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Notícia

MPRJ aciona Estado e Prefeitura de Nova Friburgo para que iniciem obras em encostas com risco de novos deslizamentos

 

Nova Friburgo, janeiro 2011

As 1ª e 2ª Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Nova Friburgo propuseram à Justiça onze Ações Civis Públicas (ACPs) em face do Estado do Rio de Janeiro e do Município de Nova Friburgo para que iniciem, no prazo de 180 dias, a execução de obras para minimização dos riscos geológicos constatados em áreas da cidade identificadas como encostas em risco iminente de novos deslizamentos. Em janeiro de 2011, um temporal atingiu a Região Serrana do Estado, provocando a morte de cerca de 900 pessoas (451 em Nova Friburgo) e deixando centenas de desaparecidos.

As ações foram propostas entre os dias 02/07 e 5/07 e demonstram a inércia ou lentidão dos órgãos federativos para iniciar as obras, além de apontar a existência de verbas no orçamento estadual para as intervenções, ainda não aplicadas. Foi requerida também a fixação de multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento das medidas, que têm pedido de antecipação de tutela. Caso as liminares sejam deferidas, os réus também ficam obrigados a apresentar às Promotorias de Justiça relatórios bimestrais das ações executadas como forma de controle do efetivo cumprimento da decisão.

As ACPs referem-se às localidades Jardim Califórnia, Jardinlândia, São Geraldo, Rosa Branca, Três Cachoeiras, Prado, Vila Nova e Lazareto. Outras ações serão propostas, ainda, com foco em outras localidades de alto risco, entre elas, Rui Sanglard e Loteamento Três Irmãos. De acordo com as ACPs, após tentar resolver as questões extrajudicialmente, o Ministério Público do Estado Rio de Janeiro (MPRJ) decidiu ajuizar as medidas judiciais em função “da omissão dos governos em promover, no mínimo, os procedimentos administrativos para a contratação das obras e minimização dos riscos geológicos”. As obras de contenção, estabilização, drenagem ou demais intervenções que se façam necessárias à redução do risco geológico até o grau baixo devem ser atestadas por técnico habilitado ou, em último caso, demonstrada a impossibilidade das obras, deverá ser feito o reassentamento da população afetada para áreas seguras com o pagamento de aluguel social até o efetivo reassentamento. As ações foram subscritas pelos Promotores de Justiça Carlos Gustavo Coelho de Andrade, Bruno de Faria Bezerra e Henrique Aragão.

Histórico

Logo após a tragédia, que causou mais de 300 deslizamentos de encostas, muitas das quais densamente povoadas, foi feita análise preliminar das centenas de áreas de risco iminente de desabamento pelo Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro (DRM-RJ) com auxílio do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) – órgão do Ministério de Minas e Energia, da Defesa Civil Nacional vinculado ao Ministério da Integração Nacional. As análises orientaram as ações da Defesa Civil Municipal e Estadual na interdição e demolição de algumas residências em área de risco. Os estudos preliminares com a marcação de áreas em linhas vermelhas de risco iminente foram disponibilizados pelo Ministério Público à população pela internet, logo após a realização de audiência pública em 14 de fevereiro de 2011.

Em março daquele ano, a Secretaria de Estado de Obras (SEOBRAS), com a GEO-RIO, órgão da Prefeitura do Rio de Janeiro, e com a empresa GEOMECÂNICA, catalogaram cerca de 430 intervenções de contenção que seriam necessárias nas diversas encostas da Região Serrana, dentre elas cerca de 250 intervenções, necessárias à contenção definitiva das encostas de Nova Friburgo. O valor estimado para as cerca de 250 obras de contenção de encostas necessárias a Nova Friburgo chegou ao montante de R$ 789.977.693,43, sobre os quais a EMOP/SEOBRAS sugeriu acréscimo de 20% a título de “contingência”, alcançando o valor total de R$ 947.973,232,12 de custos, na avaliação preliminar realizada.

Após listar e orçar as obras indicadas, a Defesa Civil Municipal de Nova Friburgo apresentou ao Estado a relação de prioridades para o Município, requerendo auxílio estadual para o gerenciamento e efetivação das intervenções, que muito ultrapassavam a previsão orçamentária anual da prefeitura (cerca de R$ 282 milhões de receitas correntes previstas para 2011). De acordo com as ações, a proporção e o vulto das obras necessárias à estabilização das encostas demonstra cabalmente a necessidade e dever de atuação do Estado sobre as mesmas, sendo inviável que o Município gerenciasse obras orçadas em mais de R$ 700 milhões.

