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‘Freegetarian’: Com banquetes feitos de restos de alimentos, grupo de Berlim declara guerra ao desperdício

 

Um alemão médio descarta 220 gramas de comida todos os dias – o equivalente a um café da manhã médio

Uma série de jantares comunitários em Berlim reúne amantes de comida com consciência ecológica para desfrutar refeições preparadas com produtos que sobram ou são rejeitados pelos comerciantes. Os eventos se destinam a aumentar a consciência sobre o enorme desperdício de alimentos entre os consumidores da Alemanha e do Ocidente em geral. Matéria de Christopher Cottrell, Der Spiegel.

Sandra Teitge se lembra de quando era criança na Alemanha Oriental comunista, duas décadas atrás. “Nunca havia comida suficiente, por isso eu aprendi a comer de tudo e não deixar nada no prato”, ela disse.

Mas hoje os alemães vivem em uma terra de fartura – fato bem ilustrado pela quantidade de comida que é jogada fora. Um estudo recente encomendado pelo Ministério dos Alimentos, Agricultura e Proteção ao Consumidor descobriu que os alemães desperdiçam 11 milhões de toneladas de comida por ano. A maior parte da culpa é das residências particulares. Um alemão médio descarta 220 gramas de comida todos os dias – o equivalente a um café da manhã médio.

Teitge e sua sócia, Sarah Mewes, recolhem os alimentos rejeitados antes que sofram um destino fatal. As duas começaram a realizar uma série de jantares comunitários em vários locais em Berlim no ano passado, usando produtos não vendidos que coletam em mercados e outros distribuidores de alimentos, criando deliciosas refeições “freegetarian” – uma brincadeira com as palavras em inglês para “grátis” e “vegetariana”, usada para definir pessoas que procuram alimentos descartados ainda em condições de consumo. Quer dizer, alimentos ao mesmo tempo baratos e sem carne.

“Ação simbólica”

Mewes descreve seu projeto, chamado de Dinner Exchange, como uma reunião mensal de pessoas interessadas em mudar a atitude displicente da sociedade sobre o desperdício de alimentos.

“O que estamos fazendo é mais simbólico”, disse Mewes. “O Dinner Exchange obviamente não é uma solução viável para o problema – mas existe um potencial de mudar o modo como se fazem as coisas ou como o lixo é tratado.”

O projeto foi lançado em 2009 em Londres por Alice Planel, uma amiga de Teitge e Mewes. Sua estreia na Alemanha em outubro passado ocorreu no apartamento de Teitge em Berlim, no bairro de Kreuzberg. Os convidados pagam 4 euros pelas bebidas e são solicitados a fazer uma doação individual pela refeição de três pratos. A receita vai para iniciativas locais que se dedicam à questão do desperdício de comida e hábitos alimentares sustentáveis.

Em cinco meses elas já organizaram cinco jantares e serviram cerca de 140 pessoas. A dupla está considerando fazer um evento em Beirute, Líbano, mas a data ainda não foi escolhida.

Em 17 de março elas arranjaram cuidadosamente lugares para 37 convidados em uma fileira de mesas estreitas no cavernoso prédio do Markthalle Neun em Berlim, um mercado de 120 anos especializado em produtos agrícolas locais e sazonais.

Na véspera do jantar de março, Teitge e Mewes visitaram os comerciantes no Markthalle, padarias e outros distribuidores de alimentos e coletaram o máximo de comida que puderam. Na manhã seguinte elas elaboraram um saboroso cardápio com os ingredientes que haviam conseguido. Começou com tigelas de gazpacho (sopa fria de tomates), seguido de brócolis refogado com crosta de gergelim e molho de manga e gengibre. Depois foi massa “al melone” – “penne” misturado com melão doce e coentro. A refeição terminou com uma torta de maçã enfeitada de pimenta-rosa.

Comida e boa companhia

Os convidados se serviram de copos de vinho oferecido por um comerciante local, enquanto conversavam entre um prato e outro. A iluminação com velas e buquês de flores frescas garantiu um ambiente caloroso e íntimo.

