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Intermapas – Plataforma cruza informações para denunciar impactos do modelo de desenvolvimento brasileiro

 

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Visibilizar os conflitos em curso no Brasil relacionados à disputa por territórios e promover o fortalecimento e a articulação de diversas redes de movimentos sociais e organizações que lutam por justiça social e ambiental: essa é a proposta do Intermapas, ferramenta online que reúne em uma só plataforma quatro mapas que estavam disponíveis de maneira isolada na internet. São eles: o Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde (desenvolvido em conjunto pela Fiocruz e pela ONG Fase), Agroecologia em Rede (desenvolvida pela Articulação Nacional de Agroecologia, pela Associação Brasileira de Agroecologia e pela Sociedade Científica Latinoamericana de Agroecologia), o Farejador da Economia Solidária (do Fórum Brasileiro de Economia Solidária) e o Mapa dos Projetos financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (criado pela Plataforma BNDES, composta por organizações que procuram problematizar a atuação da instituição).

Desenvolvido no processo de preparação para o Encontro Nacional de Diálogos e Convergências e lançado durante o evento, o Intermapas permite um estudo integrado de duas dimensões centrais para muitos dos principais debates da Cúpula dos Povos: a denúncia dos estragos causados pelo modelo de desenvolvimento brasileiro e do papel do Estado em seu fomento – expressos pelas injustiças ambientais com repercussão na saúde e pelos financiamentos do BNDES aos megaempreendimentos e ao agronegócio – e também a divulgação da resistência de comunidades que propõem alternativas a esse modelo – caso dos empreendimentos de agroecologia e economia solidária.

Fortalecimento dos movimentos sociais

Segundo Daniel Tygel, que desenvolveu o Intermapas na época em que ocupava o cargo de secretário executivo do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), a ferramenta foi pensada como uma estratégia de fortalecimento de grupos que têm sua autonomia ameaçada pela expansão das fronteiras de exploração capitalista nos territórios e que buscam resistir a esse processo. “Como estávamos discutindo diálogos e convergências e as estratégias de fortalecimento das lutas nos territórios, percebemos que uma visão que englobasse vários mapas – um ‘mapa de mapas’- poderia ser um avanço grande para a ação”, afirma.

Fernando Carneiro, professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB) e integrante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, avalia que a principal novidade do Intermapas está no caráter “extra-oficial” dos dados: “É uma plataforma rica porque lá você encontra realmente as forças vivas da sociedade. São informações que não estão nos sites oficiais do IBGE, do Ministério da Saúde… A maioria dessas informações é produzida pela sociedade civil organizada. Esse talvez seja o maior interesse que ele desperta”. O público-alvo da plataforma, diz Carneiro, são os próprios movimentos sociais, mas não só. “Prioritariamente, a ideia é auxiliar os movimentos sociais a fazer uma leitura de problemáticas e ao mesmo tempo de possibilidades de resistência a partir de experiências concretas nos territórios. Mas ele pode servir também para pesquisadores, que poderão ver nos seus territórios de interesse essas múltiplas tensões entre dois projetos de desenvolvimento, expressos na dicotomia entre o agronegócio e a agroecologia, por exemplo. E um gestor inteligente teria nele elementos muito interessantes para formulação de políticas públicas”.

Reterritorialização

Paulo Petersen, coordenador executivo da ASPTA- Agricultura Familiar e Agroecologia, conta que um elemento essencial para a análise tanto do aspecto de denúncia quanto de proposição de alternativas de desenvolvimento do Intermapas é o conceito de territorialidade. “O modelo de desenvolvimento brasileiro é um modelo de desterritorialização, ou seja, é um modelo em que os territórios são apropriados pelo grande capital e colocados a serviço das corporações, em que as populações ficam completamente subordinadas a lógicas econômicas que vêm de fora, degradando completamente todas as condições anteriores: sejam ambientais, sejam as formas de organização social e cultural. É uma grande preocupação propor um modelo de desenvolvimento alternativo que reterritorialize, com a construção de economias mais localizadas, com cadeias de produção e consumo curtas, que são justamente bandeiras da economia solidária e da agroecologia”.

