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Artigo

Humildade e coragem, artigo de artigo de Montserrat Martins

 

[EcoDebate] Eu não lembro, sinceramente, de discurso presidencial admitindo que algo não está bem e precisa melhorar. O discurso da Presidenta falando em “humildade e coragem” foi algo novo, para quem costuma prestar atenção nessas falas. Certo, o ceticismo nos lembra que são apenas palavras, mas isso não é pouca coisa, reflete um estágio de consciência e de civilidade. No caso, foi empregado em um discurso sobre saúde. Mas a importância dessa atitude será decisiva em uma questão crucial para o país, a legislação relativa ao desmatamento, que será submetida à sanção ou veto presidencial.

Me sinto à vontade para elogiar a fala da Presidenta, pelo fato de ter votado em outra candidata. Normalmente, falas presidenciais são usadas para exaltar feitos e prometer o que falta. Por isso, gostei de ouvir no discurso sobre a saúde, dia 8 deste mês, este trecho: “De parte do governo federal, isso significa uma lição de humildade e coragem. Humildade para reconhecer que a situação da saúde pública não está boa e precisa melhorar. Coragem porque estamos atraindo para nós a responsabilidade de liderar este processo (…) para firmar um pacto de emergência republicana na área da saúde”.

Quem acha “pouca coisa” alguma forma de autocrítica do governo, tente achar uma frase semelhante em algum discurso do Chavez. Nos do Bush, com certeza, ninguém vai procurar. Palavras até podem ser “só palavras”, mas refletem, sim, nosso grau de cultura política – e nesse terreno, é inegável que a capacidade de autocrítica (mesmo que fosse apenas retórica) está no extremo oposto do autoritarismo. Pois a retórica autoritária é sempre a de culpar as forças políticas que se opõe a ela, nunca a da autocrítica.

Na ocasião do discurso, foram lançados programas que merecem ser saudados, o “Melhor em Casa” (para atender pacientes crônicos, idosos, em recuperação de cirurgias ou em reabilitação motora) e o “SOS Emergências” (para qualificar inicialmente 11 grandes hospitais públicos de um total de 40 até 2014). Outra expressão realista foi a do “enxugar gelo”, já que os desafios da saúde pública são mesmo imensos, exigindo esforços permanentes e coordenados. Há questões que não são desta área mas que influem nela, como é o caso do trânsito. Mais rigor contra o uso de álcool na direção, proposta que está tramitando em projeto de lei, pode repercutir naquela parcela dos atendimentos em hospital que decorrem dos acidentes.

Por fim, a mesma humildade e coragem que Dilma manifestou nesse pronunciamento será colocada em prova no duro desafio de sancionar ou vetar as mudanças no Código Florestal, incluindo a anistia aos desmatadores que a Presidenta já anunciou que irá vetar. Humildade, por reconhecer que a base aliada nessa área é menor que a “zona” de influência dos ruralistas no Congresso. Coragem de assumir que, eleita pelo povo, a Presidenta é a última instância para corrigir a distorção entre a vontade popular – e os interesses maiores do país – e os arranjos ocasionais dos congressistas. Quem no dilema da saúde surpreendeu pela humildade, vai precisar nesse assunto principalmente da coragem, pela grandeza desse desafio.

Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra.

EcoDebate, 11/11/2011

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