“É por isso que viemos aqui – pela companhia e pela comida”, disse Stefan Brunken, um morador de Berlim de meia idade que trouxe sua mulher para o jantar. “Também é bom que tenha um efeito positivo, fazer algo contra o desperdício de alimentos.”

O evento de 17 de março rendeu 410 euros, que o grupo doou para Isle Demme, um jardim de infância no bairro de Charlottenburg especializado em ensinar grupos de escolares a plantar legumes e outras plantas.

O momento do evento do Dinner Exchange não poderia ter sido melhor. Enquanto Teitge e Mewes serviam tigelas de creme de legumes, a ministra dos Alimentos e da Agricultura do governo alemão, Ilse Aigner, lançava uma iniciativa para eliminar a névoa que cerca as datas de validade dos alimentos. É impossível prever com absoluta certeza quando um alimento vai vencer, ela disse, encorajando os consumidores a não jogar as coisas fora tão depressa. As datas de validade, segundo Aigner, devem ser vistas com certa flexibilidade.

Sem consideração pelo lixo

“Vivemos em uma sociedade afluente com pouca ou nenhuma consideração por jogar comida fora”, disse Aigner em uma declaração. “Na Alemanha e na Europa muita coisa é simplesmente descartada.”

A campanha de conscientização de Aigner sobre as datas de validade se segue a um estudo que ela encomendou à Universidade de Stuttgart para examinar quanto desperdício de alimentos era possível evitar.

As conclusões do estudo, divulgadas no início de março, foram alarmantes. Os pesquisadores descobriram que, em média, o consumidor gasta aproximadamente 235 euros por ano em alimentos que não consome. Para o país em geral, isso significa surpreendentes 21,6 bilhões de euros por ano em despesas evitáveis. Ele também concluiu que 47% da comida jogada fora pelas famílias provavelmente ainda poderia ser consumida na data.

É o suficiente para que os políticos se interessem em diversos níveis. Segundo o Ministério dos Alimentos, os diferentes grupos políticos no Parlamento alemão estão planejando uma iniciativa para combater o desperdício alimentar que vai “superar as divisões partidárias”. A Comissão Europeia e o Parlamento Europeu também estão abordando conjuntamente a questão para todo o continente.

Mas muitos desafios continuam no caminho dos hábitos alimentares sustentáveis. Frutas e legumes, por exemplo, são mais perecíveis que a maioria dos alimentos, por isso representam 44% do desperdício anual de alimentos. Outro fator é que as condições de consumo nem sempre equivalem à atratividade. Os compradores sempre vão preferir uma maçã perfeita a outra com um ponto escuro; por isso as mercearias e supermercados muitas vezes são obrigados a descartar coisas simplesmente devido à sua aparência.

Mas, como diz o ditado, o lixo de um homem é o tesouro de outro.

“Existe muito valor em encontrar uma maneira [de lidar com o desperdício alimentar] que cria prazer e gera consciência”, disse Jenny Helfrich, uma pesquisadora de 23 anos da Universidade Técnica de Berlim, no evento do Dinner Exchange em março, raspando os últimos pedaços de torta de maçã de seu prato. “Você acha que podemos repetir?”

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Matéria [‘Freegetarian’ Feast: Berlin Group Declares War on Food Waste] do Der Spiegel, no UOL Notícias.

EcoDebate, 05/04/2012

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One thought on “‘Freegetarian’: Com banquetes feitos de restos de alimentos, grupo de Berlim declara guerra ao desperdício

  • Muito interessante este artigo. Aqui no Brasil, não é nada diferente, inclusive com a classe de renda menos favorecida, sem consciência alguma de racionalização de alimentos.
    Hoje ainda, foi servido um almoço especial de páscoa, no refeitório da empresa, e se viam grandes sobras de alimentos nas bandejas que eram colocadas na area destinada ao descarte e lavação dos pratos. Uma refeição deste padrão, que custa menos de 1 real para o trabalhador, em qualquer restaurante da cidade, não sairia por menos de R$15, 00. Acho que o subsídio dado pelas empresas deixam estas pessoas mal acostumadas.
    Belo exemplo, dado pelos alemães e ingleses. Mais dia menos dia, o mundo todo vai ter que acordar para esta realidade.

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