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Artigo

Conservação de áreas naturais em São Paulo, artigo de Neli Aparecida de Mello-Théry

 

RESUMO

O argumento central deste texto é a conexão entre as áreas ambientalmente protegidas, sua importância no contexto de uma metrópole mundial e os conflitos decorrentes do crescimento da população metropolitana. Em cidades como São Paulo, a presença de vegetação é um patrimônio, um indicador de qualidade de vida levado em conta pelo mercado imobiliário. Assim, o primeiro objetivo deste texto é analisar a perspectiva territorial da proteção ambiental, referindo-se ao ordenamento interno da grande metrópole e às ações coletivas de valorização territorial. Em vista desses elementos, analisamos, na segunda parte, as estratégias de reestruturação territorial adotada em políticas públicas locais, metropolitanas e sua relação com as internacionais (reserva da biosfera do cinturão verde de São Paulo e reserva da biosfera da Mata Atlântica). A terceira seção analisa os parques estaduais e urbanos ante as políticas territoriais.

Palavras-chave: Conservação, Reestruturação territorial, São Paulo.

 


ABSTRACT

The central argument of this paper is the connection between environmentally protected areas, its importance in the context of a world metropolis and the conflicts arising from growth of the metropolitan population. In cities like Sao Paulo, the presence of vegetation is an asset, an indicator of quality of life taken into account by real estate market. Thus the first aim of this paper is to analyze the territorial perspective of environmental protection referring to if the legal frame of the great metropolis and its territorial planning. In view of these elements the second part analyzes the territorial restructuring strategies adopted in public policies and its relationship with the international level (biosphere reserve of the green belt Sao Paulo and the biosphere reserve of the Atlantic). The third section analyzes the state and urban parks within the territorial politics .

Keywords: Conservation, Territorial restructuration, São Paulo.


 

 

A perspectiva territorial da proteção ambiental

Em São Paulo, da mesma maneira que nas grandes metrópoles mundiais, os problemas ambientais são uma constante, especialmente quanto à impermeabilização do solo e às poluições atmosférica e hídrica. A falta de infraestrutura e a devastação de áreas verdes contribuem para o agravamento dessas poluições. As ocupações ilegais e as periferias são mais dinâmicas que outras áreas da cidade, e, nos últimos dez anos, na periferia da cidade a taxa média do crescimento foi de 1,50%, enquanto no centro atingiu somente 1,02% (Silva, 2011). Essas consumiram áreas de Mata Atlântica e normalmente ocorrem em áreas protegidas por lei (mananciais, áreas de preservação permanente – topos de morros ou margens de rios etc.) ou nas bordas das unidades de conservação ambiental.

Nesse contexto, um conceito de extrema importância para a compreensão da perspectiva territorial da proteção ambiental urbana é o de fronteira urbana (Marques & Torres, 2005). São essas áreas onde o crescimento demográfico é maior do que o da própria cidade e onde se concentram conflitos ambientais, pelo crescimento, sobretudo de invasões. Em São Paulo, representa 30% da população (cinco milhões de pessoas) pressionando a Mata Atlântica (floresta da Cantareira, margens das represas Billings e Guarapiranga). Essa fronteira possui alta taxa de crescimento demográfico e migração, ausência do Estado e conflitos sobre o espaço, e, sobretudo, expõe seus habitantes a riscos de inundação e deslizamentos.

Considerando que o território urbano é moldado por seus habitantes e é, sobretudo, um espaço social, desigualmente dinâmico, marcado pelos conflitos de uso e pela degradação ambiental, provocando a valorização/desvalorização de diferentes zonas, não estaria o problema ambiental urbano marcado pelo dilema entre salvar o meio ambiente ou garantir o direito de moradia? O direito de moradia pode colocar em perigo os bens públicos? A expansão urbana sem controle sobre reservas de água e da Mata Atlântica, necessárias ao funcionamento do próprio sistema urbano, deve ser um dos elementos essenciais da gestão ambiental urbana.

As últimas matas primárias existentes no Estado de São Paulo estão sendo destruídas, apesar da existência de leis ou de mecanismos planificadores e legais. Além do Código Florestal, Lei n. 4.771/1965, o Decreto n. 750/1993 – específico para a Mata Atlântica – estabelece regras para conservação e uso segundo o estágio de regeneração da mata.

