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Notícia

O que são ‘serviços ambientais’, ‘pagamento por serviços ambientais’ e ‘comércio em serviços ambientais’?

 

´Serviço ambiental´, também chamado de ´serviço ecossistêmico´, inclui o substantivo ´serviço´, um termo bastante utilizado na economia capitalista de mercado, na qual atuam empresas e profissionais que prestam os mais variados serviços e cobram por isso. Portanto, o ´serviço ambiental´ sugere que tem, por um lado, algo ou alguém que o presta ou providencia e, por outro lado, alguém que o recebe e o utiliza. Essa lógica parece se aplicar também no caso do ´serviço ambiental´ e seu ´comércio´.

Entretanto, há algo particular no caso do ´serviço ambiental´. Ele não é ´prestado´ por uma pessoa ou empresa, é simplesmente ´ofertado´ pela natureza e de forma gratuita. Os defensores dos ´serviços ambientais´ dão como exemplo áreas de floresta que, devido à sua vegetação densa, conseguem ´armazenar´ e ´produzir´ o ´serviço ambiental´ água que, por sua vez, garante o abastecimento de uma aldeia indígena que vive nessa floresta e de um pequeno vilarejo nas proximidades. Parece que a ´natureza´ está, neste caso, sendo transformada em uma espécie de ´fábrica de água´! Como veremos depois, há muitos interesses corporativos vinculados a esse processo.

A bióloga americana Gretchen Daily, uma defensora da ideia de ´serviços ambientais´, formulou sua concepção sobre o tema da seguinte forma: “as condições e os processos através dos quais ecossistemas naturais e as espécies que fazem parte deles sustentam e realizam a vida humana”. Ela argumenta que ´serviços ambientais´ garantem a biodiversidade de ecossistemas e resultam em ´bens´ como madeira, alimentos, plantas medicinais que, por sua vez, são transformados em produtos importantes para a vida humana (3) .

Outros autores (4), da Europa e dos EUA, falam em ‘funções ambientais´, não apenas pensando nos ´serviços prestados´ para o ser humano, mas em ´funções´ essenciais para manter a vida no planeta, tais como:

– funções de regulação: trata-se de funções que regulam processos ecológicos e sistemas que dão suporte à vida no planeta. São essas funções que fornecem muitos serviços benéficos direta ou indiretamente para o ser humano, como água e ar limpos, solo fértil e o controle biológico de pragas;

– funções chamadas de ´habitat´: relaciona-se com a função dos ecossistemas naturais de garantir um refúgio e condições para a reprodução de plantas e animais silvestres, o que contribui para a conservação da diversidade biológica e genética;

– funções produtivas: o processo de crescimento, inclusive absorção de carbono (CO2) e nutrientes do solo e produção de biomassa. Isso resulta em muitos alimentos, matérias primas para todo tipo de uso e fontes de energia para comunidades;

– funções de informação e outras que incluem oportunidades de reflexão, enriquecimento espiritual e lazer.

Fala-se de ´Pagamento por Serviços Ambientais´ quando alguém paga uma determinada quantia de dinheiro, um preço, por um determinado ´serviço ambiental´ prestado. É óbvio que a natureza, no exemplo da floresta que ´armazena´ e ´produz´ água, não tem conta bancária para receber dinheiro por ter ´prestado´ esse ´serviço´. É aí que os defensores da ideia afirmam que é preciso ter alguém ou alguma instituição para receber o pagamento, mas sempre com a condição de ser o ´dono´ daquela floresta, e também alguém disposto a comprar o referido serviço, a partir do qual começa o ´comércio em serviços ambientais´.

Apesar de haver muitos outros ecossistemas além de florestas, como, o cerrado, o pasto natural e os mares, as florestas são, sem dúvida, o principal ecossistema em questão quando se trata de projetos de ´pagamento e comércio em serviços ambientais´, segundo afirmam os defensores da ideia. Isso ocorre devido à sua enorme riqueza em termos de biodiversidade e, portanto, à grande quantidade de ´serviços prestados´, como a conservação de água e a absorção e armazenamento de carbono, dentre outros aspectos.

Dentro dessas florestas, há centenas de milhões de pessoas, os povos da floresta, que dependem totalmente das mesmas para sua sobrevivência física e cultural. Uma moradora da comunidade de Katobo, que vive na floresta no Leste da República Democrática do Congo, território de Walikali, relata o significado da floresta para ela: “Somos felizes com nossa floresta. Na floresta, coletamos lenha, cultivamos alimentos e comemos. A floresta fornece tudo, legumes, todo tipo de animal e isso nos permite viver bem. É por isso que somos muito felizes com nossa floresta, porque nos permite conseguir tudo que precisamos. E nós, as mulheres, precisamos da floresta em especial porque é onde encontramos tudo que precisamos para alimentar nossas famílias. Quando ouvimos que a floresta poderia estar em perigo, isso nos preocupa, porque nunca poderíamos viver fora da floresta. E se alguém nos dissesse para abandonar a floresta, ficaríamos com muita raiva, porque não podemos imaginar uma vida que não é dentro ou perto da floresta. Quando plantamos alimentos, temos comida, temos agricultura e também caça, e as mulheres pegam siri e peixe nos rios. Temos diferentes tipos de legumes, e também plantas comestíveis da floresta, e frutas, todo de tipo de coisa que comemos, que nos dá força e energia, proteínas e tudo mais que precisamos.”(5)

