Comunidades sustentáveis: habitação e empregos dignos, artigo de Roberto Sansón Mizrahi
[Opinión Sur] Este artigo apresenta uma importante intervenção local para resolver situações de desigualdade e pobreza: comunidades sustentáveis que integrem em uma mesma iniciativa soluções habitacionais bem planejadas com medidas para gerar ocupação digna. Em que consistem? Como organizá-las? Quem poderia tomar a iniciativa? Qual é o significado e que implica dedicar soluções de excelência para mobilizar setores de baixa renda?
A desigualdade e a pobreza requerem ser enfrentadas com esforços em vários níveis. No nível nacional e estadual, com políticas que estabeleçam regulações e financiamento de macro projetos; no nível mesoeconômico (o espaço das redes produtivas e cadeias de valor), promovendo que o aparato produtivo e, em especial, os que liderem cadeias produtivas exerçam responsabilidade mesoeconômica com seus trabalhadores, seus provedores, seus distribuidores e ainda seus clientes; no nível local, alentando que municípios, junto com movimentos sociais, organizações da sociedade civil, a comunidade científica e tecnológica, os formadores de opinião assumam iniciativas concretas para abater a pobreza e a desigualdade em sua localidade. São muitos e diversos os atores que devem mobilizar-se para encarar um flagelo gerado pela forma como as sociedades têm se organizado e cujas implicações não são somente éticas mas se projetam sobre a coesão social, os movimentos políticos, a governabilidade democrática e o funcionamento mesmo do sistema econômico; a desigualdade e a pobreza constituem uma das principais causas da crise que afetam o mundo contemporâneo [1] .
Este artigo focaliza em uma importante intervenção que pode ser enfrentada em nível local para resolver situações de desigualdade e pobreza: comunidades sustentáveis que integrem em uma mesma iniciativa soluções habitacionais bem planejadas com medidas para gerar ocupação digna.
Protagonismo local com respaldo nacional e estadual
É em nível local onde penúrias e necessidades se expressam com toda sua virulência. Interrupções em estradas, invasão de terras, manifestações multitudinárias, violência popular consomem enormes energias e provocam tremenda instabilidade social. Para pobres e indigentes, uma reclamação básica é ter um espaço onde viver com dignidade e renda genuínas que lhes permitam emergir de suas adversas circunstâncias. Isto implica dispor de uma habitação em um ambiente seguro com apropriada infraestrutura física, equipamento social e acesso a empregos dignos. A organização, a implementação, a gestão e o custo dessas soluções supera e muito a capacidade de qualquer ator isolado. O desafio passa pela combinação de iniciativa e coordenação local com a mobilização de apoios do governo nacional e estadual, o setor privado, a comunidade científica e tecnológica, as organizações da sociedade civil e, no centro do esforço, a participação das famílias pobres e indigentes e dos movimentos sociais que as respaldam.
Não se trata de que um punhado de famílias encontre solução para seus problemas, mas sim que comunidades inteiras consigam-no. Pode tratar-se de comunidades já existentes que residem em áreas não aptas para uso residencial ou famílias de diversa origem em busca de um lugar onde se assentar, mas todos, por livre decisão, escolhendo radicar-se em espaços bem localizados e programados para desenvolverem-se como comunidades sustentáveis. Isto é, comunidades de famílias que vivem e trabalham em espaços planificados urbanisticamente onde convergem diversos tipos de recursos, apoios e valores: própria cultura e esforço, recursos financeiros e de gestão, conhecimentos de excelência, contatos comerciais e institucionais, responsabilidade social e ambiental. A noção de uma comunidade sustentável constitui uma utopia referencial necessária que serve para guiar múltiplas ações de curto e médio prazo que, de outro modo, poderiam não se desenvolver ou fazê-lo a um alto custo enquanto se esbanjem os valiosos recursos. É ao mesmo tempo uma iniciativa que a própria população constrói, já não abandonada à sua sorte mas com todo o peso da ação concertada do Estado, o setor privado e a sociedade civil.
O protagonismo principal é local, seja se lidere um município, um movimento social ou outro ator local comprometido com o estabelecimento de comunidades sustentáveis. Com esse norte e uma firme gestão, é possível somar outros esforços, mas como fazê-lo?
Principais componentes
(i) O acesso a uma terra bem localizada e apta para receber assentamentos populacionais é um fator crítico. Existe tanto terra pública disponível que se pode destinar sem ou a baixo custo, como terra privada que se pode comprar ou expropriar a um preço justo. É possível atuar caso por caso adquirindo terra urbanizável cada vez que se apresente a oportunidade de estabelecer uma nova comunidade sustentável ou pode ser que convenha conformar um fundo de terras, financiado com aportes estaduais e nacionais, que se provenha do solo necessário para cobrir demandas presentes e futuras.
(ii) Toda fração de terras destinada a uma comunidade sustentável deve ser entregue com sua correspondente planificação urbanística; já não mais assentamentos que carecem de ordenamento e previsão crescendo caoticamente, com o que afetam a qualidade de vida de sua população e geram altos custos de funcionamento e de provisão de serviços. Os que desenvolverem projetos de comunidades sustentáveis terão a responsabilidade de realizar o planejamento urbano das frações de terras envolvidas incluindo futuras áreas de expansão; este planejamento deve ser realizado com consulta aos que habitarão o novo assentamento.