Apesar desses instrumentos, os diferentes atores desrespeitam as leis, pois sabem que o controle e a fiscalização das instituições públicas responsáveis não são suficientes para acompanhar cada alteração, cada transformação. Os incorporadores implantam novos condomínios ou complexos turísticos que devastam as últimas áreas de restinga e matas de encosta, os loteadores clandestinos atuam, vendem lotes baratos para a população de baixa renda, alegando regularização futura; os proprietários rurais não acatam a obrigação da Reserva Legal (RL) nem as Áreas de Preservação Permanente (APP).

Ao longo da história da humanidade, a natureza foi incorporada de distintas formas. O processo de valorização da natureza e da vegetação urbana remonta aos primórdios do século XX adquirindo maneiras ora utilitaristas, ora românticas, ora científicas, as quais sistematicamente se contrapõem. Criam-se formas espaciais, definem-se territórios com funções específicas de proteção. Governos e sociedades encontram caminhos de inserção da temática em suas políticas locais.

Stephane Héritier (2007) argumenta que a ideia de áreas protegidas como os parques nacionais tornou-se um trunfo para o desenvolvimento local porque os atores (indivíduos, associações, decisores públicos e privados) se mobilizam cada vez mais em torno dessas formas territoriais originais. Esses atores têm um papel determinante na escala local e, nesse sentido, estimulam ou acompanham as ações econômicas e sociais, visando melhorar a atividade econômica dos territórios e adaptá-los em benefício das populações residentes. Cada vez mais numerosos, os serviços ambientais dos parques vinculam-se aos objetivos do desenvolvimento local (Finger-Strich & Ghimire, 1997) ou ainda, de maneira extremamente utilitarista, transforma-se a ideia força de valorização do meio ambiente em uso desses espaços naturais para ecoturismo.

Martin Coy (2003) também contribui ao analisar os desafios da política e do planejamento urbano decorrentes da fragmentação urbana. Centrando-se na cidade de São Paulo, o autor contextualiza o aparecimento da pressão nas bordas das áreas protegidas urbanas e periurbanas por meio das configurações do espaço urbano fragmentado (favelas, moradias de baixa renda, condomínios de alta renda). Essa fragmentação é diferenciada e expõe à vulnerabilidade segundo as condições dos bairros marginais, das ocupações e das favelas (concentradas no sul, no leste e na periferia norte da cidade). Os elementos conceituais destacados pelo autor contribuem para tratar o processo fragmentação/pressão antrópica/riscos para as áreas protegidas e as perdas para a conservação ambiental e dos conflitos entre políticas públicas territoriais.

Agrega-se a esses conceitos a questão da desigualdade. Desigualdade associada ao espaço, ligada ao fator social e ao meio ambiente (Sassen, 2005). Essas desigualdades podem ser observadas nas dinâmicas econômicas e no mercado de trabalho; no mercado de terras e especulação imobiliária; por meio de políticas públicas (zoneamento, remoção de favelas ou construção de grandes conjuntos na periferia). O papel da ação pública (transportes e habitação) na organização do espaço é determinante, podendo provocar a sua valorização e/ou desvalorização. Por sua vez, essa ação pública pode também induzir a integração social por meio da regularização fundiária e reabilitação desses espaços segregados.

Assim, os espaços são extremamente desiguais e podem mesmo ter uma interferência (positiva ou negativa) das áreas destinadas à proteção do meio ambiente.

As instituições multilaterais como a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) também aportam contribuições importantes. Em escala internacional, a IUCN estabeleceu seis categorias de áreas protegidas,1 não havendo consenso sobre os critérios dessa tipologia, pois os países possuem diferentes formas de as classificar, segundo Locke & Dearden (apud Héritier, 2007). Apesar da polêmica, sua importância refere-se à possibilidade de se ter um indicador que permita comparações entre as situações dos diferentes países. Como essas categorias se apresentam na metrópole de São Paulo?

A IUCN, o Pnuma e a Unesco consolidam, dessa maneira, a visão de patrimônio natural, aproximam-no das ideias de bens públicos ou comuns (coletivos) e reforçam o papel da governança policêntrica, multiescalar e de multiatores. Apesar de o debate ao longo do século XX ter se banalizado, esses conceitos ainda permanecem ambíguos, pois a questão da propriedade está presente, irresoluta.