O Estado, através da SEOBRAS, num primeiro momento, em 8 de julho de 2011, contratou, com dispensa de licitação com base no art. 24, IV, da Lei 8.666/93, as sociedades empresárias Geomecânica S/A Tecnologia de Solos, Rochas e Materiais e Construtora Zadar LTDA, para a realização de obras de contenção em oito encostas consideradas prioritárias pelo Governo, com recursos próprios estaduais (contratos nº 036/11 e 042/11). Ambos os contratos tinham como prazo de entrega das intervenções o mês de dezembro de 2011. Entretanto, até a presente data, nem mesmo estas obras contratadas foram entregues (ao contrário: em fevereiro de 2012 foram firmados novos contratos com as mesmas empresas, novamente com dispensa de licitação, visando à continuidade dessas oito intervenções por mais seis meses, que se findarão no início de agosto de 2012. Ainda, segundo as ações, é sabido, entretanto, que algumas destas obras sequer foram iniciadas enquanto outras avançam em ritmo lento.

Objeto das ACPs

Em agosto de 2011, o MPRJ recebeu relatório do mapa de risco geológico em Nova Friburgo, estudo elaborado pelo DRM-RJ e pelo CPRM, constatando a existência de inúmeras localidades com encostas em risco iminente de novos deslizamentos. Essas encostas não estão contempladas nas oito obras de contenção contratadas pelo Estado. Nessas áreas, o MPRJ instaurou inquéritos individualizados para aquelas onde havia maior grau de risco e de pessoas atingidas.

Bairro Lazareto – o MPRJ requer que seja determinada pela Justiça a realização de obras de contenção, estabilização e drenagem nas encostas próximas às ruas Augusto de Souza Freitas e Benjamin Constant e da Avenida dos Ferroviários, onde há cerca de 250 pessoas atualmente em risco de vida.

Foi apurado pelo MP que, desde 2008, o Município estudava a realização de obras no local e que, em 2009, o Estado se comprometeu a realizar as intervenções ao custo de R$ 1,5 milhão, com verbas de repasses federais. As obras tinham previsão de conclusão em novembro de 2010, o que não ocorreu. Após a tragédia em 12 de janeiro de 2011, a Defesa Civil Municipal informou que a EMOP teria indicado intervenções no local (orçadas inicialmente em quase R$ 19 milhões), e a atualização do estudo de risco geológico, “Decorridos cerca de 18 meses (um ano e meio!) da maior catástrofe climática de nosso país, nenhuma intervenção foi realizada no local, permanecendo a população das localidades indicadas, situadas no bairro Lazareto, assim como a friburguense e Serrana em geral, exposta de forma contínua e reiterada a risco de vida pela instabilidade das encostas, falta de drenagem e presença de instáveis blocos rochosos, sendo obrigada a conviver com risco geológico classificado como alto, muito alto ou iminente por força da omissão dos réus”, narra trecho da ação.

Vila Nova – O MPRJ requer a realização das obras de contenção, estabilização e drenagem nas encostas próximas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), em Vila Nova, onde há quase 80 pessoas atualmente em risco de vida. Em dezembro de 2011, a Defesa Civil Municipal realizou nova vistoria na encosta da UERJ, concluindo que a área ainda se encontra em risco.

Prado – O MPRJ requer a realização de obras de contenção, estabilização e drenagem nas encostas da Rua Francisco José Martins, em Prado, onde há quase cem pessoas atualmente em risco. Em janeiro deste ano, o CPRM realizou nova vistoria técnica no local, aconselhando a adoção de reparos estruturais.

Jardim Califórnia – O MPRJ requer a realização das obras de contenção, estabilização e drenagem necessárias na Rua Glória Matos, Jardim Califórnia, onde há 800 pessoas atualmente em risco. Em março de 2012, a Defesa Civil Municipal realizou nova vistoria no local e expôs a necessidade de medidas imediatas para redução do risco como ordenamento das águas pluviais a montante, interdição das edificações ao entorno, bem como medidas de contenção.