No entanto, como afirma Daniel Tygel, essas duas dinâmicas ainda são largamente negligenciadas pelo poder público na hora da alocação de recursos, o que fica explícito na atuação do BNDES. “Há uma concentração de financiamentos em algumas empresas, principalmente no campo de construção, agronegócio, hidrelétricas, soja, pecuária. Há casos de empresas recebendo R$ 15 milhões só para fazer planejamento estratégico interno. Tudo com um grau mínimo de contrapartida – ou em alguns casos zero. Então é uma disparidade na alocação de um recurso o qual 50% vem do FAT, que é o Fundo de Amparo ao Trabalhador. Esse recurso está sendo usado de forma totalmente comprometida com os interesses do grande capital, o que chega a ser absurdo vindo de um banco público”. Paulo Petersen complementa: “O crédito anual para o agronegócio passa hoje de R$ 120 bilhões , enquanto o máximo que a agricultura familiar recebeu até hoje foi R$ 16 bilhões em crédito. Há uma série de outros benefícios: boa parte dos investimentos do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] é exatamente para organizar a infraestrutura necessária para o agronegócio, são estradas, ferrovias, hidrelétricas, grandes estruturas de armazenamento”.

Agroecologia e economia solidária: estratégias de promoção da saúde

Fernando Carneiro usa o exemplo dos agrotóxicos para ressaltar a importância da saúde se fazer mais presente no debate acerca do desenvolvimento. “A estimativa que temos hoje é de mais de 300 mil intoxicados por ano por agrotóxicos. Apesar da estimativa oficial ser de seis mil, sabemos que a subnotificação é enorme. Tivemos mais de três mil mortes em 10 anos por intoxicação por agrotóxicos, e esses são dados oficiais, é só a ponta do iceberg. Isso tudo está batendo nas portas do SUS, está custando caro para o cidadão, que tem pago uma dupla conta, porque os agrotóxicos, por exemplo, são isentos de impostos na maioria dos estados”, explica. Para Carneiro, a autonomia que as cadeias de produção e consumo baseadas na agroecologia e na economia solidária confere aos trabalhadores tem impactos positivos para a saúde. “Quando se tem autonomia sobre os meios de produção, isso impacta positivamente na saúde do trabalhador na medida em que ele tem mais liberdade para definir sua carga de trabalho, o que muitas vezes um assalariado não tem. Além disso, essas cadeias produtivas estão associadas a um comércio justo, que não tem o lucro como objetivo principal e que tem preocupações sociais e ambientais. O SUS deveria estar estimulando esse tipo de modelo de produção, porque evitaria muitas filas nos postos de saúde e hospitais” avalia.

Daniel Tygel relata a experiência de uma comunidade no norte de Minas Gerais que há três anos atrás impediu que uma empresa conseguisse renovar a autorização para o plantio de eucalipto, monocultura que consome muita água e nutrientes do solo. Para ele, a ação exemplifica as potencialidades do mapa. “Há hoje um processo de recuperação da água, da biodiversidade e da terra, mas não só: também as condições de vida das populações da região se recuperam, embora a comunidade nunca tenha recebido apoio do poder público. Com o Intermapas, deu para perceber imediatamente que ao lado dessa comunidade, o BNDES tinha acabado de liberar R$ 12 milhões para uma nova área de eucalipto. Ou seja, não se disponibiliza recurso para se recuperar uma área degradada pelo eucalipto, mas se destina dinheiro para degradar uma nova área”.

Segundo Tygel, o Intermapas ainda está em construção e a ideia é agrupar outros mapas na medida em que eles forem sendo desenvolvidos pelas diferentes redes de movimentos sociais que organizaram o Encontro Nacional de Diálogos e Convergências e outras que desejarem se engajar. “Se o pessoal relacionado à violência no campo, como a CPT [Comissão Pastoral da Terra], desenvolver um sistema para fazer um mapa da violência no campo, ele pode se incorporar ao Intermapas”, prevê ele, que atualmente trabalha no coletivo Eita – Educação, Informação e Tecnologia para Autogestão, que oferece assessoria técnica para movimentos sociais desenvolverem seus próprios mapas. Os critérios para a incorporação de novos mapas, de acordo com Tygel, estão expressos na Carta Política do Encontro de Diálogos e Convergências. “Ela dá a orientação de princípios e também de pressupostos políticos para incorporação ou não de um novo mapa no intermapas. Existem orientações claras na carta, de que estamos falando de processos emancipatórios no campo popular, de transformação das relações de produção tanto rural quanto urbana, de relações de consumo, de mercado e da organização econômica dos territórios”, detalha.

Acesse:
www.fbes.org.br/intermapas

Matéria de André Antunes, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), publicada pelo EcoDebate, 05/09/2012

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