EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

A eólica avança, mesmo sem estocar, artigo de Washington Novaes

energia eólica

[O Estado de S.Paulo] Talvez um assessor devesse levar à Presidência da República o relatório divulgado há poucos dias pelo Conselho Global de Energia Eólica sobre o ano de 2011 (http://www.gwec.net/index.php?id=190), que mostra um extraordinário crescimento do potencial instalado nessa modalidade de energia no ano passado: 40,5 mil MW. Só em 2011 essa oferta de energia cresceu 6% e, acumulada, 20%. Embora não esteja ainda entre os dez maiores geradores (China, Estados Unidos, Alemanha, Espanha e Índia são os primeiros), o Brasil começa a figurar com destaque no relatório e pode ter “um futuro brilhante” na área.

O comentário inicial é motivado pelas observações da presidente, que numa discussão sobre clima, ao ironizar críticas a hidrelétricas em construção ou planejadas para a Amazônia, disse que “não há espaço para fantasia (…). Eu não posso falar: olha, é possível só com energia eólica iluminar o planeta”. Também disse que “não é possível estocar vento” e enfatizou limitações à energia solar. O relatório pode servir ainda para o ministro de Minas e Energia, que considerou “demoníacas” restrições a mega-hidrelétricas amazônicas.

Na verdade, as críticas ao governo federal podem centrar-se em sua recusa a discutir a matriz energética e examinar diagnósticos como o da Unicamp – mais de uma vez citado neste espaço -, que afirma ter o Brasil a possibilidade de reduzir em 30% seu consumo de energia com conservação e eficiência, mais 10% com redução nas perdas nas linhas de transmissão e ganhar outros 10% com repotenciação de geradores antigos. Além disso, nestes tempos de escassez mundial de recursos e dramas climáticos, o País poderia ter matriz energética “limpa” e renovável, com as energias eólica, solar, de biomassas, geotérmica e de marés, ao lado da energia hidrelétrica – sem precisar recorrer às termoelétricas, poluidoras e caras, como faz atualmente.

Os números impressionantes da energia eólica em 2011 ocorreram apesar das dificuldades de países da União Europeia desde 2008, onde escassearam financiamentos normais e se colocaram em primeiro plano os de bancos de desenvolvimento – o que também deixou em evidência o brasileiro BNDES, o segundo maior financiador de eólicas no ano passado, com US$ 4,23 bilhões, quase cinco vezes mais que o Banco Mundial. Com isso a capacidade instalada no Brasil chegou a 1.509 MW, com a previsão de chegar a 7 mil MW até 2016. Ainda será pouco, quando se olham os números mundiais: 6.100 MW em 1996, em 2005 mais de 59 mil e 237.669 no ano passado. Mas é um avanço forte, apesar do plano secundário que a eólica ocupa na visão oficial brasileira.

Cenário impressionante é o da China, que implantou 18 mil MW em 2011, embora tenha baixado um pouco o ritmo de expansão. Mas já está com 62,3 mil MW e ainda pretende instalar 5 mil MW em usinas offshore (alto-mar) até 2015 (investimentos de US$ 137 bilhões até 2030).

A Índia já está com 16,08 mil MW; a Alemanha, com 29,06 mil; a Espanha, com 21,67 mil; e os Estados Unidos, com 46.91 mil. Mas a admiração corre para a Dinamarca, que, embora só tenha hoje 3,87 mil MW instalados, pretende chegar a 50% de toda a sua eletricidade gerada em eólicas. E a 100% de toda a energia renovável em 2050.

Hoje o investimento global em energia eólica está em US$ 68 bilhões/ano. Para 2012, com as dificuldades europeias e as incertezas no mercado de carbono – que pode influenciar a compra de energias limpas no âmbito do Protocolo de Kyoto -, a previsão é de US$ 21,4 bilhões. Mas, partindo de 2010, o investimento total até 2013 deverá alcançar quase US$ 200 bilhões.

