano de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos. Meta 5. Atividade 5.3 – Síntese do Plano de Bacia. Consórcio Pró-Sinos e Comitesinos. 2011. Disponível em: <http://www.consorcioprosinos.com.br/downloads/PBHSINOS-R10-Volume%20%C3%9Anico.pdf>. Acesso em: 08 set. 2011.

1 A direção do fluxo das águas subterrâneas depende das condições geológicas de cada local, podendo dirigir-se à bacias hidrográficas distintas.

2Nos meses citados o rio dos Sinos sofre oscilações semelhantes á maré, com períodos e amplitudes variáveis em função do efeito da intensidade do vento sobre a superfície líquida do lago Guaíba (50 Km de comprimento e 14 km de largura) (GARCIA E TUCCI, [1997]).

3 A discussão do novo Código Florestal brasileiro – Projeto de Lei no 1.876/99 – constituí-se em exemplo de legislação imposta à sociedade sem dar ouvidos aos cientistas ambientais. A autorização de plantio em encostas e a redução da vegetação ciliar tendem a acentuar a erosão e o assoreamento dos cursos de água e reservatórios. Entre as consequências está a redução da produtividade agrícola pela redução da oferta de água para irrigação.

EcoDebate, 14/11/2012

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  • Maria Leoni Sauter Hennemann

    Muito interessante a abordagem do texto, mas,infelizmente poucos são os resultados práticos para salvarmos o nosso Rio dos Sinos., apesar das somas volumosas que estão sendo destinadas para tal.
    Acreditamos que cada um de nós tem um pouco de responsabilidade nesta árdua tarefa, e as pequenas ações devem continuar porque são elas que hoje estão fazendo a diferença . As mudanças começam no nosso lar,com nossos familiares,filhos,vizinhos,amigos….
    A Família Hennemann, de NH, está contribuindo com ações durante os 12 meses do ano.Lewa Esperança

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