Jardim Califórnia – O MPRJ requer a realização das obras de contenção, estabilização e drenagem necessárias nas encostas próximas das Ruas Bento Faria e Alcindo Alves dos Reis, no Jardim Califórnia, onde há cerca de 230 pessoas atualmente em risco. Em meados de janeiro de 2012, geólogos da Defesa Civil Municipal e do CPRM realizaram nova vistoria na área constatando o risco de deslizamento de taludes e blocos rochosos e a presença de diversos blocos rochosos de grande volume, concluindo pela necessidade de obras.

Jardinlândia – O MPRJ requer a realização das obras de contenção, estabilização e drenagem necessárias nas encostas em risco geológico nas proximidades da Rua Francisco Primo Queiroz, Rua José Afonso de Queiroz, Rua David Marques dos Santos e Rua Benjamim Constant, 647 e 649, onde há quase 300 pessoas atualmente em risco de vida. Em janeiro deste ano, o CPRM realizou nova vistoria técnica nas ruas Francisca Primo Queiroz e José Afonso de Queiroz, confirmando a existência de blocos rochosos e rochas fraturadas de forma instável. Com relação à Rua David Marques dos Santos e Benjamim Constant, 647 e 649, o CPRM também constatou problemas.

Rosa Branca – O MPRJ requer a realização das obras de contenção, estabilização e drenagem nas proximidades da Rua Las Vegas 271, São Jorge, Loteamento Rosa Branca, no bairro de São Geraldo, onde há quase 160 pessoas atualmente em risco. Em janeiro deste ano, o CPRM realizou nova vistoria técnica na Rua Las Vegas 271, em que foi constatado que ainda há risco no local, sendo recomendadas medidas de curto prazo para minimizar os riscos, como construção de drenagens na crista do talude, a suavização do ângulo de inclinação e a remoção de possíveis blocos rochosos, sendo que seriam medidas de curto prazo e não definitivas.

São Geraldo – O MPRJ requer a realização das obras de contenção, estabilização e drenagem nas proximidades das Ruas José Alves Teixeira, Carlos Condack, Ricardo Santos e Farmacêutico Saturnino Pereira, em São Geraldo, onde há cerca de 580 pessoas atualmente em risco. No final de janeiro de 2012, geólogos da Defesa Civil Municipal e do CPRM realizaram nova vistoria no local, constatando o risco de deslizamento de taludes e a presença de diversos blocos rochosos de grande volume “em situação de equilíbrio instável”, concluindo pela necessidade de obras de drenagem e contenção de taludes e desmonte e fixação dos blocos rochosos.

São Geraldo – O MPRJ requer a realização das obras de contenção, estabilização e drenagem necessárias nas encostas próximas das ruas Salvador Heggendorn, Joaquim Augusto dos Reis, Joaquim Augusto dos Reis com Rua Aracruz e Rua Satilde C. Gomes, no bairro de São Geraldo, onde há quase 300 pessoas atualmente em risco de vida. Em janeiro deste ano, o DRM-RJ realizou nova vistoria técnica nas ruas constatando que todas as localidades apresentam risco remanescente e risco potencial a novos escorregamentos, corridas de massa, queda e rolamento de blocos, além de processos erosivos.

São Geraldo – O MPRJ requer a realização das obras de contenção, estabilização e drenagem necessárias nas encostas da Rua Aristides José Pereira, onde há quase 60 pessoas atualmente em risco de vida. Em janeiro de 2012, o CPRM realizou nova vistoria no local constatando que a área ainda oferece risco. Procurada a se manifestar se já havia removido árvores de grande porte que aumentavam o risco na área, a Prefeitura informou não dispôr de mão de obra qualificada ou equipamentos que possam oferecer a devida segurança na realização do trabalho.

Três Cachoeiras – O MPRJ requer a realização das obras de contenção, estabilização e drenagem necessárias nas encostas próximas ao loteamento Parque Agrinco, em Três Cachoeiras, onde há quase 150 pessoas atualmente em risco de vida. Em outubro de 2011, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano Sustentável de Nova Friburgo realizou nova vistoria no loteamento, concluindo que existem algumas residências em área de possível escorregamento. Em dezembro, a Defesa Civil Municipal vistoriou o local informando que existem 82 residências no local, sendo que aproximadamente 25 estariam em área de risco e apenas três imóveis estariam marcados para demolição e 14 estariam interditados.

