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Por um Brasil livre de energia nuclear. Entrevista com Francisco Whitaker

 

Os defensores da energia nuclear conseguem pintar uma imagem de que ela é sinônimo de alta tecnologia, de que os países que investem nesse modelo de energia são avançados, e que o Brasil não pode ficar para trás”, afirma o arquiteto.

Confira a entrevista.

O acidente nuclear de Fukushima reacendeu o debate da energia nuclear no Brasil. Enquanto o governo defende a conclusão de Angra III, engenheiros, pesquisadores, ambientalistas e integrantes da sociedade civil se organizam no sentido contrário, na tentativa de banir a energia nuclear do país. Hoje, a campanha “Por um Brasil livre de energia nuclear” é promovida por duas frentes de discussão: a Coalizão por um País Livre de Usinas Nucleares, e a Articulação Anti-Nuclear Brasileira, que divulgam informações sobre os riscos desse modelo energético e promovem ações para repensar a composição da matriz energética brasileira. O arquiteto e ativista brasileiro Francisco Whitaker participa da Coalizão e diz que as duas frentes atuam no sentido de convencer o governo federal a desistir da ampliação da energia nuclear no país.

Em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone, Whitaker avalia que a Coalizão e a Articulação já conquistaram duas vitórias. A primeira foi o adiamento da conclusão de Angra III, que depende de um financiamento externo. “Pressionamos a Alemanha para que não libere esse dinheiro, pois se o governo alemão decide que não irá mais investir em energia nuclear, não pode financiar usinas nucleares em outros países. Diante da pressão brasileira, o governo alemão resolveu postergar a decisão de dar a garantia para a construção de Angra III”, explica. A segunda conquista diz respeito a iniciativa do governo federal de adiar a construção de novas usinas nucleares.

O Instituto Humanitas Unisinos – IHU também participa deste debate, e em breve publicará uma entrevista com Dom Jaime Chemello, que recentemente visitou Chernobyl. A edição número 355 da revista IHU On-Line, de 28-03-2011, intitulada A energia nuclear em debate, publica uma série de entrevistas sobre as implicações da energia nuclear.

Francisco Whitaker (foto) foi presidente da Juventude Universitária Católica – JUC em 1953-1954, assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB no 1° Plano Pastoral de Conjunto em 1965-1966, e assessor da Arquidiocese de São Paulo e da CNBB de 1982 a 1988. Foi vereador de São Paulo, SP. É sócio-fundador da Associação Transparência Brasil e foi professor no Instituto de Formação para o Desenvolvimento de Paris e no Instituto Latino-Americano de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ilpes/ONU).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que consiste a campanha por um Brasil livre de usinas nucleares?

Francisco Whitaker – Essa campanha iniciou após o desastre de Fukushima, quando assistimos ao sofrimento do povo japonês. Esse desastre acordou as pessoas em relação à periculosidade da energia nuclear.

O Japão é conhecido por dominar a tecnologia nuclear, então, era o último lugar que se poderia esperar um acidente desse tipo e magnitude. Mas mesmo lá, a natureza se encarregou de destruir as previsões. Eles construiriam um dique de contensão de cinco metros de altura para prevenir de eventuais ondas do mar, mas veio uma onda de quinze metros. Esse acidente nos mostrou que não é possível haver uma usina nuclear 100% segura.

Os que defendem a energia nuclear argumentam que ela é mais barata, argumento que é extremamente contestado, principalmente se agregarmos ao custo da usina os gastos oriundos de um desastre. Independentemente do custo econômico, a usina em si é um atentado ao bom senso por causa dos riscos.

Quando acontece um desastre como o de Chernobyl ou Fukushima, muitas pessoas morrem por causa da explosão, e outras são atingidas pela nuvem de radiatividade que se forma e contamina a água, o solo, o ar, porque tal radiação não desaparece rapidamente. A radiatividade permanece por dezenas, centenas ou milhares de anos no local, contaminando as pessoas e o meio ambiente.

