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Do controle da natalidade à auto-determinação reprodutiva, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] A idéia de controle da natalidade ganhou grande destaque nas décadas de 1950 e 1960 quando o crescimento populacional do mundo atingiu o seu pico, em torno de 2,1% ao ano. Mantido este ritmo de crescimento, a população multiplicaria de tamanho por 8 vezes no espaço de um século, por 64 vezes no espaço de dois séculos, 512 vezes em 3 séculos, 4.096 vezes em 4 séculos e 32.768 vezes no espaço de 5 séculos. Isto quer dizer que, se a população mundial de 3 bilhões de habitantes em 1960 mantivesse seu ritmo de crescimento, da época, chegaria a 98 trilhões de habitantes no ano de 2460.

Evidentemente seria impossível para o Planeta sustentar a demanda por alimentação, moradia, transporte e outras necessidades básicas destes 98 trilhões de pessoas. Por conta do crescimento exponencial, a taxa de 2,1% ao ano assustou muita gente. Daí a idéia da urgência do controle da natalidade.

Contudo, o alto crescimento populacional ocorreu devido à queda das taxas de mortalidade, especialmente da mortalidade infantil. O aumento da esperança de vida média da população mundial, que era algo em torno de 30 anos em 1900 passou para cerca de 65 anos no ano 2000, foi a maior conquista social do século XX. Mas esta conquista colocou o desafio da redução da natalidade, pois o aumento do número de filhos sobreviventes não era mais compatível com o desejo das famílias e nem com as condições macroeconômicas e ambientais dos países.

A queda nas taxas de mortalidade aumenta o número de filhos sobreviventes e torna a redução da natalidade um desafio inadiável. Porém, as pessoas e as famílias demoram um pouco para decidir a limitar o número de nascimentos. Em primeiro lugar, é preciso superar as “escoras culturais pró-naltalistas”. Em segundo lugar, é preciso ter uma inovação cultural que implica uma mudança no comportamento reprodutivo. Em terceiro lugar, é preciso ter acesso às informações e aos meios de regulação da fecundidade.

Diante do hiato existente entre o início da queda das taxas de mortalidade e de natalidade, alguns pessoas e instituições passaram a defender o controle da natalidade como única forma de acelerar a transição demográfica. Em 1968, o biólogo Paul Ehrlich escreveu o livro “A Bomba Populacional”, onde fazia previsões catastróficas diante do crescimento demográfico.

Ainda na década de 1960, o presidente Lyndon Johnson dos Estados Unidos (EUA) disse que era melhor investir US$ 5 dólares no planejamento familiar do que US$ 100 dólares no desenvolvimento econômico. Isto provocou uma onda de protestos nos países não-desenvolvidos que consideravam que os EUA estavam adotando uma postura imperialista de controlar a população ao invés de ajudar os países a se desenvolver.

Em 1974, a ONU organizou a Conferência de População de Bucareste. O resultado foi que a maioria dos países em desenvolvimento apoiou a seguinte palavra de ordem: “O desenvolvimento é o melhor contraceptivo”. Porém, a China – país com a maior população do globo – mesmo sendo dirigida por um partido comunista e que apoiou as resoluções de Bucareste, adotou o programa de controle da natalidade mais draconiano que já houve na história. A política de filho único, tornada lei em 1979, fere os direitos reprodutivos e, além de outros problemas, tem aumentado a razão de sexo ao nascer, provocando, além do chamado fetocídio, um grande déficit de mulheres na China.

Contudo, mesmo sem políticas draconianas, o crescimento da economia mundial, juntamente com o avanço do processo de desenvolvimento e das políticas públicas de cidadania, na maioria dos países do mundo (até mesmo no caso de desenvolvimento excludente), possibilitou que as taxas de fecundidade caíssem e houvesse uma redução do ritmo de crescimento demográfico.

O ritmo de crescimento atual está em torno de 1% ao ano. Pode parecer pouco, mas 1% ao ano significa multiplicar a população por 145 vezes em 5 séculos. Se esta taxa atual se mantiver constante, a população mundial passaria de 7 bilhões de habitantes, em 2011, para 1 trilhão de habitantes no ano 2511. Portanto, a fecundidade precisa continuar caindo para que o ritmo de crescimento populacional se estabilize.

Na década de 1960 a taxa de fecundidade média mundial era de 5 filhos por mulher. Atualmente, a taxa de fecundidade está em 2,5 filhos por mulher. Ela precisa cair para uma média de 2,1 filhos para que haja estabilização da população mundial. Se esta taxa de reposição for alcançada nos próximos 20 anos, então a população mundial poderá se estabilizar em torno de 9 bilhões de habitantes até o final do século. Ou seja, mesmo com o declínio da fecundidade a população mundial vai aumentar em mais 2 bilhões de pessoas.

O que precisa ser feito?

