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Novo Código Florestal pode elevar conflito agrário, diz Paulo Adario, diretor do Greenpeace Brasil

 

‘Violência na Amazônia pode crescer’, afirma diretor do Greenpeace Brasil. Ele foi escolhido pela ONU como ‘Herói da Floresta’ na última semana. Entrevista realizada por Amanda Rossi, do Globo Natureza, no G1.

Escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como “Herói da Floresta”, devido aos 15 anos de trabalho para preservar a Amazônia, o diretor do Greenpeace no Brasil, Paulo Adario, afirma que durante este período já sofreu ameaças de morte e precisou de proteção.

Segundo ele, as mortes de pessoas que lutavam pela floresta, como a irmã Dorothy Stang e o casal de extrativistas, José Cláudio Ribeiro, e sua companheira, Maria do Espírito Santo, foram momentos difíceis. Porém, Adario afirma que a violência e a impunidade ainda existem no interior da Amazônia e pode piorar.

Em entrevista ao Globo Natureza, ele criticou o “desmonte de conquistas” e bons resultados para a floresta e disse que a aprovação do Código Florestal pode elevar os conflitos. “A sociedade está aceitando isto com naturalidade”.

Confira os principais trechos da entrevista a seguir:

G1 – Quais foram os momentos mais difíceis nesses 15 anos de trabalho na Amazônia?
Paulo Adario – Houve muitos momentos difíceis. Sofri ameaças de morte, em 2001 e 2002, que foram muito complicadas. Recebi proteção do governo brasileiro, durante 24 horas. A morte da Dorothy [Stang, missionária americana assassinada no Pará em 2005] foi outro momento duríssimo. A gente se sentiu muito tocado, porque ela estava condenada a morrer e nossa ajuda não chegou a tempo. Ia me encontrar com ela no dia que ela morreu. Foi um dia de desespero, de medo. Várias outras lideranças que eram nossos parceiros morreram, como o Dema e o Brasília. Agora, o Zé Cláudio [assassinado no Pará em 2011, junto com Maria do Espírito Santo].

G1 – Você trabalha no limite?
Adario – O tempo todo foi sempre trabalhar no limite. Isso leva a um aprendizado sobre como manejar o risco. E isso estabelece recompensas. Em áreas madeireiras, por exemplo, me perguntam: você é o Paulo Adario, aquele que adora se amarrar na árvore? Uma vez, um madeireiro falou que ia me cortar junto com a árvore. Eu comecei a rir e disse: você vai estragar sua motosserra, porque minha cara é dura. Começamos todos a rir e pudemos dialogar. O ambientalista tem preconceito que o cara é bandido, que ele vai te matar. Já o cara pensa que você é um louco varrido, muitas vezes ele acha que você não é do Brasil, acredita que tem um discurso contra o desenvolvimento. Mas, de repente não é nada disso. Você senta e conversa. Somos todos brasileiros.

G1 – Além do senhor, José Cláudio e Maria do Espírito Santo também foram homenageados pela ONU. A irmã de Maria do Espírito Santo discursou que a Amazônia é manchada de sangue e essa mancha continua se espalhando. Ainda existe um clima de medo entre os “heróis da floresta”, inclusive os anônimos?
Adario – Existe, principalmente nas áreas remotas da Amazônia. Hoje já está melhorando, existe uma governança crescente, o que faz você se sentir bem. Mas a violência ainda existe, porque ainda existem os mesmos problemas históricos que levam à violência. Como a disputa é resultado do avanço da expansão madeireira ou agropecuária, essas comunidades [tradicionais e povos indígenas] tendem a defender seu território e são as primeiras vítimas. Além disso, [a Amazônia] é uma área remota, distante da opinião publica. E existe a impunidade. A chance da pessoa que mata ser condenada é muito pequena. Então, vale a pena matar quem está na floresta. Os dados de violência no Pará são assustadores. Com o Código Florestal, a violência deve aumentar porque o conflito vai aumentar.

G1 – Quais são as maiores ameaças à Amazônia hoje?
Adario – Está havendo um processo de desmonte de conquistas que estavam dando resultados muito bons para o Brasil e para a floresta. Uma série de legislações foi colocada em funcionamento, além do próprio Código Florestal, como o projeto pelo qual o Senado evoca para si a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas. Outra grande ameaça é o aumento da ilegalidade na extração madeireira. Além disso, o agronegócio brasileiro ficou mais sofisticado do ponto de vista operacional, tomou comissões de meio ambiente do Congresso. E a sociedade está aceitando com naturalidade.

G1 – E quais foram as melhores notícias sobre a Amazônia nesses últimos 15 anos?
Adario – São várias. Uma delas é que a sociedade civil passou a ter acesso a sistemas de monitoramento do desmatamento. Antes, o INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] era uma caixa preta. Isso também ajudou a mídia brasileira a ficar muito mais consciente sobre o desmatamento, o tamanho do impacto, suas causas. Outras coisas positivas são o aumento da consciência dos setores empresariais, a criação de áreas protegidas e a demarcação de áreas indígenas, a melhoria da articulação entre grupos locais e lideranças comunitárias com os governos.

G1 – Ao receber o prêmio, o senhor disse “occupy Rio”. Há uma conexão entre os movimentos “occupy” e a pauta ambiental a ser tratada na Rio+20?
Adario – O “occupy Rio” saiu na hora do discurso, não foi previsto. Mas acho que é isso mesmo. Os governos estão muito pouco envolvidos com o processo da Rio+20. Há um desânimo geral, ninguém está nem aí, porque o foco é a crise econômica. Então, não existe ainda uma mobilização suficiente para que a Rio+20 seja um sucesso. A gente tem que trazer as pessoas para a rua, levá-las para o Rio, para que digam aos governantes que eles sabem o que tem que ser feito e que elas estão lá para cobrar. Essa é a única maneira de levar importantes líderes mundiais para o Rio e de fazer com que eles levem a sério a agenda da reunião.

G1 – Em outro momento do seu discurso, o senhor falou que os governos sabem o que precisa ser feito, mas falta força e liderança. O que é preciso para que isso ocorra?
Adario – Falta uma decisão coletiva. Cada país empurra o problema para o outro. Está faltando uma compreensão dos governos de que vivemos em uma comunidade global. Também faltam decisões concretas para priorizar medidas e recursos sustentáveis. É preciso parar de colocar dinheiro em energia nuclear e em carvão e investir em energias limpas.

EcoDebate, 15/02/2012

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