Se computadas outras energias renováveis, só no ano passado foram investidos US$ 260 bilhões. Ainda parece muito pouco quando se lembra a previsão da Agência Mundial de Energia de que o mundo precisará investir US$ 38 trilhões em energia até 2035 para suprir o aumento da demanda (principalmente na China e na Índia) e gerar mais energia renovável. Ainda assim, o gás natural responderá por boa parte.

Chama a atenção também que em 2010, pela primeira vez, os chamados países emergentes investiram mais em eólicas do que os europeus (OCDE). E a tendência, segundo o Global Energy Outlook, é de que até 2030 metade da capacidade instalada nesse setor estará no Brasil (hoje só 0,4% da matriz energética), na China, na Índia, no México, na África do Sul e na Turquia.

Quem estiver atento lerá, todos os dias, notícias de avanços nesse setor entre nós. Mais 1.200 MW estão sendo instalados neste momento e está em discussão um potencial de mais 6 mil MW. O preço médio dessa energia caiu um terço desde 2005 e compete com a elétrica. Vários parques eólicos estão sendo implantados, principalmente no Nordeste. E a alegação de que a energia eólica não é estocável precisa ser confrontada com a possibilidade de redes de transmissão em que haja interligação com outras fontes, para os períodos de menor intensidade de ventos. Também com a possibilidade de maior produção com ventos captados a maior altura. E com a lembrança de que, podendo ser consumida perto dos locais de produção, a eólica gerará menos perdas nas linhas de longa distância. Se o potencial de 143 mil MW (fora offshore) for todo aproveitado, vai-se ter o equivalente à produção de dez usinas de Itaipu.

São muitos números, muitos argumentos. Importante é enfatizar as possibilidades brasileiras nessa área, como também na energia solar, nos biocombustíveis e outros formatos.

Estamos chegando à Rio+20, em que um dos focos estará na disponibilidade de recursos naturais e na possibilidade de incluir, na contabilidade de cada país, o valor de seus serviços – a nova contabilidade da “economia verde”. Como país anfitrião, o Brasil tem o dever de assumir a vanguarda – até porque os novos caminhos só o favorecem, em qualquer contexto. Não há lugar para declarações infelizes como algumas no governo federal.

Washington Novaes é jornalista.

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 30/04/2012

[ O conteúdo do EcoDebate é “Copyleft”, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

Alexa

2 thoughts on “A eólica avança, mesmo sem estocar, artigo de Washington Novaes

  • Roberto Pereira d´Araujo

    Uma vantagem extra da energia eólica pode estar sendo perdida no emaranhado do complexo modelo mercantil adotado no Brasil. O que poucos compreendem é que, dada a característica absolutamente singular do nosso sistema interligado, o QUANDO gerar, pode ser mais importante do QUANTO gerar. Se, ao que tudo indica, as eólicas vão gerar mais no período seco, elas vão contribuir para um ganho sistêmico que, por incrível que pareça, é dado às térmicas, mas não foi atribuído às eólicas. Ao gerar no período onde o custo marginal de operação (CMO) tende a subir, elas colaboram para diminuí-lo. Como o modelo comercial que define as energias asseguradas de cada usina nada mais é do que uma média ponderada por esses custos numa simulação da operação, apenas as térmicas “ganham” esse reconhecimento ao serem acionadas nos períodos de CMO alto. As eólicas, apesar de estarem sendo “despachadas” pelo vento com a mesma lógica das térmicas, ficam de fora dessa conta. Quem vai se apropriar desse ganho é o mercado livre que já representa quase 30% da carga. Como os agentes não são bobos, migraram para esse obscuro nicho para pagarem menos. Se uns pagam menos, outros pagarão mais. Alguém tem alguma dúvida de quem é o pato?

  • Roberto Pereira d´Araujo

    Gostaria de saber o motivo da remoção do meu comentário a essa notícia.

    Resposta do EcoDebate: O comentário foi publicado e está visível no espaço dedicado aos comentários dos(as) leitores(as). O problema, provavelmente, é decorrente do cache do navegador, bastando ‘limpa-lo’ para atualizar a página.

Fechado para comentários.