No entanto, a ideia dos ´serviços ambientais´ é bem diferente da visão expressa nesse depoimento. O ´comércio em serviços ambientais´, por ser um negócio entre um vendedor e um comprador, é um mecanismo de mercado em que a natureza é transformada em ´unidades quantificadas, em ´bens´ comerciáveis, também chamados de ´certificados´, ´títulos´ ou ´ativos´. E mais, supõe-se ainda a ideia de lucrar com esse ´comércio´ e de poder destruir os ´serviços ambientais´ em um lugar sempre se for acompanhado por uma ´proteção´, ´recuperação´ ou ´melhoria´ em outro. Portanto, o ´comércio em serviços ambientais´ é algo radicalmente diferente da forma como os povos sempre vinham valorizando a floresta.

Portanto, vale verificar como a ideia sobre os tais ´serviços ambientais´ surgiu.

1 – Por mercantilização da natureza, falamos do processo de realizar transações comerciais e negócios com os bens da natureza, seja pela extração de elementos concretos, como a madeira, ou engarrafamento de água mineral; seja pela comercialização de componentes mais abstratos da natureza, como a biodiversidade, a fertilidade do solo, o carbono, a beleza da paisagem, o abrigo de uma floresta para as espécies, etc.

2 – Por financeirização da natureza, nos referimos ao processo pelo qual o capital especulativo se apropria de bens e componentes da natureza, comercializando-os através de certificados, de títulos, de ativos, etc., buscando, com a especulação financeira, a obtenção do maior lucro possível.
3 – Daily, G, 1997. Introduction: What Are Ecosystem Services? in Daily, G. (edt), Nature’s Services. Societal Dependence on Natural Ecosystems, Island Press, Washington DC. Informações do Glossary elaborado para o curso sobre Ecological Economics and Political Ecology do projeto EJOLT, coordenado pela Universidade Autonoma de Barcelona

4 – de Groot, R., 1994. Environmental functions and the economic value of natural ecosystems. In: A.M. Jansson, (Editor), Investing in Natural Capital: The Ecological Economics Approach to Sustainability, Island Press, pp. 151–168.; de Groot, R., M. Wilson, R. Boumans, 2002. A typology for the classification, description and valuation of ecosystem functions, goods and services, Ecological Economics, 41, 393-408. Informações do Glossary elaborado para o curso sobre Ecological Economics and Political Ecology do projeto EJOLT, coordenado pela Universidade Autonoma de Barcelona

5 – WRM, “Forests. Much more than a lot of trees”. Video, www.wrm.org.uy, 2011

Informe publicado no Boletim número 175 do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais http://www.wrm.org.uy

EcoDebate, 17/05/2012

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Alexa

One thought on “O que são ‘serviços ambientais’, ‘pagamento por serviços ambientais’ e ‘comércio em serviços ambientais’?

  • Estava pensando, por exemplo, Eem o estado pagar os pequenos produtores rurais, por eles manterem as reservas florestais, aquelas de 20 % que já precisam manter (por enquanto), e também por manterem as matas ciliares, e sobretudo preservarem as nascentes, isso poderia, diminuir a produção agrícola – o problema da fome não é um problema de quantidade de produção de alimentos – até à quantidade que permita conciliar produção com preservação, porque os pequenos, no modelo ao qual precisam se submeter hoje, também destroem a natureza.

    Mas a sociedade atual – o neoliberalismo – simplesmente não admite que o estado pague nada, a não ser a crise dos ricos…

    O texto analisou mais o ´comércio em serviços ambientais´, um negócio entre um vendedor e um comprador, um mecanismo de mercado, um processo de realizar transações comerciais e negócios com os bens da natureza… Bem isso não funciona de jeito nenhum, pode até funcionar em determinadas experiências, mas como sabemos qual são objetivos do mercado, então não pode funcionar a não ser para dar lucro… Mas, como os textos que aparecem por aqui, e as pessoas que geralmente escrevem sobre o meio ambiente dentro da concepção hegemônica, geralmente só conseguem analisar qualquer coisa pela visão já enquadrada do mercado, então é possível que tenham deturpado a ideia da autora, mas como não a conheço não sei…

    Então, por isso, acho que a ideia pode ser boa, socialmente útil, capaz de recuperar a função do estado, e por fim preservar a natureza, que o que todos queremos (sic), mas é dificil de ser admitida pelo atual modelo da nossa sociedade, neoliberal, pode ser admitida, no máximo dentro das relações de mercado, e aí só funciona para dar lucros, e para aqueles que já têm muitos lucros…

    Por fim eu já li sobre uma experiência dessas nos estados unidos, pagamento de serviços ambientais a pequenos produtores, pelo estado, é inacreditável, mas há experiências dessas nos eua, sabemos que nos eua tudo é privado, mas também sabemos que eles não costumam aplicar as receitas que nos impõem ao seu próprio país, não é?…

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