(iii) As soluções habitacionais devem se apresentar como um processo que evolui em função do crescimento familiar e de suas rendas. Em todos os casos, trata-se de habitações dignas cumprindo com os padrões correspondentes para receber a dita qualificação. Deve-se começar dotando um núcleo habitacional básico que inclua sala de estar, banheiro, cozinha e um ou dois dormitórios. Este núcleo faz parte de uma solução habitacional prevista para ser completada progressivamente quanto a seu equipamento e a sua expansão predial segundo evoluam as necessidades e os recursos da família. A ideia é trabalhar com soluções de qualidade e baixo custo que tenham sido desenvolvidas com êxito no país. Para reduzir o custo do núcleo habitacional básico, devem-se utilizar aportes de força de trabalho familiar, compra massiva de insumos e materiais e técnicas construtivas apropriadas. A proposta contempla utilizar créditos com baixas taxas de interesses assim como outras facilidades e subsídios que pudessem ser parte de programas públicos já existentes.
(iv) A infraestrutura física e o equipamento social do conjunto habitacional deveriam ser providos pelo desenvolvedor do projeto e financiados a cargo do orçamento das entidades públicas que decidissem participar nas novas comunidades sustentáveis.
(v) Propõe-se que cada comunidade sustentável conte com uma pequena desenvolvedora de empreendimentos produtivos especializada em identificar oportunidades para que, utilizando moderna engenharia de negócios, pequenos produtores possam se articular com sócios estratégicos em empreendimentos produtivos de porte médio. Estes empreendimentos inclusivos logram operar em melhores condições enquanto escala, gestão, conhecimentos, acesso a mercados, financiamento e contatos comerciais e institucionais. Para uma caracterização de empreendimentos inclusivos e as desenvolvedoras que os promovem podem ser consultados artigos anteriores de Opinión Sur em www.opinionsur.org.ar .
Diversidade de situações e de soluções
A realidade apresenta uma enorme diversidade de situações que requerem ser tratadas de acordo com a singularidade de cada caso. Não é o mesmo intervir em áreas metropolitanas de alta densidade de população e relativa escassez de solo disponível, do que em cidades pequenas e médias onde os espaços de expansão urbana são mais abundantes e, menos ainda, em áreas rurais onde talvez uma comunidade sustentável possa implicar estabelecer um novo povo que atue como centro de prestação de serviços e assentamento residencial de população antes dispersa.
Quiçá a planificação territorial do país ou do estado recomende enfatizar um desenvolvimento regional mais equilibrado que aminore ou reverta a enorme concentração populacional e produtiva em grandes áreas metropolitanas agoniadas pelos altos custos de aglomeração. Sem excluir as áreas metropolitanas, implicaria priorizar ações em estados e em localidades que tenham potencial de crescimento, mas que requeiram respaldo nacional para se materializar. As comunidades sustentáveis podem, nesse sentido, complementar outros esforços orientados a integrar mais racionalmente o território nacional, ajudando a reter população local e reorientando migrações para novos polos de desenvolvimento regional.
Significado e implicações das comunidades sustentáveis
Um programa de comunidades sustentáveis como o proposto implica reverter a atitude tradicional de ignorar ou destinar as piores soluções aos setores pobres e indigentes. Trata-se de mobilizar o potencial de talento e energia social que se aninha em grandes maiorias hoje absurdamente desaproveitado. Combina o próprio esforço dos que desejem fazer parte das novas comunidades sustentáveis com o apoio de diversos atores do setor público, do privado e da sociedade civil. É uma iniciativa que integra soluções habitacionais dignas com esforços para desenvolver novos e promissores empreendimentos produtivos gerando renda que permita atender as necessidades familiares e assumir o pagamento da habitação progressiva. Busca-se assegurar qualidade de vida a setores que têm sido marginalizados dos benefícios do desenvolvimento, agora integrados em comunidades sustentáveis que valorizam sua identidade cultural e atuam com responsabilidade social e ambiental.
O leitor pode tirar suas próprias conclusões acerca do impacto político, social, ambiental e econômico dessas novas comunidades sustentáveis. As restrições que se enfrentam não se reduzem à disponibilidade de recursos financeiros; falemos claramente, os recursos financeiros existem ainda que seja óbvio que, até agora, não se tenham canalizado para este tipo de empreendimento. O desafio passa pela compreensão que o financiamento de comunidades sustentáveis que integrem e mobilizem setores pobres e indigentes não é um gasto de consumo, mas um investimento de altíssima rentabilidade social, política, ambiental e também econômica, por seu grande efeito multiplicador.
Destinar recursos financeiros e de gestão para estabelecer comunidades sustentáveis passa com sucesso por qualquer tipo de exame. O tema é se temos determinação para atuar, se somos capazes de superar prejuízos e trabalhar formas efetivas de mobilizar social e produtivamente os setores pobres e indigentes, se evitamos ingenuidades e conseguimos obter o ativo respaldo de políticos, governantes e administradores, se, em primeira instância, os movimentos sociais vão querer debater e ajustar estas iniciativas para fazê-las suas e incluí-las em suas reivindicações.
Não é simples passar do lamento à ação, nem tão pouco superar as múltiplas dúvidas e interrogações que toda nova iniciativa gera. É certo que os desafios são significativos e que uma nova e distinta geração de tensões emergirá em cada uma das novas comunidades sustentáveis. É que seus habitantes levarão em suas mochilas, não o esqueçamos, o melhor e o pior de cada um. Haverá que administrar conflitos e desavenças como ocorre em qualquer conjunto social, ainda que, desta vez, em um contexto mais promissor e facilitador. Disso se trata, é abrir uma nova via para mobilizar energias, desejos e aspirações de enormes contingentes populacionais injustamente castigados, é somar o talento e a energia que, sem dúvida, têm para procurar viver melhor e transformar-nos todos no intento.
Notas
[1] Sobre esta temática, ver livros da Colección Opinión Sur Los hilos del desorden, Un país para todos, Negocios locales oportunidades globales y Ajustar el rumbo.
Artigo originalmente publicada na revista online Opinión Sur.
EcoDebate, 10/10/2011
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