Elinor Ostrom (2009), Prêmio Nobel de 2010, considera que a governança policêntrica e de multiatores é uma maneira de resolver os problemas dos recursos de uso comum. Quanto mais complexo é um recurso em termos de tipos de bens e serviços oferecidos, mais difícil torna-se a criação de arranjos institucionais, especialmente em seus aspectos multiescalares. Para ela, a interação entre a governança nacional, regional e local pode aumentar a probabilidade de prioridade de conservação dos recursos naturais.

Orstrom considera que os cidadãos locais podem criar organizações com autoridade para decidir como gerir um recurso (bem coletivo), determinando regras para superar os problemas de gerenciamento das formas de acesso e de utilização, bem como métodos de controle local. Ainda são poucos os exemplos de a gestão pública e de leis nacionais incorporarem a capacidade dos atores locais para a concepção de normas eficazes, de controle e de impor sanções progressivas. Na gestão dos bens públicos (nacionais ou mundiais), o papel das escalas menores na preservação dos recursos naturais deve ser reconhecido, por isso a autora defende a ideia da governança policêntrica e ações em diferentes níveis, além da fiscalização ativa das estratégias locais, regionais ou nacionais.

A teoria da tragédia dos comuns permitiu a Lambin (2004) indicar que a regulação é a chave para a acessibilidade aos recursos naturais pelas instituições comunitárias e que a racionalidade individual pode ser perigosa para a perspectiva coletiva, caso um agente privado decida aumentar seus ganhos oriundos de uma fonte comunitária. A regulação deve ser exercida pelo Estado, mas, não implica desconsiderar a possibilidade de a coletividade exercer também esse papel. Na abordagem da economia política internacional, os bens comuns são multiescalares, eles podem ser local, regional, nacional, plurinacional e mundial. Um bem público deve estar disponível para todos tanto no nível local, nacional e mundial, de maneira que nenhuma nação seja excluída.

 

O processo de reestruturação territorial ambiental

Como se inserem nessa discussão o ordenamento e a patrimonialização das áreas naturais de conservação?

Desde que se inicia no Brasil a implantação da política de conservação ambiental, as unidades de conservação objetivam a proteção das características naturais relevantes e a garantia da proteção e conservação de seu patrimônio ambiental.2 Becker (1996) aponta que esses territórios verdes passaram a constituir elemento importante no processo de reestruturação territorial, ambiental. Contudo, alguns autores (Acselrad, 1999; Héritier, 2007) consideram que há uma relação de forças entre definir áreas protegidas e utilizá-las como forma de subtração de territórios de comunidades locais.

A capacidade de um país garantir a sustentabilidade ambiental de seu território (objetivo 7 das Metas do Milênio) é numerosas vezes representada pelo aumento desses territórios verdes. A proporção de superfície coberta por áreas protegidas é um dos indicadores utilizados mundialmente, que é calculado usando todas essas áreas em nível nacional presentes na Base Mundial de Dados sobre Áreas Protegidas (WDPA). O indicador permite avaliar o estado de proteção ou tendências, em matéria de proteção, ao longo do tempo. Tem sido amplamente aplicado em várias escalas para medir a resposta política para a biodiversidade perdida.

O governo federal adotou nos últimos anos a estratégia de estabelecer mosaicos de conservação com diferentes tipologias, constituindo grandes áreas com função específica de proteção ambiental. Em 2010, as 310 unidades federais (proteção integral e uso sustentavel) cobriram uma superfície de 75.467.815. 705 hectares.

Essa estratégia de conectividade (corredores ecológicos regionais, categorias de proteção segundo a diversidade interecossistêmica, áreas protegidas transfronteiriças etc.) parece ser um elemento central de integração das áreas protegidas no âmbito das políticas de ordenamento do território e de desenvolvimento local. Como avaliar o peso dessas políticas de conectividade vi-à-vis o de outras políticas?

Em âmbito local, a prefeitura de São Paulo aponta que os parques municipais significam desenvolvimento ao adotar as políticas de incentivo à criação de unidades de conservação municipal e de parques lineares, incentivando a conexão e recuperação dos fundos de vale.

Simultaneamente à estratégia territorial, as secretarias de Meio Ambiente do Estado e do Verde e do Meio Ambiente do município devem assegurar a participação das populações locais tanto na escolha como na gestão. Para saber se as áreas protegidas são de fato valorizadas pelas populações locais e qual sua importância no ordenamento territorial metropolitano, a IUCN elaborou uma matriz que permite identificar e analisar as condições de governança das áreas protegidas e o compromisso dos atores envolvidos.

