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O panorama da renda no momento da crise, artigo de Washington Novaes

 

[O Estado de S.Paulo] O falecido ministro Roberto Campos recomendava cuidado com as estatísticas, porque com elas se pode demonstrar qualquer coisa – embora ele mesmo fosse mestre em usá-las em defesa de suas teses raramente pacíficas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) comentados há poucos dias (15/12) pelos jornais poderiam ser um bom exemplo, ao mostrarem que 25% de toda a renda gerada no País se concentra em cinco municípios, apenas (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba e Belo Horizonte). Mas os dados também mostram que essa parcela da renda se concentra em menos de 0,1% dos 5.565 municípios brasileiros e nesses cinco vive 12% da população total.

Outro dado da concentração da renda está em que 51 municípios (menos de 1% do total) detêm 50% do produto interno bruto (PIB), enquanto 1.302 outros municípios (23% do total) geram apenas 1% do PIB. Ou ainda: os 10% de municípios com maior PIB têm 95,4 vezes mais renda que a média dos 60% de municípios com menor renda. E três quartos dos municípios têm renda inferior à média nacional.

Convém ter essas informações presentes no momento em que tanto se apregoa a ascensão da economia brasileira a um seleto clube no mundo, com possibilidade de se transformar numa das maiores em pouco tempo (dependendo do quanto seja ou não atingida pela crise dos países industrializados). Elas podem ser cotejadas também com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – Pnud (Agência Estado, 3/11). Consta ali que o Brasil está em 84.º lugar entre 187 países avaliados, com IDH de 0,718. A Noruega, primeira colocada, tem 0,93; e o país latino-americano mais bem avaliado, o Chile, em 44.º lugar, tem 0,805. O IDH leva em conta, além do PIB per capita, a expectativa de vida (73,5 anos no Brasil) e os anos de escolaridade (7,2 anos médios, aqui) da população.

Avaliações internacionais como essa têm mostrado o Brasil como um dos países de maior concentração da renda no mundo. O próprio governo federal tem informado que o programa Bolsa-Família beneficia hoje quase 13 milhões de lares, onde vivem mais de 40 milhões de pessoas, perto de 20% da população total. E temos 9,7% de analfabetos, ou 18,6 milhões de pessoas. Por outro ângulo, verifica-se (Estado, 28/11) que São Paulo tem nada menos do que 914.926 famílias vivendo em situação de risco, em áreas precárias ou em terras irregulares; 25% da população, perto de 4 milhões de pessoas, mora “em favelas, loteamentos, cortiços e outras áreas irregulares”. Só para eliminar essa precariedade seria necessário investir R$ 58 bilhões em 14 anos. E pode ser ainda mais contundente: segundo o Unicef-ONU, em uma década dobrou e chegou a 661 mil o número de lares chefiados por adolescentes (15 a 19 anos) e a 113 mil o número de famílias chefiadas por crianças entre 10 e 14 anos (Estado, 1/12). Não bastasse, a cada dia são assassinados 11 adolescentes com idade entre 12 e 17 anos.

O economista Fábio Giambiagi, em artigo neste jornal (29/11), fez outras aproximações. Segundo ele, o Brasil em 2011 tem 20% de sua população no patamar da pobreza e 7% na “extrema pobreza”. A renda média das pessoas de 10 anos para mais, segundo estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) que cita, era de R$ 1.094 em setembro de 2009. Mas a renda média dos 10% mais pobres não passava de R$ 109. Já o Censo de 2010 diz que a média nacional da renda domiciliar per capita era de R$ 668. Mas os 25% mais pobres da população não passavam de R$ 188 (pouco mais de um terço do salário mínimo da época) e 50% não ultrapassam R$ 375 (menos de três quartos do salário mínimo).

Mesmo entre proprietários na área rural a situação pode ser muito inquietante, se se lembrar (Estado, 1/12) que 70,4% dos 5,2 milhões estão nas classes D e E, ou seja, 3,46 milhões, enquanto nas classes A e B são apenas 300 mil. Outros 796 mil pertencem à classe C e 433 mil têm “valor bruto de produção nulo”. A classe D/E contribui com apenas 7,6% do valor bruto de produção, com metade dos seus integrantes gerando um valor anual de até R$ 1.455, apenas. Na classe intermediária (15,4% dos estabelecimentos e 13,6% do valor bruto de produção), a renda líquida mensal fica entre R$ 947 e R$ 4.083. A classe A/B, com 5,8% dos estabelecimentos, detém 78,8% do valor bruto de produção.

Ninguém mais duvida de que o ponto crucial para a transformação desse quadro está na educação. Porque hoje temos 3,1% das crianças brasileiras entre 7 e 14 anos fora da escola (5,5% no Norte; 3,2% no Nordeste; 2,8% no Sudeste e Centro-Oeste; e 2,2% no Sul); 16,7% da faixa entre 15 e 17 anos também está fora da escola (18,7% no Norte; 17,2% no Nordeste; 18,6% no Sul; 16,9% no Centro-Oeste; e 15% no Sudeste). É uma base que precisa de investimentos maciços, juntamente com uma formação profissional muito mais eficiente em todas as faixas – quando nada para eliminar o índice alarmante de “analfabetismo funcional” (há quem fale em mais de 50% das crianças e adolescentes até o oitavo ano de escola).

Sem avanços expressivos nesse campo, será difícil também melhorar o panorama na área do emprego, em que a ocupação de pessoas de 10 anos ou mais pouco passa de 53,3% (60,1% é a maior taxa, no Sul; e 47,1% a menor, no Nordeste). E pouco menos de dois terços (65,2%) têm carteira assinada.

Tendo em vista todo este quadro, a tarefa dos próximos tempos será duplamente difícil entre nós: impedir que o País seja atingido com intensidade pela transferência de custos da crise econômico-financeira do “Primeiro Mundo”; e trabalhar para que os custos da crise aqui, como lá, não sejam bancados por toda a sociedade, que teria de pagar por excessos do setor financeiro. Se na Europa e nos Estados Unidos as consequências disso já são alarmantes, imagine num país com as desigualdades de renda e oportunidades como o Brasil. Seria profundamente injusto.

Washington Novaes, jornalista, e-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 27/12/2011

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