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Artigo

A Arte da Medicina, artigo de Montserrat Martins

 

[EcoDebate] O futuro é a “Medicina do calote na natureza”, quer dizer, da busca por não envelhecer, por modos de comer e não engordar, de manter a forma sem esforço, profetizou Mário Rigatto, professor de Medicina da UFRGS. Mas essa foi apenas uma dentre muitas percepções originais daquele mestre à frente do seu tempo. Para que os alunos realmente aprendam, ele recomendava que os professores intercalem suas exposições a cada 20 minutos com um momento de descontração (o que disse antes dos cursinhos pré-vestibulares), pois havia lido pesquisas sobre a capacidade máxima de prestar atenção contínua, que não ultrapassa esse tempo. Nos anos 70 suas sábias observações foram transformadas em livro, “Médicos e Sociedade”, o primeiro de um gênero que só veio a se popularizar décadas depois. Foi um pioneiro (quase solitário à época), na luta contra o cigarro, ao tempo em que “fumar era bonito” e tinha os mais belos comerciais na tevê.

O desejo natural dos pacientes pelo “calote na natureza” coloca os profissionais entre essas demandas e o que a ciência realmente tem a oferecer. Nesses momentos, não se trata apenas de ciência, mas de uma verdadeira Arte da Medicina. O progresso científico e tecnológico aumentou o número de cirurgias e levou ao surgimento de outro fenômeno, o excesso de intervenções. Luiz Carlos de Alencastro, presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, é conhecido pelos colegas como extremamente paciencioso em suas orientações sobre métodos fisioterapêuticos de tratamento dos problemas de coluna cervical, evitando ao máximo cirurgias desnecessárias. De modo similar a Ricardo Messias, Ortopedista e cirurgião consagrado (entre milhares de outras, fez a cirurgia de ombro do jogador Iarley que depois veio a vencer o Mundial de Clubes), e a Renato Termignoni, professor de Pediatria da UFRGS, que leva mais tempo no atendimento a cada consulta para explicar os procedimentos fisiológicos que as mães podem fazer nos cuidados de saúde, prevenindo o uso de medicamentos.

Às vezes é difícil persuadir pacientes da desnecessidade de alguns exames, por exemplo. Lembro de uma situação vivida por um Neurologista Infantil e que me foi relatada por Flávio Vitola, que foi dirigente da ABENEPI – Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil. Uma criança levada para avaliação neurológica por problemas de conduta foi encaminhada pelo Neuro para psicoterapia, diante da ausência de sinais ou sintomas de disfunções neurológicas. A família não aceitou o diagnóstico e enfim a professora da criança conseguiu junto a uma amiga que operava o equipamento que realizasse o exame de EEG (Eletroencefalograma). Ao receber o exame que não solicitara, sabendo que fora ‘encomendado’ pela professora, o Neuro o devolveu aos pais dizendo que levassem o exame para a professora interpretar.

Nesse diálogo entre Medicina e cultura, é necessário grandeza por parte dos profissionais para ter a humildade de reconhecer conhecimentos úteis que tiveram origem entre os leigos, mas que tem um papel importante na saúde – como é o caso dos grupos de entre-ajuda na dependência química. Sérgio de Paula Ramos, que foi presidente da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Outras Drogas, foi o primeiro a aproveitar leigos em equipes de saúde – no caso, formou Consultores provenientes de grupos de AA (Alcoólicos Anônimos) para atender aos próprios pacientes alcoolistas.

O que esses médicos diferentes entre si tem em comum é uma relação médico-paciente diferenciada, que poderíamos denominar como sendo de “empatia”. Acrescida de um senso de compromisso com a sociedade, no sentido oposto ao elitismo do conhecimento, de colocar os seus saberes e sua sensibilidades a serviço da cultura, sem hermetismos, sem linguagens fechadas aos leigos. Na Arte da Medicina, a qualidade da relação interpessoal – nem sempre fácil – não é baseada na erudição do profissional, mas no diálogo com o paciente e na humildade necessária à compreensão de sua humanidade.

Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.

EcoDebate, 26/03/2012

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Alexa

One thought on “A Arte da Medicina, artigo de Montserrat Martins

  • Os profissionais da saúde cometem tantos erros, seja nos procedimentos, seja nas omissões, que as pessoas mais sensatas vivem ( enquanto sobrevivem ) muito assustadas. Quem nunca foi vítima desses erros?

    Não é incomum dois médicos prescreverem tratamentos diferentes para o mesmo mal. E como fica o paciente? Fica feito um cego num tiroteio.

    O trabalho na área da saúde requer muito mais conhecimento, preparo e responsabilidade do que costumamos encontrar.

    Se eu contasse aqui os erros de profissionais da saúde de que já fui vítima, nas minhas seis décadas de existência, muitos que leem esse comentário não iriam acreditar.

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