 

 

No Estado e na cidade de São Paulo, a cooperação tem se realizado, particularmente, por meio dos conselhos gestores, normalmente paritários. Em 2010 foram contabilizados 65 conselhos (47 das unidades de proteção integral, 18 das unidades de uso sustentável, incluindo APA marinhas) estaduais.

Mas como reagem as populações em torno dessas áreas protegidas? Por sua vez, como essas áreas protegidas participam da dinâmica local fora de seus limites?

Para alguns autores como D. Goeury (in Héritier, 2007), as populações se sentem desprovidas do controle efetivo do ordenamento e da gestão de seus territórios. As ONG tentam estabelecer a participação nesses processos, mas suas ações são modestas; porém, a tendência principal é o reforço do controle das populações e dos territórios pelo poder central. O autor nos lembra que, durante muito tempo, as relações entre gestores dessas áreas e as populações foram marcadas por tensões e desconfianças.

Fica claro o modelo participativo defendido pela IUCN quando esta estabelece parâmetros de governança em sua matriz. As tensões e os conflitos em torno dos espaços protegidos revelam os desafios e os valores que as sociedades explicitam sobre seus territórios e algumas vezes evoluem para práticas de consenso decorrentes de arbitragens constantemente complexas entre os diferentes componentes dos sistemas territoriais. Para Héritier (2007), “a maneira como estas arbitragens ocorrem apresenta um interesse considerável para compreender a evolução das relações de força dentro das regiões, indo além do que significam os parques nacionais”.

Nesse contexto, é fundamental analisar as características e a situação do uso do solo metropolitano seguindo as categorias ressaltadas no mapa da Figura 1, para, a partir dessa visão mais geral, identificar potenciais conflitos.

 

 

Os usos do solo urbano têm características e dimensões diversas uns dos outros. As distintas finalidades de usos do território se complementam para amparar a ocupação humana, visando potencializar o aproveitamento das infraestruturas existentes e assegurar a preservação dos recursos naturais.

No caso da metrópole paulistana, opõem-se dois padrões de uso do solo: a concentração de áreas de matas nas periferias das zonas sul-sudoeste-oeste e o norte (o Parque Estadual da Cantareira, o pico do Jaraguá), enquanto nas zonas sul-sudeste, leste, nordeste e noroeste, identifica-se a reduzida presença de mata (nativa ou reconstituída), apenas na APA Capivari-Monos (zona de amortecimento do Parque Estadual da Serra do Mar), ou as nascentes das represas Billings e Guarapiranga. A mancha urbana se espalha seguindo o traçado das principais rodovias que convergem para São Paulo. Nos bairros e municípios localizados a noroeste da Região Metropolitana cortados pelas vias Anhanguera e Bandeirantes, encontram-se apenas resquícios de mata, tendo a urbanização fragmentada se espraiado sobre áreas mais íngremes ou de riscos.

Além dessas superfícies, outras de menor porte, dispersas pelo aglomerado, compõem a Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo. A conectividade entre elas é única configuração possível para conservação dos resquícios de vegetação existentes.

Voltando aos indicadores internacionais, como esses se apresentam na Região Metropolitana de São Paulo?

Indicadores relativos à quantidade de área verde por habitante são considerados excelente medida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). São valores expressos entre 15 m² e 8 m²/hab., variando entre aquele aceito internacionalmente pela OMS (12 m²/hab.), 15 m²/hab. – indicado pela Sociedade Brasileira de Arquitetura e Urbanismo (Sbau) – ainda 8 m²/hab., segundo o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), somente para os municípios localizados na Mata Atlântica. Segundo Takashi (2010), na cidade de São Paulo, 19 das 31 subprefeituras estão com índice de área verde por habitante (IAV) abaixo do recomendado pela OMS. Nove dentre essas (47,4%) estão localizadas na zona leste, o que levou o programa 100 Parques para São Paulo (2005) a implantar nessa região mais de 50% dos parques.

A influência de intervenção dos atores transnacionais sobre a governança das áreas protegidas pode ser identificada nas inovações dos modos de gestão e financiamento, nas relações com o Estado. Nesse sentido, as estratégias (aprovadas em Sevilha, 1995) estimuladas pela Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo (RBCV) voltam-se para a consolidação na implantação da Agenda XXI e simbolizam a ação de múltiplas escalas.