Outro risco diz respeito ao lixo atômico. As varetas de urânio produzem elementos e materiais que são extremamente radiativos. Além do mais, o lixo radiativo precisa de 100 mil anos para perder a radiatividade. Ainda não há solução para tratar esse tipo de lixo. Na França eles têm quase cinquenta mil toneladas de lixo atômico acumuladas e não sabem o que fazer com esse material. Cinco anos depois de Chernobyl ter explodido, foi feito um sarcófago sobre a usina, e ele começou a vazar. Precisaram construir um segundo sarcófago para impedir que a radiatividade saísse da usina.

IHU On-Line – No Brasil, dois fóruns discutem as questões referentes à energia nuclear: a “Coalizão por um País Livre de Usinas Nucleares” e a “Articulação Anti-Nuclear Brasileira”. Quais as diferenças e aproximações entre essas duas frentes?

Francisco Whitaker – A diferença diz respeito à forma como foram criadas. A Coalizão trabalha intimamente relacionada com a Articulação. Coincidentemente, no mesmo dia que nós realizamos a primeira reunião da Coalizão em São Paulo, foi criada, no Rio de Janeiro, Articulação.

A Coalizão se definiu como um grupo de pessoas e organizações que irão atuar no sentido de esclarecer a população sobre a energia nuclear, e precisamente batalhar para que o governo brasileiro não adote essa opção. Nossa proposta é de que o governo federal volte atrás e desista das obras de Angra III, desmantele as usinas de Angra I e II, e não invista nesse projeto.

A Articulação reúne organizações do Brasil todo vinculadas ao tema. Reúne também as pessoas que foram vítimas do acidente do Césio-137 em Goiás [1], ativistas que batalham contra a mineração de Urânio etc. Ela amplia mais o debate do que a Coalizão, mas as duas estão trabalhando em estreita relação. As duas lançaram juntas uma iniciativa popular de emenda constitucional para proibir a construção das usinas nucleares no Brasil.

As duas frentes também participarão juntas na Rio+20 com uma tenda antinuclear. Nossa proposta é divulgar ao máximo as informações que temos para que as pessoas saibam o risco que estamos correndo caso o Brasil insista em expandir a energia nuclear. Infelizmente, ainda há falta de informações em relação ao tema.

IHU On-Line – Pode nos dar mais detalhes sobre essa proposta de emenda à Constituição, proibindo a construção de usinas nucleares no Brasil? Como está esse debate?

Francisco Whitaker – Nós estamos coletando assinaturas. Precisamos coletar 1.500.000 assinaturas para que o tema seja discutido no Congresso, e depois conseguir que um número suficiente de deputados assine uma emenda profissional, para que ela possa ser discutida no Congresso. Então, tem todo um trabalho a ser feito.

Recentemente, uma delegação de parlamentares brasileiros queria ter participado da visita a Chernobyl junto com Dom Jayme Chemello. Mas os parlamentares não puderam ir, porque a data da viagem coincidiu com a votação do Código Florestal. Eles queriam criar uma frente parlamentar contra a energia nuclear e preparar a luta dentro do Congresso.

Ainda sobre as nossas articulações, vamos lançar um livro no dia 21 de maio, em São Paulo, com um texto que escrevi quando apresentei a questão da energia nuclear ao Conselho Episcopal de Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, em fevereiro deste ano, e com artigos de professores. Um capítulo desse livro é intitulado de “Por um Brasil livre de Usinas Nucleares. Por que e como resistir ao lobby nuclear”.

IHU On-Line – Essa campanha tem causado algum efeito na posição do governo federal?

Francisco Whitaker – Já tivemos duas boas repercussões. Uma delas é que a construção da Angra III depende do financiamento alemão. Pressionamos a Alemanha para que não libere esse dinheiro, pois se o governo alemão decide que não irá mais investir em energia nuclear, não pode financiar usinas nucleares em outros países. Diante da pressão brasileira, o governo alemão resolveu postergar a decisão de dar a garantia para a construção de Angra III. Essa foi uma grande vitória.

