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Artigo

Gestão das Águas: ‘Enxugando’ gelo, artigo de Jetro Menezes

 

[EcoDebate] São Paulo, a maior cidade da América Latina, deveria servir de modelo de gestão pública para todas as outras cidades brasileiras. Mas, ao menos em relação à forma como preserva e trata sua água, vem mostrando mau desempenho. Talvez tenha se esquecido de, nas últimas décadas, levantar questões como: de que maneira a dinâmica urbana interfere no meio ambiente local, especificamente na gestão das águas? Quem consome mais água no Município? Como essa água é tratada? De onde vem o controle do uso, o tratamento do esgoto e a preservação e minimização dos mananciais na Cidade?

Para responder a essas perguntas, que um dia todos os moradores se fazem, fui atrás de pesquisas sobre a questão e resolvi expor aqui o material impresso produzido pela Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, em conjunto com o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT) e o PNUMA[1], denominado GEO Cidade de São Paulo: Panorama do Meio Ambiente Urbano, do ano de 2004.

A grande maioria dos bairros da Cidade de São Paulo e mais 10 municípios da Região Metropolitana (RMSP) são abastecidos pelo Sistema Cantareira, mas a captação das águas deste sistema é feita em outra Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Piracicaba/Capivari/Jundiaí), numa distância de mais de 100 km da capital. Os fatores que levam a essa condição são: a escassez de novas fontes, a queda na qualidade das águas dos mananciais e o aumento da população – cerca de 11 milhões de habitantes, somente no município. Ainda existe o fator perda. Muita água se perde pelo caminho, seja por meio de vazamentos e procedimentos operacionais dos órgãos do serviço público; água utilizada, mas não medida (ex.: Bombeiros); erros na medição nos hidrômetros; água entregue às edificações ou áreas ocupadas sem hidrômetros; água furtada e as crescentes formas alternativas de abastecimentos sem controle sanitário e outorga para o uso. Esses elementos, agindo em uma cultura vigente de desperdício, geram ainda mais pressão sobre o abastecimento de água potável. Outro ponto importante do levantamento é a deficiência de informações oficiais e confiáveis sobre o sistema de abastecimento.

Quanto à produção de esgoto, o Plano Municipal de Habitação (SP, 2004), a partir de dados do IBGE de 2000, indica que 87,23% dos domicílios contam com a coleta de esgoto. Já nas favelas e loteamentos irregulares, a realidade é outra. Na Represa Guarapiranga, a coleta de esgoto nas favelas é da ordem de 58,24% e nos loteamentos irregulares, de 63,53%. Na Represa Billings, a situação assusta. A coleta é feita em 26,96% das favelas e, no caso dos loteamentos irregulares, em 30,42%. Essas comunidades encontraram sua “solução” para o esgoto, o lançamento direto nos córregos, lagos e rios. Os dados revelam ainda que todos os córregos e rios da RMSP estão poluídos. Para saber se a situação melhorou desde a época das pesquisas, basta andar por São Paulo e atestar, a olho nu – ou se preferir, apenas respirando -, que a situação dos rios e córregos em trechos de área urbana continua ruim e lembra a de um paciente terminal. São esgotos a céu aberto. Olhe para o Rio Tietê e o Rio Pinheiros e diga o que sente. Alguns pontos do rio carecem de… água! E se tiverem água, falta oxigênio. Pelo menos na capital paulistana.

Mas o que me surpreendeu na pesquisa foi descobrir que as tubulações que transportam o esgoto coletado se cruzam com as galerias de águas pluviais e ambos são lançados juntos nos córregos. Estamos “enxugando gelo”. Por que nunca se ouviu falar sobre este problema de cruzamento de tubulações que levam esgoto e água de chuva, com tudo o que ela encontra pela frente, para os principais rios da Cidade? Trata-se do principal problema de poluição dos rios em São Paulo! Aliás, constatei também que não existe um contrato formal entre a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e a Prefeitura de São Paulo para sanar este problema. A Sabesp realiza o abastecimento público de água no município sob regime de concessão informal. Quem fiscaliza o serviço?

Em São Paulo, a água de torneira é tratada pela Sabesp. Não traz problemas para a saúde, salvo nos casos onde a caixa d’água não tem manutenção periódica. Já aquelas captadas em poços profundos e poços cacimba (rasos) e diretamente nos rios, sem outorga dos órgãos responsáveis e sem tratamento, podem trazer doenças. A OMS (Organização Mundial de Saúde) relata que cerca de 80% de todas as doenças que se alastram pelos países em desenvolvimento são provenientes de água de má qualidade. Bebê-la em condições inadequadas gera febre tifóide, salmonelose, disenteria bacilar e amebiana, cólera, diarreia, hepatite infeccional e giardíase. Ingerir água fora dos padrões de qualidade, sem tratamento adequado, pode gerar doenças graves que podem levar a óbito, sendo a diarreia aguda a mais comum. Em 2003, a Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), que analisa e monitora as águas subterrâneas, relatava que, dos 14 pontos monitorados existentes na Cidade, 8 estavam em péssimas condições.

O que fazer para minimizar os impactos negativos na água? Recuperar as áreas degradadas e ampliar a cobertura vegetal em trechos de mananciais é ação básica e obrigatória. Porém, o enfoque central, realizar a desconexão cruzada do sistema coletor de esgoto com o sistema de águas pluviais, depende de uma ação conjunta, necessária e inevitável. É urgente impedir o lançamento de esgoto in natura nos córregos, rios e lagos na Cidade de São Paulo. O futuro acena para nós cobrando um alto custo por não cuidarmos da água de que tanto necessitamos. Ou pensamos nele ou vamos beber esgoto…

Referência bibliográfica:

GEO Cidade de São Paulo: panorama do meio ambiente urbano/SVMA, IPT. São Paulo : Prefeitura do Município de São Paulo, Secretaria do Verde e do Meio Ambiente. Brasília : PNUMA, 2004.

(*) Jetro Menezes, 43 anos, é gestor e auditor ambiental, especialista (Latu Sensu) em Saneamento Ambiental, responsável pela JetroAmbiental Consultoria (www.jetroambiental.com.br). Foi coordenador do Programa de Coleta Seletiva da Prefeitura de São Paulo e atualmente é diretor de Meio Ambiente da Prefeitura de Franco da Rocha e colunista de revista Plurale.

EcoDebate, 03/05/2012

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