A sobreposição dessas escalas de gestão internacional, estadual e municipal se concretiza por meio da Unesco, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, e da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo. Sua importância no contexto da maior metrópole brasileira reveste-se, além de seus aspectos intrínsecos de floresta, especialmente na melhoria das condições de circulação e poluição atmosférica, preservação de espécies animais e vegetais, ou ainda como áreas de lazer, representando diferentes usos. A RBCV preserva importantes sítios do bioma Mata Atlântica, abrangendo grande número de áreas protegidas, em diferentes categorias de proteção ao patrimônio ambiental, cultural, histórico, artístico paisagístico e as terras indígenas.

Afora as múltiplas escalas, como se articulam iniciativas, aparentemente contraditórias, de participação e de controle?

Se, de um lado, as estratégias internacionais reforçam a implantação da Agenda XXI e de programas de capacitação da população local, assumem, para a concretização de seu objetivo, duas formas de ação: utilizar as reservas como modelo de ordenamento do território e locais de experimentação do desenvolvimento sustentável e aplicar o conceito de reserva, integrando suas funções, incluindo técnicas de solução de conflitos.

De outro lado, as estratégias estaduais e municipais se voltam para a implantação dos programas governamentais propostos nos planos diretores das cidades que integram a metrópole, muitos dos quais são resultantes da mobilização social nos períodos dedicados à montagem da Agenda XXI.

Dentre os programas primazes do governo do Estado e da cidade de São Paulo, o de unidades de conservação, estadual e municipal, adota a estratégia territorial de reordenar o que resta de natureza na Região Metropolitana por meio de corredores, aos quais se associam o de parques lineares e urbanos.

 

A cidade de São Paulo: a presença de parques estaduais e parques urbanos

Como tornar a urbanização menos desigual e mais sustentável? Para Vitte (2000, p.33), é a satisfação das necessidades humanas, sem esgotar o “capital natural”. Nesse sentido, a autora retoma a noção de planejamento e sustentabilidade urbana, destacando entre suas categorias aquela “relacionada à provisão dos serviços de lazer e recreação, proteção de patrimônios naturais e culturais e proteção de paisagens naturais e estéticas”, que pode ser representada pelos parques urbanos existentes nos limites do município de São Paulo.

Para Acselrad (1999, p.86), a sustentabilidade urbana deve manter uma proposta de reprodução adaptativa das estruturas urbanas,

que têm por foco o reajustamento das bases de legitimidade das políticas urbanas, procuram, por sua vez, refundar o projeto urbano segundo o modelo da eficiência ou da eqüidade. Em ambos os casos, estará em jogo a cidade como espaço de construção durável de pactos políticos capazes de reproduzir no tempo as condições de sua legitimidade. Ao promover uma articulação ambiental do urbano, o discurso da sustentabilidade das cidades atualiza o embate entre “tecnificação” e politização do espaço, incorporando, desta feita, ante a consideração da temporalidade das práticas urbanas, o confronto entre representações tecnicistas e politizadoras do tempo, no interior do qual podem conviver, ao mesmo tempo, projetos voltados à simples reprodução das estruturas existentes ou a estratégias que cultivem na cidade o espaço por excelência da invenção de direitos e inovações sociais.

Assim, revalorizar as áreas protegidas existentes na Região Metropolitana e ampliar o seu numero ou sua conectividade entrou no discurso governamental.

As unidades de conservação estaduais, no interior da região, são os parques estaduais Alberto Löefgren (Horto Florestal), Cantareira, Jaraguá, Serra do Mar, das Fontes do Ipiranga, os parques ecológicos do Guarapiranga e do Tietê, as áreas de proteção ambiental Várzeas do Rio Tietê, Mata do Iguatemi, Parque Villa-Lobos e da Água Branca.

Além dessas, as áreas sob responsabilidade administrativa do município são as duas APA (Bororé-Colônia e Capivari-Monos), dois parques naturais (do Carmo e da Cratera), uma RPPN (Curucutu) e quatro parques naturais em processo de implantação (Jaceguava, Itaim, Bororé e Varginha), criados como compensação ambiental pela implantação do trecho sul do Rodoanel.