Os dados mostram que a fecundidade já está abaixo do nível de reposição em mais da metade da população mundial. No caso da China houve interferencia forçada do governo. Mas no caso de Taiwan e Hong Kong – com populações chinesas e sem a política de filho único – a fecundidade caiu para níveis muito baixos, em torno de 1 filho por mulher, de forma quase espontânea e sem políticas de controle da natalidade. No Brasil, assim com em vários outros países, a fecundidade caiu porque as famílias passaram a demandar menos filhos e houve acesso aos métodos contraceptivos de maneira livre e não obrigatória. Cuba tem a menor taxa de fecundidade da América Latina. Ou seja, é o avanço da cidadania (e o acesso universal à saúde reprodutiva) que tem possibilitado a queda da fecundidade.

Todavia, existem 215 milhões de mulheres no mundo que não possuem acesso aos métodos de regulação da fecundidade, pois vivem em países pobres, onde os governos não são capazes de implementar políticas públicas adequadas nas áreas de saúde, educação, habitação e emprego. O que estas mulheres precisam não é de controle da natalidade, mas de cidadania, informações e meios para efetivar a auto-determinação reprodutiva.

A comunidade internacional já chegou a um consenso sobre o que fazer. Tanto na Conferência de População de Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo em 1994, quanto na revisão da Cúpula do Milênio, em 2005, a totalidade dos países do mundo concordaram com a seguinte meta: “5B – Alcançar, até 2015, o acesso universal à saúde reprodutiva”. Portanto, o que o mundo precisa não é de controle da natalidade, mas sim de meios para garantir que as mulheres e homens coloquem em prática o seus direitos à auto-determinação reprodutiva.

Referências:

ALVES, J. E. D. CORREA, S. Demografia e ideologia: trajetos históricos e os desafios do Cairo + 10. R. bras. Est. Pop., Campinas, v. 20, n. 2, p. 129-156, jul./dez. 2003. Disponível em:

http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/rev_inf/vol20_n2_2003/vol20_n2_2003_3artigo_p129a156.pdf

ALVES, J. E. D. Políticas populacionais e direitos reprodutivos: o Choque de civilizações versus progressos civilizatórios. In: CAETANO, Andre J., ALVES, Jose. E. D., CORRÊA, Sonia. (Org.). Dez anos do Cairo: tendências da fecundidade e direitos reprodutivos no Brasil. 1 ed. Campinas: ABEP/UNFPA, 2004, v. 1, p. 21-47. Disponivel em:

http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/outraspub/cario10/cairo10alves21a48.pdf

ALVES, J. E. D. As politicas populacionais e o planejamento familiar na América Latina e no Brasil. Textos para Discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, v. 21, p. 1-50, 2006. Disponível em:

http://www.ence.ibge.gov.br/publicacoes/textos_para_discussao/textos/texto_21.pdf

ALVES, J. E. D. The context of family planning in Brasil. In: CAVENAGHI, S. Demographic transformations and inequalities in Latin America, ALAP, 2009. Disponivel em:

http://www.alapop.org/ebooks/sin8/online/index.htm

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

EcoDebate, 04/04/2012

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2 thoughts on “Do controle da natalidade à auto-determinação reprodutiva, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

  • “…garantir que mulheres e homens coloquem em ´prática os seus direitos à auto-determinação reprodutiva” seria uma medida louvável se:
    a) as atuais condições ambientais do planeta Terra permitissem a implementação dessa medida sem serem agravadas;
    b) esses direitos de mulheres e homens à auto-determinação reprodutiva e os problemas apresentados como decorrentes do controle da natalidade não representasse apenas uma justificativa para a omissão do Estado capitalista, uma vez que tal controle vai de encontro aos interesses do capital.

    E mais: a questão do direito, quando é favorável aos interesses do capitalismo, é observada e defendida com esmero insuplantável, mas… Vejam a degradação ambiental e o flagelo social. Será que aí não estão sendo negados os direitos de mulheres e homens e de todas as espécies – animais e vegetais – que ainda existem, e das que já foram exterminadas?

    Em suma: o direito do Estado capitalista existe para favorecer os interesses do capitalismo e do Estado, seu serviçal, e a reprodução humana é importante demais para ser deixada a critério de mulheres e homens, que, em sua grande maioria, são inconsequentes e guiados apenas pelos instintos maternais e paternais.

    Se assim fosse. Mas, na verdade, o Estado capitalista dá um “empurrãozinho”, através dos meios de comunicação e das religiões, para que esses instintos fiquem cada vez mais aguçados.

    Se não se percebe essas manobras sutis do capitalismo, fica-se reclamando do estado de coisas e, sem se dar conta, agindo conforme interessa ao capital e até mesmo defendendo seu ideário.

    Quando interesses opostos estão em jogo, suspeitar nunca é demais.

  • ótima conclusão do artigo.
    Porém, para deixar nas mãos de mulheres e homens o controle de natalidade é importante que haja liberdade e até onde sabemos e pelo menos no Brasil, o corpo das mulheres ainda não é delas, sempre regidas pelo Estado e pela igreja, criminalizando seus corpos.
    Também acho importante lembrar que, no que tange a relação entre questões ambientais e natalidade, temos que não são as camadas mais pobres economicamente as que causam maior impacto ambiental (salvo por questões como falta de saneamento básico, por exemplo, que não está em suas mãos resolver), e sim as famílias pequenas e com condição econômica satisfatória as que mais consomem recursos naturais de toda ordem.

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