A segunda vitória é o fato de o governo brasileiro ter decidido adiar a construção das usinas nucleares no Nordeste. Não sabemos se essa decisão tem a ver com a pressão que começamos a fazer. A previsão é de que sejam construídas quatro usinas no Nordeste a partir de 2020. Percebe-se que o governo adiou a construção, mas ainda não desistiu, porque tem uma visão muito “pequena” do assunto. Ele considera que o crescimento econômico do Brasil depende da energia nuclear.

IHU On-Line – A quem interessa a construção de usinas nucleares? Que setores fomentam o lobby?

Francisco Whitaker – Tem muito dinheiro envolvido nesse debate. A construção de uma usina nuclear custa aproximadamente 10 bilhões de reais. Muitas empresas estrangeiras estão interessadas na construção de Angra III, pois exportam reatores, desenvolvem pesquisas, fabricam peças, maquinários. Esses capitais conseguem criar uma aura de que a usina não é problemática. Por exemplo, logo depois do desastre de Fukushima, um dos principais assessores da empresa brasileira de energia nuclear teve a insensatez de escrever um artigo dizendo que Fukushima provou que usina nuclear é segura. É inacreditável.

Os defensores da energia nuclear conseguem pintar uma imagem de que ela é sinônimo de alta tecnologia, de que os países que investem nesse modelo de energia são avançados, e que o Brasil não pode ficar para trás. É inacreditável ver como os franceses têm o maior orgulho de terem a tecnologia avançada. Hoje eles têm dificuldades enorme de abandonar esse modelo, porque 77% da energia é nuclear.

IHU On-Line – A campanha mundial contra a energia nuclear é promovida pela Fundação Gorbachev. Pode nos falar sobre essa fundação? Como o senhor vê a atuação de Gorbachev nas discussões ambientais?

Francisco Whitaker – Essa fundação foi criada por Mikhail Gorbachev em 1993, logo depois da Rio-92, onde a problemática das armas nucleares, das usinas nucleares e da contaminação por radiatividade foi discutida. Surgiu então, a ideia de criar uma instituição como a Cruz Vermelha, que fosse voltada especificamente para atender às vítimas da energia nuclear. Então, criaram a Cruz Verde, uma fundação que está sediada na Suíça. Quando ocorreu o desastre de Chernobyl, Gorbachev era presidente da União Soviética e passou a desenvolver um trabalho mundial de combate às armas e usinas nucleares. Ele desenvolve um grande trabalho em Chernobyl, de assistência às famílias vítimas do desastre.

Outras organizações atuam nesse sentido. No dia 12 de março desse ano, em ocasião do primeiro ano do acidente de Fukushima, um grupo francês protestou contra as usinas da França. Essa organização lançou um apelo para que no mundo todo se fizesse alguma coisa. Em mais de 110 países houve mobilizações nesta data. No Brasil as manifestações foram pequenas, restritas a dez cidades, conduzidas e introduzidas pela Coalizão e pela Articulação.

Nota:

[1] O acidente radiológico de Goiânia, amplamente conhecido como acidente com o Césio-137, foi um grave episódio de contaminação por radiatividade ocorrido no Brasil. A contaminação teve início em 13 de setembro de 1987, quando um aparelho utilizado em radioterapias das instalações de um hospital abandonado foi encontrado, na zona central de Goiânia, no estado de Goiás. Foi classificado como nível cinco na Escala Internacional de Acidentes Nucleares.

O instrumento deixado no hospital foi encontrado por catadores de um ferro velho do local, que entenderam tratar-se de sucata. Foi desmontado e repassado para terceiros, gerando um rastro de contaminação, o qual afetou seriamente a saúde de centenas de pessoas. O acidente com Césio-137 foi o maior acidente radiativo ocorrido fora das usinas nucleares.

(Ecodebate, 18/05/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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