Agregam-se a essas áreas protegidas os parques urbanos e o programa 100 parques, os quais priorizam essencialmente o potencial paisagístico. No entanto, quais são as atribuições e os atributos de um parque urbano? Os principais elementos para um parque urbano são a sua geografia física, a sua função urbana e o relacionamento com seu entorno, segundo Kliass (1993). Destarte, os questionamentos levantados por Héritier (2007) a respeito da reação das populações localizadas em torno dessas áreas e como essas áreas participam da dinâmica local são extremamente pertinentes. Segundo Kliass (1993), esses parques não são aproveitados efetivamente pela população do entorno, e uma das estratégicas do município foi implantar o Conselho Gestor dos Parques Municipais, como forma de aproximação governo-comunidade.

Como a vegetação tem sido utilizada como um parâmetro para avaliação da qualidade de vida, a caracterização da paisagem de ruas, praças e parques contribui para dar noção de espaço ao ser homem e realçar o ambiente físico da cidade, dando-lhe um contato contemplativo e recreativo à natureza (Furlan, 2004). Tal a sua importância que passou a integrar as diretrizes da política municipal de Áreas Verdes (Lei Municipal n.13.430/2005), a qual trata a vegetação como elemento integrador na paisagem urbana, incorporando superfícies significativas ao Sistema de Áreas Verdes do município, ampliando a arborização de ruas, criando faixas que conectam praças, parques ou áreas verdes, assim como objetiva a recuperação de áreas degradadas de importância paisagístico-ambiental.

O Plano Diretor Estratégico criou o Sistema de Áreas Verdes (art. 131) formado pelo conjunto de espaços ajardinados e arborizados, de propriedade pública ou privada, necessários à manutenção da qualidade ambiental urbana. O mesmo plano introduziu os Parques Lineares, voltados para a recuperação dos fundos de vale e de sua paisagem, e o Programa de Recuperação Ambiental de Cursos D’Água e Fundos de Vale, com o objetivo de considerar a Rede Hídrica Estrutural como elemento estruturador da urbanização, restaurando a lógica ambiental da bacia hidrográfica.

Planos de áreas verdes contemporâneos no município de São Paulo são antigos. Entre 1967 e 1969, desenvolveu-se um plano que categorizou as áreas verdes de recreação. Em 1984, o Plano Diretor indicava que já não havia mais áreas para a instalação de parques urbanos. Em 2002, o Plano Diretor Estratégico estabeleceu a política de ampliar as áreas verdes para melhorar o índice de área verde por habitante (art. 131). Entre 2005 e 2010, o balanço municipal apontou um acréscimo de 100% em número de parques municipais (de 34 para 67). Destacam que todas as 31 subprefeituras e os 96 distritos da cidade possuem um parque implantado, em implantação ou em projeto.

Em termos de área, o crescimento foi de 15 milhões de metros quadrados em 2005 para 24 milhões de metros quadrados em 2010. Até 2012, quando os 100 parques estiverem implantados, serão mais de 50 milhões de metros quadrados (Secretaria Municipal do Verde…, 2011). Como contrapartida da sociedade, a prefeitura realiza um esforço para reconhecimento de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN). O mapa da Figura 2 apresenta os parques públicos e as áreas de proteção localizados na cidade de São Paulo.

 

 

Não é novidade a afirmação de que a expansão da periferia é um indicador do afluxo de pessoas de mais baixa renda em loteamentos irregulares sem infraestruturas, reforçando o ciclo vicioso da pobreza. Essas ocupações estão em locais onde se localizavam originalmente chácaras e sítios, especialmente nos contrafortes face sul da Cantareira e na região das represas ao sul da cidade de São Paulo, e atingem áreas de mananciais.

Além do IAV, a proteção de mananciais de abastecimento constitui outro parâmetro urbanístico do Plano Diretor Estratégico, no qual se previram ocupações de baixa densidade populacional e expansão controlada das redes de infraestrutura para essas áreas.

Visto sua importância para a manutenção do próprio sistema urbano, aumenta a problemática questão de suprir, com qualidade e quantidade de água, os quase 20 milhões de habitantes diante da constatação de que todas as áreas de mananciais são alvos da expansão da mancha urbana dos municípios, caracterizada pelo deslocamento das populações mais carentes para as áreas periféricas. Somente 50% da água consumida na RMSP é produzida pelos mananciais existentes na região, em especial a represa Billings, a Guarapiranga e o Sistema Alto Tietê, o restante é importado da Bacia do Rio Piracicaba, a 70 km de SP. A APA Capivari-Monos foi criada com o objetivo de manutenção da qualidade da água do manancial, integrando a Reserva da Biosfera do Cinturão Verde.