Reunião com subsecretário e orçamento

Nos dias 4 de abril e 18 de maio deste ano, O MPRJ realizou reuniões com o Subsecretário Extraordinário da Região Serrana da Secretaria de Obras do Estado, constatando que pouco está sendo feito para redução do risco, um ano e meio após a tragédia. De acordo com a ACP, o Subsecretário afirma que os procedimentos estavam paralisados em quatro locais (Bairro Floresta, São Jorge e duas pequenas áreas de Jardinlândia, Conselheiro Paulino), sem previsão de retomada ou da realização de qualquer outra obra em Nova Friburgo. “Em relação ao termo de compromisso firmado com a CEF e União Federal para obras em quatro eventos de Nova Friburgo, o procedimento encontra-se paralisado por questões burocrático-administrativas, não se tendo previsão para efetivo início das obras no Loteamento Floresta ou São Jorge, desconhecendo o depoente o atual andamento do procedimento”, narra trecho da ACP. Ainda segundo a ACP, “em relação às demais obras, o depoente entende que cabe principalmente ao Município de Nova Friburgo e a cada Município da Região Serrana a gestão e execução das obras de contenção em seu território, sendo a atuação do Estado supletiva”. De acordo com o Subsecretário, o Município não apresentou solicitações ou projetos ao Estado.

O MPRJ aponta na ação que “não há como o Estado alegar falta de recursos para negar-se a agir”. No orçamento de R$ 52 bilhões previsto para 2012 (Lei Estadual 6.125/11), cerca de R$ 2,7 bilhões estão previstos para a Secretaria Estadual de Obras, além de R$ 118,2 milhões para “Recuperação de Localidades Atingidas por Catástrofes”, R$ 112 milhões para a implementação do Programa Morar Seguro (Secretaria de Estado de Habitação) e cerca de R$ 63 milhões do mesmo programa para a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (que seriam para o pagamento de aluguel social). No texto, o MPRJ critica o gasto de mais de R$ 168 milhões em publicidade institucional, consultoria e planejamento de assessoria de imprensa, entre outros como o Sorteio Preliminar dos Grupos da Copa do Mundo (cerca de R$ 14 milhões) e com o custeamento do evento privado Oi Athina Onassis Horse Show (R$ 2 milhões), em detrimento do investimento na proteção à população em áreas de risco. Dentre outros exemplos, o texto aponta para os recentes gastos estaduais em Nova Friburgo, como o desembolso de R$ 150 milhões para “intervenções urbanísticas”, que vão desde a construção de pórtico na entrada da cidade a construção de centro de convenções e elaboração de estudos de fomento ao turismo.

“Desde o início das investigações após a catástrofe, o MPRJ buscou elementos de prova a respeito dos fatos e soluções possíveis, além de soluções amigáveis com os Poderes Públicos Municipal e Estadual. Entretanto, ante a contínua procrastinação da resolução do problema pelos réus e pela urgência do imediato início das intervenções de estabilização, contenção e drenagem das encostas, outra solução não restou ao MP senão a propositura das ações, em defesa do meio ambiente saudável e da incolumidade pública, segurança, saúde e vida dos cidadãos friburguenses. estando ciente o Poder Público há meses do teor do estudo sobre as áreas de risco da cidade. Sua inércia é criminosa e leviana com a vida de centenas ou milhares de friburguenses, turistas, visitantes e cidadãos submetidos a altíssimo risco geológico. Esperamos a implementação urgente de medidas de minimização dos riscos geológicos”, explica o Promotor de Justiça Carlos Gustavo Coelho de Andrade.

Informe do MPRJ, publicado pelo EcoDebate, 11/07/2012

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Alexa

One thought on “MPRJ aciona Estado e Prefeitura de Nova Friburgo para que iniciem obras em encostas com risco de novos deslizamentos

  • A falta de responsabilidade social das autoridades públicas, tanto municipais quanto estaduais é alarmante e vergonhosa. Porque não copiam o que é positivo e sério de países como o Japão? Falta princípios éticos, respeito à Vida e à Natureza das quais esses canalhas não pensam em suas gerações futuras tampouco a vida no Planeta.

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