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Apesar das resistências, o ‘aproveitamento energético’ do lixo doméstico se amplia na Europa

 

Europa adota a controversa incineração de lixo como nova fonte de energia – O “aproveitamento energético” do lixo doméstico se amplia na Europa, mas os projetos de incineradores ainda se deparam com fortes mobilizações locais

Qual a diferença entre um incinerador de lixo doméstico e um “centro de aproveitamento energético”? Agora que a maior parte dos incineradores produz eletricidade ou calor a partir da combustão de lixo, nenhuma: é uma mera questão de semântica. Mas a palavra “incineração” ainda evoca o tempo – passado – em que essas instalações de tratamento de lixo lançavam, uma mais que a outra, dioxina na atmosfera, ao passo que “aproveitamento energético do lixo” vem revestido de um ar de virtude. Matéria de Gilles Van Kote, Le Monde.

Na União Europeia, a incineração anda de vento em popa: sua participação no tratamento de lixo doméstico e similares passou de 13,5% em 1996 para 22% em 2010, segundo o Eurostat, a agência europeia de estatísticas. Praticamente desconhecido no Leste Europeu, esse modo de tratamento é o líder em alguns países: 54% na Dinamarca, 49% na Suécia, 39% na Holanda e 38% na Alemanha.

Países que, curiosamente, constam entre os mais bem-sucedidos em termos de reciclagem, mas que abandonaram quase que totalmente o uso de aterros sanitários. A França é exceção, com 34% de incineração, mas 31% de uso de aterros sanitários e desempenhos medíocres em reciclagem.

“Ao contrário do que se costuma pensar, a incineração não ‘mata’ a coleta seletiva”, garante Luc Valaize, presidente do Sindicato Nacional de Tratamento e de Aproveitamento de Resíduos Urbanos (SVDU, sigla em francês), a organização da indústria da incineração. “Os países que se preocupam com o aproveitamento no sentido amplo conduzem o combate nas duas frentes”.

Um ponto de vista com o qual os opositores à incineração evidentemente não concordam, reunidos na associação internacional Aliança Global por Alternativas à Incineração (GAIA, sigla em inglês), por acreditarem que, como os incineradores devem funcionar em plena potência durante seu tempo de vida útil (três ou quatro décadas) para serem rentáveis, eles fazem um papel de “aspirador de lixo” e, portanto, não contribuem para a melhoria da coleta seletiva.

A ascensão da incineração na UE foi reforçada pela diretiva de 2008 sobre o lixo, que estabelece uma hierarquia dos tratamentos à qual os Estados-membros devem obedecer. Ela coloca no topo a prevenção, seguida da reutilização, da reciclagem, do aproveitamento energético e, por fim, da eliminação. O uso de aterros pertence a essa última categoria, ao passo que a incineração pode ser incluída no aproveitamento, desde que o rendimento energético ultrapasse 60% nas instalações que datam de antes de 2009, e 65% no caso das mais recentes.

“Fala-se cada vez mais em incineração em termos de energia, quase se esquece o aspecto dos resíduos”, lamenta Sébastien Lapeyre, diretor da principal organização francesa contrária à incineração, o Centro Nacional de Informação Independente sobre os Resíduos (Cniid, sigla em francês).

Favorável ao desenvolvimento da reciclagem e “ao uso de aterros em proximidades de quantidades residuais” de lixo doméstico, o Cniid se recusa a classificar a energia produzida pelo lixo como uma energia renovável, como a legislação europeia permite fazer até certo ponto. Por estimar que a incineração emite grandes quantidades de gás carbônico, ele pede para que ela seja submetida a “uma contribuição energia-clima”.

Uma proposta evidentemente combatida pelo SVDU, que afirma que a incineração na verdade emite menos gases de efeito estufa que os combustíveis fósseis, mas reconhece que os desempenhos energéticos do parque francês que conta com 128 incineradores são medíocres. “Os incineradores foram propositalmente afastados das cidades, e consequentemente as redes de aquecimento urbano que eles podem alimentar – como é o caso de Paris – e que constituem o melhor aproveitamento possível”, acredita Luc Valaize. “Ao melhorar seus desempenhos, poderia se dobrar a quantidade de energia produzida, ou seja, aumentá-la até o equivalente a um reator nuclear de 1.000 megawatts.”

O SVDU quer promover a produção de calor, cujo rendimento energético é nitidamente superior ao da produção de eletricidade e que se “vende” bem em termos de imagem. Em Nogent-sur-Oise (Oise), uma convenção acaba de ser assinada entre a prefeitura e a operadora do incinerador, que deverá garantir 87% da demanda da cidade em água quente e em aquecimento.

Seria necessário que essa porcentagem fosse maior, para desarmar os opositores à incineração. No dia 6 de abril, foi anunciada a criação de uma Coordenação Nacional contra a Incineração do Lixo Doméstico (CNCIDM), que afirma ter o apoio de mais de 400 associações locais. Nascida em torno da mobilização contra o projeto de incinerador de Clermont-Ferrand, um dos raros projetos atualmente em andamento na França, ela exige pura e simplesmente o fim da incineração, cujos riscos à saúde pública e ao meio ambiente ela aponta, e questionou os candidatos à presidência sobre esse assunto.

“O incinerador é uma fábrica de veneno”, acredita Alain Laffont, porta-voz do coletivo de 534 médicos da cidade de Clermont-Ferrand contrários ao projeto. Segundo a CNCIDM, que aponta os danos que os moradores vizinhos das instalações poderiam sofrer com os coquetéis de centenas de moléculas que se encontram nas fumaças emitidas, “não se pode afirmar que as normas atuais garantem a inocuidade dos incineradores”.

No entanto, a entrada em vigor de novas normas europeias de emissões em 2005 havia baixado o tom do debate sobre os riscos associados à incineração. “Somos a mais fiscalizada de todas as indústrias de combustão”, garante Ella Stengler, diretora executiva da Confederação Europeia das Unidades de Aproveitamento Energético (CEWEP, sigla em inglês). “A incineração se tornou um setor de alta tecnologia e os sistemas de filtragem das fumaças são tão sofisticados que seu custo pode chegar a até 50% do investimento total”.

Mas as reticências são persistentes. No Reino Unido, onde a incineração representa somente 12% do tratamento do lixo doméstico, o programa, sustentado pelo governo, de construção de quase 80 incineradores, se depara com inúmeras oposições locais. Até o empresário Mohamed al-Fayed aderiu, unindo-se aos opositores no centro de aproveitamento energético previsto para as proximidades de seu magnífico castelo de Balnagown, na Escócia.

Tradutor: Lana Lim

Matéria do Le Monde, no UOL Notícias.

EcoDebate, 17/04/2012

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