Apesar da proibição legal, a área da represa Billings é ocupada por densidades elevadas, com novos pólos industriais e de serviços. Com a mudança do uso do solo, as chácaras produtivas transformaram-se em chácaras de lazer e/ou em espaços caracterizados pela ausência de programas habitacionais.

A ação pública mostra, assim, seu discurso antagônico à sua ação: insiste em ampliar as áreas protegidas sob forma de parques urbanos, porém não consegue manter longe das ocupações ou mesmo de bairros regulares os mananciais fundamentais para o abastecimento da cidade.

 

Concluindo

Do ponto de vista de políticas públicas, os atores públicos se veem ante decisões do que fazer com populações que invadem áreas de conservação. Ou, ao contrário, utilizam o discurso local de atendimento às necessidades das populações sem moradia, prejudicando a própria gestão e a capacidade de ações coletivas de valorização territorial, com a mobilização das populações dessas áreas protegidas.

Os gestores tentam responder aos desafios colocados para a população urbana por meio de programas de habitação, de reabilitação ou de conservação. Políticas públicas (municipais, estaduais ou federais) de conservação se encontram ante esses sérios desafios. O agudo problema de moradia, com o crescimento do alojamento precário, da fratura espacial, da periurbanização rápida socialmente contrastada, das ameaças em seu meio ambiente, tão fragmentado quanto a própria cidade, exige esforços para reduzir o impacto dessas políticas sobre as áreas protegidas, estes nem sempre promissores.

As políticas habitacionais, os programas para a criação de bairros populares ou melhoria de áreas de favelas, a ação descentralizada e a própria “ideologia” subliminar desses programas que visam estritamente ao fornecimento do alojamento sem se preocupar com o meio ambiente local normalmente contradizem diretrizes de proteção ambiental. A gestão urbana tradicional se restrige à ação dual ante o problema de moradia ou da conservação. Por sua vez, gestores públicos já incorporaram, em seus discursos e ações, a ideia de que as áreas de proteção ambiental, sob suas mais diferentes configurações, devem fazer parte do modelo de desenvolvimento local, prestando serviços ambientais.

As políticas públicas não podem ser fonte de conflitos; antes disso, precisam ser articuladas, estar coesas para conquistar que as populações se envolvam e passem a defender a qualidade ambiental e não as antagonizem. Além de melhorar a governança para o envolvimento das populações deve servir também para que vejam as áreas verdes como elementos importantes para a manutenção do próprio funcionamento do sistema urbano e da qualidade ambiental de seus territórios.

Nesse contexto, é imperioso romper com o processo continuado de expansão da fronteira urbana em direção às áreas protegidas. Essas fazem parte das prerrogativas do novo modelo de proteção ambiental urbana.

 

Notas

1 (i) Proteção integral: reserva natural restrita/área natural florestal; ii) conservação de ecossistemas: parque nacional ou equivalente; iii) conservação das características naturais: monumento natural; iv) conservação por meio de gestão ativa: área de gestão de hábitat/espécie; v) conservação de paisagens terrestres e marinhas e de recreio: paisagens terrestres e marinhas protegidas; vi) utilização sustentável dos ecossistemas naturais: área protegida com gestão de recursos naturais.

2 O Sistema Nacional de Unidades de Conservação somente foi criado com a Lei Federal n. 9.985 de 18.7.2000, regulamentada pelo Decreto n.4.340 de 22.8.2002; porém desde 1965 a regulação dava-se por meio do Código Florestal, e a ampliação da tipologia das UC era estabelecida pelo Conama.

 

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Neli Aparecida de Mello-Théry é professora associada da Escola de Artes, Ciências e Humanidades e coordenadora do grupo de estudos “Políticas públicas, territorialidades e sociedade” do Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP). @ – namello@usp.br

Estudos Avançados
versão impressa ISSN 0103-4014
Estud. av. vol.25 no.71 São Paulo jan./abr. 2011
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142011000100012 

EcoDebate, 15/02/2012

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